sábado, fevereiro 21, 2009

Minha Querida Helena

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” (B. B.). Sendo assim embora, tenho que agradecer a benevolência com que apreciaste os breves momentos que passámos juntos e pedir-te desculpa por te ter tratado de forma tão rude.
Fico muito desconfortável quando alguém penetra no meu mundo e ainda mais quando, simultaneamente, pressinto “estranhos” a tentar cercar-me. Nessas circunstâncias, sou obrigado a pôr armadura e a rechaçar quem quer que se aproxime. Tu foste vítima disso. Pode ser que numa próxima vez tenhas mais sorte. Não posso dizer-te mais nada, isto é, não sou capaz de garantir-te que isso não volte a acontecer.
Fazes-me falta, é certo. Disso te falei já noutra ocasião. Também te dizia que é da minha natureza sentir falta de quem me faz sorrir. Não te disse, no entanto, que a natureza sou eu e tu sabes quanto a natureza é caprichosa e injusta, porque lhe escapa o sentido comum de justiça.
Sinto falta de ti, mas, amiúde, não deixo de perceber-te como uma ameaça. Ameaça-me a incerteza de ser teu porto seguro ou, melhor, a certeza de saber que nos mares por onde navego raramente há águas calmas e se, com engenho, algumas vezes, a pulso, na maior parte dos casos, vou conseguindo manter o barco à tona da água, receio que o teu peso altere este frágil equilíbrio que me permite marear.
Fazes-me falta sobretudo nestes dias amargos. As tuas ausências ocupam-me o pensamento e, no entanto, não me deixo convencer que não sejas uma ameaça ao meu mundo. Balanço entre baixar defesas e deixar-te entrar ou manter-me em estado de alerta, protegido por muralhas que nem tu saberás galgar.
Querida Helena, perdoa-me por, nestes breves momentos que passámos juntos, não ter sido capaz de deixar de ser natureza para ser tão só o amor que anseias ter, suave e doce.
Um beijo muito grande,

José Cadima

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Que é amar?

É sentir esta vontade de correr para ti
Correr e correr sem parar
Fazeres-me rir
Fazer-te sorrir
Baloiçar-me
Baloiçar-te
Fazer Dlim, Dlão
Esquecendo o mundo lá fora
Fazer versos apenas para ti
Senti-los e alimentá-los
Sentir de forma intensa os teus Xi-Corações
Que nunca tive antes
Permitires que me revele
Que seja eu própria, finalmente
Mimares-me
Mimar-te
Ter a certeza de que te vou amar até ao fim

C.P.

sábado, fevereiro 14, 2009

Falta de ti

Fazes-me falta.
Fazes-me muito falta,
e não é por ser dia de namorados.
É, antes, porque é da minha natureza
sentir falta de quem me faz sorrir,
de quem me faz sentir relevante,
num tempo de datas e gestos gratuitos.
É bom sentirmo-nos desejados.
Sinto falta de ti,
amor de anos tardios,
quando o amor parecia
não estar mais ao meu alcance.
Fazes-me falta sobretudo nestes dias amargos,
em que a tua ausência sofrida
te torna mais presente no meu pensamento.
Fico a desejar que amanhã queira dizer regresso.
Fico a ansiar que as circunstâncias infelizes
que te mantiveram longe, nestes dias sofridos,
sejam apenas tempo de espera de dias risonhos.
Sinto falta de ti,
uma desesperante falta de ti.


José Cadima

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Beijar-te

Era capaz de beijar o teu corpo todo,
e depois voltar a fazê-lo.
Era capaz de te olhar nos olhos,
e contemplar a beleza que deles irradia,
durante horas.
Era capaz de te abraçar,
e sonhar que esse momento durasse para
sempre…

José Pedro Cadima

(poema extraído de "Sonhos a Um espelho", Papiro Editora, Lisboa, 2009 - conferir data de lançamento público na mensagem imediatamente abaixo)

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Sonhos a Um Espelho


O autor José Pedro Cadima e a Papiro Editora têm o prazer de convidar V. Exa. a estar presente no lançamento promocional do livro Sonhos a Um Espelho, que terá lugar no dia 14 de Março de 2009, pelas 16 horas na Fnac Braga Parque.

Papiro Editora
Lisboa
Rua Virgílio Martinho nº3 D escritório F 1600-821 Lisboa
t 218 931 620 * f 218 931 629 * infolisboapapiroeditora.com

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Passar a Ponte

Foi há cerca de oito meses
Que uma ponte te quis lançar
Não sabias na altura
Que ta queria entregar
Para passares
Sem perigo de baloiçares
Eras então um grande desafio
Ainda bem que o abracei
Pois sei que o serás para todo o sempre
Hoje como então
Continuo a sentir-te a todo o instante
Mas já sem agonia constante
Alegria sinto
Sempre que estou contigo
Mas continuo a perguntar-me
Como posso merecer um homem assim?

C. P.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Minha Querida Helena

Pese o carinho com que me tratas, pese as palavras doces que me diriges, sinto em ti alguma amargura quando reclamas da forma como te trato. Reclamas que me escuso a usar a palavra amor. Queixas-te de que o amor que me dedicas é maior que aquele com que te (não) correspondo.
Desculpa que questione esse teu modo de pensar o amor. Para mim, o amor não é coisa de palavras ou, pelo menos, de grandes declarações, até porque facilmente tropeço nelas; sobretudo se de palavras ditas se trata. A palavra escrita já me dá mais conforto e, por isso, nela me refugio amiúde, como faço agora. O amor, minha querida Helena, é para mim uma coisa do domínio exclusivo das emoções, das emoções fortes, digo, tal qual a raiva, o desprezo, a recusa assumida de algo que me é imposto. O amor, sinto-o bem vivo, aos pulos, quando te acolho nos meus braços, quando te aperto contra mim, querendo tornar esse abraço mais forte mas receando, ao mesmo tempo, esmagar-te. Sim, isso é amor mesmo, mesmo se fico no limiar de te magoar fisicamente.
Aceito, amor meu, que te exprimas de forma distinta da minha. Aceita, por seu turno, que eu me exprima à minha maneira. Não sei ser senão à minha maneira, mesmo quando isso é razão de desconforto para outros e, nessa medida, para mim. Não sei ser de outra maneira… Não sei e, confesso-te, também já não quero.
No passado, cheguei, amiúde, a encarar teatralizar os meus gestos, as minhas palavras. Conclui logo que não tinha jeito para o teatro. Aparte isso, a minha vida tinha já drama suficiente. Pena tenho que me tenha feito amargo em expressão desse drama. Se me tivesse sido possível escolher, teria preferido vestir o fato do actor de comédia, sem me tornar comediante.
Não sei ser diferente do que sou. Percebendo-o, talvez consigas que fiquem menos amargas as minhas palavras e pensamentos. Sonho que sim. Sonho que sim, como sonho contigo, meu amor.
Recebe um xicoração muito grande,

José Cadima

terça-feira, fevereiro 03, 2009

"A dinâmica económica internacional pode ser vista como a maior de todas as olimpíadas"

"A dinâmica económica internacional pode ser vista como a maior de todas as olimpíadas, isto é, uma enorme competição.
Para sustentar a ideia de competição basta procurar alguns indicadores económicos e perceber que todos os anos há uma enorme corrida onde todos os países são pontuados com melhores ou piores classificações. Qualquer competidor quer, obviamente, o ouro, mas dificilmente se verá Portugal, como candidato, receber o diploma de participação, quanto mais uma verdadeira medalha."
José Pedro Cadima
*
(excerto de artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, integralmente reproduzido em Economia Portuguesa, sob o título Guia para a competição)

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Mensagens curtas, endereçadas

Obrigado pelo esforço que fizeste para dar encaminhamento atempado à nossa encomenda.
Imaginei que gostasses de ler o texto. É um texto para descontrair. Gostava de ter tempo e espírito para retomar aquele tipo de trabalho. O J.C. tem entretanto andado perdido por aí e não sei se alguma vez mais o reencontrarei.

José Cadima

sexta-feira, janeiro 30, 2009

“Quando eu for grande”

“O meu sonho, quando for grande, é ser analista político. Não é o máximo? Vou também ter o meu clube de «fans» e receber imensas cartas e postais ilustrados. Só não decidi ainda se vou morar na Quinta da Marinha ou em Cascais. A seu tempo se verá.
É um trabalho bem árduo o de «fazedor de opinião» e que deixa muito pouco tempo livre para outros trabalhos menos nobres, mas o paizinho acha que é muito gratificante e, além disso, permite-nos dar notas aos políticos, ao Mário Soares, ao Guterres, ao Nogueira, ao Joãozinho, ao Fernandinho e à Sónia, e aos outros todos. Depois é que eles vão ver: não hei-de ser como o Marcelo que usa uma escala que começa em 15 e acaba em 18 (só para os amigos do peito).
Já comecei a treinar-me: o paizinho inscreveu-me no «karaté», onde a gente aprende a gritar forte, e, sempre que posso, vou com a mãe ao mercado do peixe e das hortaliças. A mãe não fica muito entusiasmada com a minha companhia por causa, como diz, da língua porca que lá se usa; mas eu já lhe fiz ver que quanto mais cedo eu começar a minha aprendizagem política mais hipóteses tenho de fazer figura na televisão. Só espero que na altura ainda se faça o «Flash Back», para eu poder substituir o Pacheco Pereira ou o Magalhães. Adoro aquela confusão, com todos a falarem ao mesmo tempo.
É gente muito sábia aquela, não acham? Não há nada que lhes escape: a retoma económica, as polícias, as escapadelas do Felisberto, a política de defesa baixa do Fernando, eu sei lá que mais. O que me deixa pouco à-vontade é aquela mania dos livros, do Marcelo. Porque raio é que o tipo acha que tem que meter livros na política?! Se os outros se lembram do imitar lá estou eu tramado também, e tenho que reduzir a dose diária de televisão. A não ser que eu constitua um escritório de fazedores de opinião política, e ponha os outros a lerem os livros. É uma ideia…
Há uma coisa que me preocupa no imediato: em que partido devo eu inscrever-me? Com a confusão que aí vai desde que o Cavaco se pôs ao fresco, a gente não sabe para quem é que há-de virar-se e, francamente, como é que se pode fazer análise política isenta quando não se sabe de que lado é que se deve estar?! Felizmente, sou ainda pequeno e posso esperar que a situação política se clarifique.”

J.C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/05/06, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Sonhos a Um Espelho

O autor José Pedro Cadima e a Papiro Editora têm o prazer de convidar V. Exa. a estar presente no lançamento promocional do livro Sonhos a Um Espelho, que terá lugar no dia 14 de Março de 2009, pelas 16 horas na Fnac Braga Parque.

Papiro Editora
Lisboa
Rua Virgílio Martinho nº3 D escritório F 1600-821 Lisboa
t 218 931 620 f 218 931 629 e infolisboapapiroeditora.com

domingo, janeiro 25, 2009

“A arte de tapar o sol com uma peneira”

“Morreu recentemente um professor universitário e economista português por quem nutria simpatia. Não uma simpatia forjada no convívio pessoal ou na afinidade ideológica mas, antes, pelo culto da irreverência e da incomodidade que ele sempre soube manter.
Morreu vítima de atropelamento, não estando confirmado que tenha sido a mando do Prof. Cavaco Silva, seu colega de Faculdade, e alvo preferencial das crónicas de crítica económica que fez publicar durante os últimos anos.
Soube já depois da sua morte que fora militante do PPD, senão mesmo sócio fundador. A confirmar-se essa circunstância mais relevada sai a sua memória num tempo em que na Universidade sobressai o culto do cinzentismo e da mediocridade.
Da derradeira conferência do Prof. Alfredo Sousa a que assisti recordo uma frase que dá bem conta da forma como estava na vida e na política.
Estava-se então em 1993. Haviam-se esgotado os fundos postos ao dispor de Portugal pela Comunidade Europeia no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio 1989/93, e o Governo não cessava de publicitar o lançamento de novos programas de apoio a que chamava «pacotes». A dado passo da sua intervenção, o Prof. Alfredo Sousa reportar-se-ia a estas políticas nos termos seguintes: «os pacotes, que como sabem são conjuntos vazios…». A plateia rompeu em riso aberto.
Antes e depois, por múltiplas ocasiões, teve o citado economista oportunidade de reclamar doutras políticas do Prof. Cavaco que, similarmente, não passavam de tentativas de tapar o sol com a peneira, como é uso dizer-se. Terá sido pouco ouvido ou, melhor, pouco lido, o que também não espanta: os jornais têm cada vez menos leitores e o Prof. Cavaco faz questão que se saiba que, pela sua parte, não despende mais de 10 minutos (ou serão cinco?) do seu tempo diário com a leitura da imprensa.
Talvez seja por isso que o Primeiro-Ministro está em via de completar o seu décimo ano à frente do Governo do país. E talvez seja por ter compreendido isso que tem nomeado para o Ministério da Educação quem tem nomeado.
A dúvida maior que me assiste, entretanto, reside em saber se é o mesmo propósito que o move no projectado regresso à Universidade.
Os desígnios de «Deus» são verdadeiramente insondáveis.”

J.C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 94/12/03, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Mensagens curtas, endereçadas

Num dia "dificil", é sempre bom ter quem nos faça chegar um ombro amigo ou um beijo. Obrigado por isso.
.
José Cadima

segunda-feira, janeiro 19, 2009

És a minha luz

És a minha luz
A que surge atrás do sopro
Que já foi tímida na minha vida
Agora tem força fogosa
Que luz tão luminosa
Que me ajuda a distinguir
O Amar e Ser Amada
Mais do que um fado
Aumenta a minha paixão
Pela vida, por ti
E ilumina o meu coração
Apaixona-me essa luz
Será apenas fruto da minha imaginação?

C.P.

sábado, janeiro 17, 2009

Luz…

Luz da minha paixão,
desce do céu,
vem iluminar meu coração,
sufoca-me com beijos,
enche-me de desejos.
Ah luz como és bela!
Quão reconfortante é olhar para ti.
Apetece-me abraçar-te, beijar-te,
deixar-te penetrar meu coração.
Não sei, no entanto, se não me cegarias
de ilusão.

José Pedro Cadima

(texto retirado do livro "Sonhos a Um Espelho", com lançamento agendado para o dia 14 de Março pf., pelas 16,00 horas, na FNAC de Braga, Braga Parque; edição de Papiro Editora, Lisboa)

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Lançamento do livro "Sonhos a Um Espelho"

Agendado o lançamento do livro "Sonhos a Um Espelho",
de José Pedro Cadima,
Papiro Editora,
Lisboa, 2009:

FNAC BRAGA,
Braga Parque:
dia 14 de Março, às 16h00.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Mensagens curtas, endereçadas

Que os homens amam, não está em causa. Vê o meu caso. Isso não quer dizer que o amor lhes traga grande felicidade.
Relativamente ao brilho nos olhos, encontraste a justificação mais óbvia, se bem que me faça confusão a hipótese de te dar um xicoração com óculos pelo meio. Num xicoração autêntico não há espaço para interpor rigorosamente seja o que for entre os dois.
Uma guerra entre os dois? De modo algum. Eu sou pacífico por natureza. Além disso, acho-te uma doçura, uma doçura tamanha que me confunde e que me obriga a defender-me dentro dos limites daquilo que posso.
Um xicoração,

José Cadima

domingo, janeiro 11, 2009

“A derrota dos comentadores”

“Houve uma fase na história portuguesa recente em que a pugna política foi amiúde confundida com o desfiar de argumentos por parte dos comentadores políticos. Recordo-me, a propósito, de ter assistido ao caricato de uma contabilização de ganhos e perdas políticas em vésperas de sufrágio para a Assembleia da Republica a partir do alinhamento político dos comentadores de maior saída no panorama jornalístico e radiofónico nacional.
Escutando um destes dias um desses comentadores, veio-me à memória este episódio na precisa altura em que o personagem em questão admitia ter passado o mês precedente a pregar no deserto, isto é, admitia que o discurso que vinha mantendo se revelara inconsistente com a realidade. O que neste caso quer dizer que, posto o libelo de ingénuo político atirado ao Eng.º. Guterres, afinal o único anjinho tinha sido o próprio comentador.
Tratava-se da confissão da derrota poucas semanas após ter tido que engolir um sapo ou, melhor, um engenheiro vivo. Nesta última situação deparava-se, entretanto, com uma agravante: não tinha as sondagens eleitorais para se desculpar.
Isto dito, deduzirão os leitores que invoco aqui estes episódios para afirmar que os comentadores também são humanos, quer dizer, erram ou, noutro sentido, para lhes louvar a humildade que repassa de gestos como o que ilustro. Nada mais errado! Pelo contrário, o que quero aqui sublinhar é a indignidade de tais gestos, que os negam enquanto comentadores e arrastam para a lama toda a classe.
Sim, porque se o seu negócio é a mistificação, que sentido fará voltar atrás e admitir que a mensagem não passou? Em boa coerência, o que haverá que fazer é persistir no dislate, no exercício de retórica, no branqueamento da ideia que a imagem que se quis fazer passar não ia além de uma mistificação. Doutro modo, o que importa fazer crer é que não foi o analista que se enganou mas, antes, que a realidade estava possuída de comportamentais desviantes, sobre que urgia actuar.
É nesse sentido que me preocupa a viabilidade do exercício do comentário. É nesse sentido que falo na derrota, na morte definitiva, porventura, dos comentadores, e que faço bem presente a minha mágoa.
É uma mágoa profunda, que alguns dos meus leitores talvez não alcancem. Entendê-lo-ão, seguramente, aqueles mais assíduos na leitura destas crónicas que tenham por isso notado a sensibilidade ecológica que perpassa muitas delas. Alguns destes comover-se-ão comigo, mesmo, perante a perspectiva de uma perda irreparável, um atentado mais à diversidade faunística do nosso querido Portugal.
Fica-me a esperança que esta crónica não tenha chegado demasiado tarde.”

J.C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/12/31, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Neve

“[…]
Já reparaste que está a nevar lá fora? É tímida, a neve, mas desde, pelo menos, as 8h20m que está a nevar…
[…]”
-
“ […]
É verdade. Vejo-a cair da janela do meu gabinete. Há muito tempo que o campus não estava tão bonito e não havia no ar tanta alegria.
[…]”
*
(excertos de mensagens de correio electrónico de há minutos)

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Uma caricatura

A alguns, a presente crise compara-se ao crash de 1929. A outros, com um sentido mais proporcional, lembra-lhes a crise de 1982. A mim, em especial, e se calhar porque não vivi nenhuma das duas anteriores, lembra-me o 11 de Setembro. Passo a explicar:
Recordar-se-ão das reportagens que apareceram nos meses seguintes aos acontecimentos terroristas e em que se documentavam várias falhas de informação nas mais diversas agências de segurança Norte-Americanas. Acontece que todas tinham algum tipo de pista quanto à existência de terroristas, de planos de atentados, do envolvimento da Al-Qaeda, de dinheiro desconhecido vindo do médio Oriente. Mas como aquelas nunca se juntaram para conversar e comparar indícios, foi impossível prever que uma dúzia de terroristas com ligações à Al-Qaeda tinham tido aulas de pilotagem tendo como objectivo desviar aviões para destruir variados símbolos de poder americanos.
Também nesta crise isso aconteceu. Uma data de fragmentos de informação só fizeram sentido aquando do acontecimento. Praticamente todos os economistas sabiam que haveria necessidade de introduzir correcções nos mercados (alguns apenas sabiam porque alguém lhes tinha dito que tal viria a acontecer), mas as restantes pistas para o efeito da mesma estavam separadas. Havia economistas que entendiam que os níveis de consumo estavam demasiado altos. Havia economistas que não acreditavam na legislação em vigor. Havia outros que perceberam que o sistema financeiro vivia sob um enorme desequilíbrio. E havia quem visse cada vez menos pessoas a pagar as suas prestações de crédito.
No final, antecipar a crise e o seu tamanho provou-se impossível para a generalidade dos economistas. Talvez tudo tivesse sido diferente caso dois economistas com diferentes fragmentos da informação se tivessem encontrado num café. Imaginemo-los a conversar:
“Olá Economista! Como te têm estado a correr as coisas?
“ Têm estado muito bem, pá! Fizemos mais uns fundos hipotecários de alto risco e os investidores já se atiraram todos a eles!”
“Hei! Isso é cá uma sorte! Lá na sucursal, estamos numa enorme encruzilhada. Então, não é que os tipos do crédito de alto risco nos pararam de pagar os empréstimos para a casa?”
“ Com os diabos, isso está mesmo mau para os teus lados!
Por fim, abrindo a boca surpreendidos com aquela evidente ligação, um dos dois dizia:
“Espera lá!”
Obviamente, e apesar da caricatura simplista, a verdade é que este tipo de conversa entre dois economistas seria impossível pois, como toda a gente tem conhecimento, dois economistas quando se encontram só falam de futebol.
No entanto, de nenhuma forma os economistas são os únicos culpados nesta situação. Houve enormes falhas por parte de todos os sectores da sociedade, começando por uma sociedade cujo consumismo a levou a um endividamento absurdo, aos bancos que emprestavam o dinheiro dos depositantes sem grande preocupação com o risco que representavam muitos clientes, às instituições financeiras que aglomeravam as hipotecas sob a forma de fundos de capitais que depois eram generosamente classificados por instituições de “rating” globais.
Mas o mais “engraçado” ficou para os investidores. Alguns deles perderam tudo porque não foram capazes de sair à rua para ver as pessoas serem despejadas das casas que haviam adquirido com recurso ao crédito. Outros, contudo, apercebendo-se disso, compraram todo o tipo de seguros para os activos que no futuro iriam destruir o sistema financeiro, fazendo dinheiro à custa da falência das seguradoras que iriam ser salvas pelo dinheiro dos endividados contribuintes.
.
José Pedro Cadima

segunda-feira, janeiro 05, 2009

És o meu sopro

És o meu sopro
Aquele que me faz andar
Aquele que me faz voar
E até baloiçar
Que me faz estremecer
E até elevar para além de mim
Atrás do sopro
Aparece a tua luz
Que me faz sentir radiosa
Brava e doce
Apenas para ti…

C. P.

domingo, janeiro 04, 2009

“Revisitar o passado”

“Hoje gostava de vos propor um exercício: nada mais nada menos que recuperar algumas passagens de uma crónica de há um ano, sujeita às necessárias actualizações. Vamos então ver como resulta:
«O grande evento político do fim de ano de 1995 foi a notícia/especulação sobre o abandono da vida política por parte do Prof. Cavaco Silva, ex-primeiro ministro de Portugal e ex-presidente do PSD. Rivalizou esta notícia com a enxurrada de asneiras que levaram o governo do Engº. António Guterres, recém-empossado, a abrir algumas portagens de auto-estrada nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Felizmente, o ministro foi substituído e reina a esperança que o Sol volte a brilhar.
Na primeira ocasião que me falaram disso (do abandono da vida política por parte de Cavaco Silva, quero dizer), a minha reacção foi de descrédito. Afinal o homem também já tinha prometido isso faz um ano, e foi o que se viu. Todavia, passado o impacto dos primeiros momentos, convenci-me que não seria desadequado aproveitar o ensejo para lhe reafirmar um pedido já feito há algum tempo para que se retire, de facto. Isto é, se lhe assistem dúvidas, mande-as às malvas e volte mesmo à sua Universidade.
Não é que eu pense que a sua Universidade (a Nova, de Lisboa) tenha muito a ganhar com isso, mas cada instituição tem os professores, e os alunos, que merece, tal qual os países têm os políticos que merecem.
Indo entretanto ao que realmente importa, e não sendo questão de fazer aqui enumeração exaustiva, passo a indicar de seguida duas razões que me levam a recomendar ao doutor Cavaco Silva o seu abandono definitivo da cena política:
1º) Para mostrar o seu profundo sentido cristão de vida, dando oportunidade a outros de mostrarem, também, o seu valor e, porventura, governarem-se;
2º) Para mostrar apreço pelo trabalho e levar os jovens, e os seus admiradores em geral, a libertarem-se de uma cultura de dependência do orçamento do Estado e dos fundos financeiros europeus.
É bom que fique bem presente junto dos jovens que o trabalho é fonte de acesso a bens e serviços e factor de realização pessoal. Acresce que, na própria medida em que o próprio Prof. Cavaco Silva labutou tanto para a actual situação de trabalho mal pago vigente para os professores universitários, ele tem oportunidade de, duplamente, dar mostra de sentido cristão de vida: i) ao deixar espaço para outros; e ii) ao dar expressão explícita de desapego dos bens materiais deste mundo.
Nesse passo da sua vida, o dito político não pode sequer queixar-se de não ter tido já suficiente expressão de apreço pelas populações do seu labor de dez anos à frente dos destinos do país. Se bem me recordo, os resultados das eleições parlamentares de Outubro pp. foram unicamente tidos como um tributo à governação cavaquista.
Entretanto, como deixei dito antes, estas são apenas duas das múltiplas razões que poderia invocar com a finalidade de assistir o Prof. Cavaco Silva na sua decisão de regressar à Universidade Nova de Lisboa. São bem ponderosas, todavia, pelo que fico a aguardar que decida bem, no interesse dos portugueses (que sei que preza acima de tudo)».”

J.C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/01/12, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quinta-feira, janeiro 01, 2009

Que sou eu?

Que sou eu
senão um eterno apaixonado,
um bêbado de amor,
um embriagado de angústia e de esperança.
Eu sou o poeta
que beijou uma bêbada
ou foi ela que me beijou a mim
(pois ela negou o meu beijo)?
Aqui, eu sou o romântico,
o antigo romântico,
o novo gótico
ou talvez seja, apenas,
o pós-caótico.

José Pedro Cadima

(texto extraído de "Sonhos a um Espelho", Papiro Editora, Lisboa, 2009, no prelo)

terça-feira, dezembro 30, 2008

Tristeza profunda

Falei-te,
vi-te
e isso deveria ter sido suficiente
para que esta tristeza profunda se apaziguasse.
Mas não foi.
A fonte de vida que tu constituis
não teve força bastante, hoje,
para varrer esta angustia,
este desconsolo que me invadiu,
hoje, logo hoje
que, porventura, necessitavas tanto quanto eu
que fosse capaz de te dizer,
do fundo da mais fundada crença,
que a tormenta está passada,
que ainda há amanhãs que sorriem,
a leste, a ocidente,
nos teus lábios
que tanto me tentam,
noutros dias.

José Cadima

domingo, dezembro 28, 2008

Mensagens curtas, endereçadas

"És um encanto. Tens sempre palavras de grande simpatia para endereçar-me.
Imagino o desapontamento que foi para ti receber a minha mensagem dando-te conta da agenda miserável que tenho para os próximos dias. Para mim também é um grande desapontamento. Isso não significa que não possamos ir comunicando e, se surgir uma aberturazinha, tentarmos mesmo trocar um beijo."
.
José Cadima

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Ninguém

Ninguém para amar.
Ninguém para beijar,
nem, mesmo, tu.
Tu, que já foste o meu refúgio seguro,
o meu ponto de encontro,
o mar agitado em que naveguei.

Ninguém para abraçar.
Ninguém de quem me socorrer,
nem mesmo naqueles momentos
em que um ombro já bastava.
Os amigos?
Por muitos que pareçam,
não me fazem sentir menos só.
Faltas-me tu!

Faltam-me os teus beijos.
Faltam-me os teus abraços.
Falta-me o teu amor.
Faltas-me tu,
na sede de amor que já sentiste,
no desejo de correr para os meus braços
que já te animou,
na disponibilidade para navegar
o mar revolto que atravesso.

Ninguém para beijar,
nem, mesmo, tu.


José Cadima

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Arroz Doce

Como pode uma sobremesa
Te seduzir tanto assim?
Canela afrodisíaca
Em pau ou em pó
Margarina derretida
Ou é apenas o açúcar a juntar delicadamente ao arroz?
Aposto que são os limões que te cativam
Que te fazem lamber os beiços ainda antes de os sentires
Ou a pitada de sal necessária para travar o doce sabor
Seja o que for
Parece que não te fartas de os saborear…
Triturando-os na tua boca sempre que te apetece
Vá, vai lá comer o teu Arroz Doce
Diz-me depois se é doce

C.P.

terça-feira, dezembro 23, 2008

Sonho contigo, uma vez mais

*
*
(título de poema, publicado neste "jornal de parede" a 14 de Novembro de 2007, Quarta-feira, agora lembrado porque o sonho carece de ser permanentemente renovado e alimentado)

sábado, dezembro 20, 2008

“Os pobres que paguem a crise!”

“A semana de 10 a 16 de Outubro foi dominada, em termos informativos, pela negociação do acordo de concertação social para o próximo ano, entre o governo e os parceiros sociais.
Estava-se na véspera da apresentação do orçamento de Estado para 1995 na Assembleia da Républica e o governo entrevia nesse acordo a oportunidade de recuperar algum fôlego, após alguns percalços dos últimos meses. A um ano das eleições legislativas, um acordo em matéria salarial era, também, meio caminho andado para a vitória eleitoral.
Contava para isso, como vem sendo usual, com a cooperação do patronato e do Sr. Torres Couto. Uns e outros, CIP e UGT, encenariam amuos, proclamariam o radicalismo das outras partes mas, no último minuto antes da ruptura, lá assinariam. Prevaleceriam os interesses dos portugueses.
Obviamente, o PSD e o Prof. Cavaco Silva tinham justificação para estarem confiantes que isso pudesse voltar a suceder este ano. Afinal, o Sr. Torres Couto era (é) um verdadeiro patriota. E, mesmo que não fora, era certo que os 4 ou 5% em questão não acrescentariam nada ao bem-estar material dos Srs. Ferraz da Costa e Torres Couto. Que se saiba, o segundo é mesmo deputado europeu, e portanto pago por Bruxelas.
Escutando os comentadores, desde o primeiro dia da semana se entendia a inevitabilidade do desenlace: não era inquestionável que 3,5% eram mais que 0% (os tais com que o governo presenteara os funcionários públicos no ano de 1994)? Não era verdade que a inflação estava a baixar e as expectativas mais pessimistas para o próximo ano se quedavam pelos 4,5%? De tão óbvio que era, colocar a hipótese do desacordo cheirava a heresia, quer dizer, coisa forjada pelos inimigos da democracia e do bem-estar dos trabalhadores.
Assim era, tanto mais que se anunciou o aligeiramento da carga fiscal, a nível de imposto de selo e descontos para a segurança social (a subida igualmente anunciada na taxa do IVA não era relevante para o caso, pois aquele imposto é aplicado no momento do uso dos rendimentos e não no da sua angariação, e existe mais mérito na poupança que no consumo).
Pois bem, contra toda a racionalidade, ao arrepio de toda a razoabilidade assistiram os portugueses no termo da semana em causa, já na noite de Sábado, 15 de Outubro, à divulgação de que o almejado acordo não fora conseguido.
Inacreditável! E os portugueses, empresários e trabalhadores assalariados, como iriam (irão) eles poder entender que os seus interesses tivessem (tenham) sido menosprezados?
Como diz o povo, e é bem certo, lá virá o dia em que os culpados terão a paga merecida. Entretanto, enquanto isso não sucede, parece razoável que sejam os pobres a pagar a crise.”

J. C.

(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 94/11/05, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quarta-feira, dezembro 17, 2008

O que é que quero ser quando for grande?

Cara Professora,
A sua pergunta é das mais introspectivas que tive nos meus, até agora, oito anos… não, quero dizer, nos meus nove anos de vida (oito anos e sete meses, arredondados para cima).
Quando, na minha jovem idade de dezoito dias e quatro horas, decidi que queria ser “respirador profissional”, não entendia ainda muitas coisas. Com a prática, respirar provou ser uma actividade para o qual eu tinha tanta aptidão que o fazia mesmo quando não estava a pensar nisso. Acontecia-me com a maior das naturalidades.
Ainda jovem, em tempos de, como se sabe, grande promiscuidade, decidi ser “mamador profissional”. Tinha então vinte e um dias e vinte e duas horas. Mantive o sonho e esforçava-me por praticar todos os dias, a quase toda a hora. Acordava durante a noite a horas pré-marcadas para chorar e mamar. Ás vezes, isso revelava-se um enorme desafio mas, talvez devido a essa emoção, fui insistindo. De facto, pelos meus trezentos e trinta e quatro dias, o desafio foi maior que a minha emoção: a patroa desmamou-me! Felizmente, dadas as compensações definidas na lei de pendor socialista, recebi em troca um biberão de chucha amarela.
Destroçado, impedido de continuar o sonho de quase toda uma vida, utilizei as minhas compensações de forma pouco digna: comecei a beber! Bebia tudo o que encontrava. Não achava sentido em preocupar-me com aquilo que me enfiavam no biberão. Enchia-me de leite magro, leite meio-gordo, leite gordo! Por vezes, em actos de pura inconsciência, chuchava sem que houvesse leite.
Lembro-me de num desses dias, depois de ter acumulado largas dívidas, vir o senhor meu pai penhorar-me o biberão. Desde esse dia que não tenho actividade fixa. Percorro este mundo sem sonhos.
Por vezes, discuto com a Rosa o assunto, ela diz-me sempre que já achou o sonho dela: “baloiçadeira”. Eu, sinceramente, não entendo este tipo de comunzisse que anda para aí. Neste meu entender, fazer algo tão fácil e com tantos praticantes é uma espécie de cobardia! Pelo menos, não tem a atitude o Ricardo, o rapaz não se enxerga. Tem a tola ideia de que quer se astronauta e andar na Lua. Esquece-se que para isso precisa de certas características que comprovem a sua aptidão para o trabalho. Primeiro, tem de ficar bem de branco, e não fica. Segundo, não consegue flutuar na água quando mais no ar! Uma verdadeira anedota.
Se fosse de minha exclusiva decisão aquilo que eu seria quando fosse grande, teria de reflectir as minhas bases de pensamento. Como não encontro profissão que se adeqúe, deixo-lhe aqui um conjunto de características que se enquadram no perfil:
- quero ter uma barba branca e sábia, um peso ligeiramente acima do normal e uma estatura normal;
- a minha roupa deverá ser escura, um fato, talvez um colete, sendo que tanto um como outro terão um conjunto de bolsos bonitos onde possa colocar um redondo e dourado relógio de bolso;
- desejo encontrar a minha paz ao som de música clássica;
- a minha voz deverá ser portadora de um suave sotaque britânico e eu dispor de um cachimbo em pinho castanho;
- no fim de todas as minhas frases, deverei fazer referência ao autor que citei;
- o meu rabo será suposto adaptar-se a um sofá de couro castanho claro, que estará eternamente virado para a mesa onde me deverá ser servido, pontualmente, o chá das três.

José Pedro Cadima

segunda-feira, dezembro 15, 2008

“Sensaboria e mau gosto” - III

3. Em razão dos muitos acasos de que se compõe a nossa vida, passei há tempos uns dias em Roma. Por força da propaganda oficial, não fui capaz de deixar de visitar o Vaticano. Tive, entretanto, a sorte do Papa não se encontrar em casa.
Todavia, confesso (juro que a palavra me acudiu espontaneamente) que não foi o Vaticano que mais me impressionou na cidade mencionada. Impressionar, impressionar, propriamente dito, registo antes o trânsito caótico (e ainda há quem se queixe do Porto) e a diversidade da programação cultural televisiva: diversidade de escolha e diversidade de produtos. Talvez só um senão: o horário tardio de exibição de algumas séries, sobretudo as mais estimulantes.
Para quem, como a SIC, se pretende tão arrojada e desperta para a inovação televisiva, aqui fica a chamada de atenção. Obviamente, dada a natureza privada do canal, não se lhe exigirá tanto em matéria de qualidade, isto é, de nível cultural.”

J.C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/05/25, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sábado, dezembro 13, 2008

Beijar-te com os meus olhos

Beijar-te com os meus olhos
Dizer-te que te amo num simples olhar
Será que o sentes?
Nas vezes que o faço
Quando apenas temos os nossos olhos
Como elemento de sedução?
Passaram cinco meses
E continuo a querer beijar-te com os meus olhos
Com a mesma intensidade de então
Às vezes, com maior intensidade
Como entregar-me a esses olhos?
Antes não o sabia fazer
Estou agora a aprender
Ainda há pouco te deixei
E já sinto vontade de beijar-te novamente com os meus olhos…

C.P.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

“Sensaboria e mau gosto” - II

2. À míngua de melhor, parei noutro dia no «Parabéns» do Herman José. Dava-se o caso de, no programa em causa, o conhecido comediante receber a visita de um grupo de amigos (presumo) com lugar cativo numa estação concorrente. Também, ao que me disseram posteriormente, tratar-se-ia de retribuir uma visita à «noite da má-língua».
Não sendo um «fan» da SIC e, como digo, reconhecendo-me cada vez menos no papel de espectador televisivo, não entendi logo o sentido da visita (aparte a simpatia do gesto de retribuição). Só depois, quando me foi explicada a proveniência das personagens, alcancei o sentido profundo do que disseram e a razão do nome do programa em que são protagonistas principais: manifestamente, perante tamanha sensaboria e falta de arte, acredito verdadeiramente que não haja telespectador que não desabafe com meia dúzia de impropérios.”

J.C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/05/25, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

terça-feira, dezembro 09, 2008

“Sensaboria e mau gosto” - I

1. A acreditar no que me dizem os amigos (tenho pouquíssimo tempo para ler jornais e quase não vejo televisão), o grande tema de debate no país é, hoje, o referendo, nas suas múltiplas encarnações.
Pela minha parte, de todas a que acho mais interessante é a modalidade referendo regional sobre a regionalização, na versão PS. Fico especialmente curioso, a propósito, sobre os contornos dos territórios a que se poderá aplicar a consulta popular e, igualmente, sobre os termos do questionário.
Neste contexto especialmente favorável às especulações mais excêntricas, ponho-me já a imaginar um qualquer portista a declarar que nunca desejou ser outra coisa que não fosse ser um bom sportinguista.”

J.C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/05/25, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, dezembro 07, 2008

Flor sonhada

Espero, anseio que sejas tu
a flor que me devolva à vida,
o ponto de encontro onde me ache.
Há tanto tempo que procuro,
há tanto tempo que te espero
que já descria de poder encontrar-te.
Serás tu capaz de realizar os meus sonhos?
Serás tu o sonho
intenso e repousado que busco?
Seguro é ter eu um amor infinito
para dedicar-te.

José Cadima

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Podias ter tido a lua (2)

A lua cheia acordou cedo
e a primavera correu para chegar a tempo
mas, mesmo assim, foi tarde:
quando chegou, já tu tinhas destruído tudo.

Para trás pouco ficou:
fiquei eu e não muito mais;
eu, que gostava tanto, mas tanto de ti.
Percebo agora que investi demais
na nossa relação,
mesmo julgando ser tão pouco.

Agora, tenho pouco para te dar.
Podias ter-me tido como escravo.
Podias ter-me tido como teu amante,
dedicado e carinhoso.
Podias ter tido a lua, o sol e, até, o meu amor!

A lua cheia acordou mais cedo
e a primavera correu para chegar a tempo
mas, mesmo assim, foi tarde:
agora, tenho pouco para te dar!


José Pedro Cadima

quarta-feira, dezembro 03, 2008

“Quem eu gostaria que ganhasse”

“Discute-se hoje muito em Portugal o que vai acontecer em termos eleitorais em Outubro p.f., embora eu tenha dificuldade em perceber onde reside o interesse do assunto; tirando, claro está, o caso daqueles indivíduos que forem escolhidos para figurar nas listas dos partidos que vão estar representados em S. Bento.
É certo que já em tempos eu também me referi ao assunto, tendo manifestado o meu desejo de assistir à rotação das moscas. Nessa expressão de vontade, transparece muito da minha formação originária, de inspiração cristã: tal como Noé reteve dois bichos de cada espécie para sobreviverem à tempestade, piedosamente pugnei pelo direito à vida das moscas das diferentes variedades.
Os leitores mais atentos (se é que ainda os há, quero eu dizer, a espécie) terão notado, entretanto, a falta de convicção com que o fiz. Confesso que não foi em razão da descrença que mantenho relativamente aos ideais cristãos.
Se notaram, digo eu, estavam plenamente certos, uma vez que, sendo eu um sujeito de ideais, não se entendia bem a opção pelas meias-tintas; ou pelos troca-tintas, como alguns preferem dizer. Isso esclarecido, impõe-se que faça claro perante os leitores, e a nação inteira, ao fim e ao cabo, quem eu gostaria que ganhasse, realmente.
Nesse ensejo, estou também a dar o meu contributo para o esclarecimento do cidadão eleitor, que as leis eleitorais e a prática política corrente assumem não passarem de bestas que importa matraquear durante meses a fio, no sentido que, chegada a altura certa, tomem a decisão acertada.
Pois bem, a meu ver a opção a tomar não pode ser outra que não seja ficar em casa a ler descontraidamente as análises e as conjecturas eleitorais ou, melhor ainda, aproveitar o dia para ir dar uma volta a um qualquer outro lugar que não seja a senhora da asneira, isto é, neste caso, a secção de voto. Isto tudo porque eu gostaria que quem ganhasse nas próximas eleições parlamentares fosse você, caro leitor.”

J.C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/08/12, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

segunda-feira, dezembro 01, 2008

“Eu votava em Salazar!” (gargalhada)

Depois de lido (duas vezes) o título deste texto, para tentar perceber quanto está mal naquela pequena expressão, o leitor deve ter-se rido um pouco e continuado para este breve parágrafo. Desde já lhe agradeço a gentileza de ter lido tamanho disparate. Como trabalho cívico, tentarei de seguida, de uma forma razoável e sem insultar ninguém, dar uma resposta às dúvidas que terá sobre como tal frase apareceu.
Num dia como tantos outros, resolvi ir a um supermercado. Fiz as minhas compras e fui pagar (até aqui tudo bem). Foi nesta altura que me deparei com uma certa senhora (sem querer insultar a palavra senhora) que estava na caixa registadora e conversava abertamente com uma amiga, certamente sem nada ter que fazer a não ser ouvir a belíssima opinião da sua confidente; opinião informada pelo ideal salazarista, como vim a saber. Dado que o bom-senso, os conhecimentos de história e certos conceitos são totalmente desconhecidos de alguns dos nossos cidadãos, eu usarei apenas a palavra “inculta” para classificar a dita senhora.
Na expressão que lhe ouvi, como resulta óbvio, é esquecido o sentido de liberdade daquilo que ela mesma está a dizer. Atendendo ao que ouvi, proponho ao Sr. Primeiro-Ministro que mande prender e censurar todos aqueles que apoiem qualquer forma de oposição, ainda que estejam mortos!
Em reacção ao que ouvi, por outro lado, peço a Deus, de cuja existência duvido, que não ressuscite nenhum senhor de nome Salazar, porque neste país a estupidez parece andar à solta. Peço, ainda, ao Ministério da Educação e a todos os cidadãos com conhecimentos mínimos de história (o nono ano, pelo menos) que colem nas paredes, por todo o lado, factos básicos sobre a história de Portugal no período salazarista. Quero, também, que sejam dadas a conhecer as razões pelas quais as pessoas não votavam nessa altura. Aparentemente, pensaria a dita senhora que é nas ditaduras que o direito de voto se afirma por excelência. Recomendaria, adicionalmente, aos supermercados que não contratassem gente com tamanha falta de conhecimento, porque em vez de trabalharem preferem veicular as suas ideologias, prejudicando gravemente a imagem das superfícies comerciais em que trabalham.
Para terminar, deixo uma sugestão inspirada no ideal salazarista sobre o destino a dar a esta gente, que tem a virtualidade de não prejudicar a restante população: porque não meter todas estas pessoas num barco do género dos do tempo dos descobrimentos (que eles gostam é desses tempos) e mandá-las por sua conta e risco para uma zona de guerra? Aí, viveriam do modo que tanto veneram e o resto da população não teria que ouvir tanto disparate. É, no meu entender, uma situação do tipo ganhador-ganhador.

José Pedro Cadima

sábado, novembro 29, 2008

Conversa do vazio

- Está tudo bem contigo?
- Nem por isso.
- Está tudo na mesma?
- Não…
- Então?
- Está simplesmente diferente.
- Diferente como?
- Vazio, mas diferente.

José Pedro Cadima

quarta-feira, novembro 26, 2008

As portas de um labirinto

Abro uma porta. Entro num compartimento. Sinto-me só. Tem quatro paredes e uma porta em cada uma. Abro a da frente e a de trás fecha-se. Dou um passo atrás, dou um passo para o lado, abro a porta do lado esquerdo e a da frente fecha-se. Dou dois passos para o lado direito e abro essa porta, a do lado esquerdo fecha-se. Dou um passo para a esquerda e um para trás, viro-me para a porta de onde vim e abro-a, fecha-se de novo a porta que tinha aberto e eu vou em frente, no caminho para o passado.
Vejo portas a abrir-se e a fechar-se, sempre um ciclo que pareceu ocorrer na minha vida. Encontro compartimentos hexagonais ou até circulos com uma única porta, um único caminho a tomar, que quando se entra nesse compartimento nem para trás dá para voltar. Há salas estranhas, em que abrir uma porta faz abrir três ou quatro. Encontro salas com portas trancadas, que é preciso forçar para entrar. Encontro compartimentos que a única porta que têm é aquela pela qual viemos. Encontro salas que, para além das portas laterais, têm no meio um poço; pior, encontro salas que só têm o poço.
Paro. Tenho a memória desta sala, tenho a memória da minha escolha, da escolha da porta que segui. Lembro-me que foi difícil: seis portas e um poço, as saídas desta sala; dei duas voltas ao poço; tinha já atravessado mais de mil salas, aberto mais de mil portas e parecia tudo igual, parecia estar sempre no mesmo sítio, e o poço, era a única entrada que não tinha experimentado. Mas passou a correr por mim alguém, abrindo uma porta e escolhendo rapidamente outra. Era um conselho…
Certas pessoas atravessam umas portas para encontrar riqueza. Outros atravessam outras portas para achar amor. Uns espreitam as fechaduras à procura de ver a felicidade. Uns quantos correm por todos os compartimentos. Esses querem tudo. Eu já não sei porque entrei aqui, não sei onde quero chegar. Atravesso as portas e os compartimentos como se tivesse a passear, a ver os outros viver. Não sei onde quero chegar.
Lembro-me de uma sala que baptizei “uma questão de tempo”, porque ela era mesmo isso: uma questão de tempo. Devia ser uma penalização por ter escolhido a porta errada. Era uma sala que, quando nela se entrava, não se encontrava nada, nem mesmo a porta por onde viéramos. E porque pensava eu estar tudo acabado, deitei-me e adormeci à espera que a morte me levasse. No momento mais profundo do meu sono, algo me acordou. Havia uma porta à minha espera, no tecto da sala, um alçapão para um nível acima daquele em que me encontrava.
Nesta volta ao passado, vejo mais pessoas atravessar outras portas, rapidamente, quase sem pensar, deixar o instinto escolher por elas, viver rapidamente, passar tudo aquilo. Chegarão elas ao fim mais rapidamente que eu? Eu espero, penso, toco a cada porta; espreito se na outra está aquilo que eu não sei se procuro. Sinto a porta. Tento sentir o que está do lado de lá. Desenho caminhos, escolho previamente portas antes de saber como me vou deslocar até elas.
Tantas portas que odiei escolher. Agora, arrependo-me de cada uma das que abri com as minhas próprias mãos. A caixa de Pandora trouxe-me, de facto, algo. Errado! Eu é que entrei pela caixa a dentro. Eu é que enfrentei todas aquelas coisas e, no fim da caixa, no fim do labirinto, alimentei a esperança de achar aquilo que não sabia se queria; melhor: aquilo que ainda não sei se quero.

José Pedro Cadima

segunda-feira, novembro 24, 2008

“A política à moda de Braga”

“Quando encarava já seriamente a eventualidade de arrumar as botas ou, melhor dizendo, a esferográfica, tive a grata notícia de que tinha um leitor. E, mais: um leitor atento que podia identificar pelo nome.
No meu modo de ver, são estas pequenas coisas que dão sentido à nossa vida, e daí que não tenha hesitado nem um momento relativamente à necessidade de fazer público o meu júbilo e, sobretudo, a minha gratidão.
É certo que o meu caro leitor insinua discordância face a opiniões que exprimi em crónica dedicada ao urbanismo, trânsito e ambiente em Braga. Mas isso são coisas pequenas comparadas com a grandeza da cidade e, especialmente, com a simpatia que me inspira o meu caro leitor.
Fico, é verdade, intrigado com a interpretação que fez da minha afirmação da identificação inata do eleitor e do eleito: quererá o meu leitor afirmar a tese que se trata de gente distinta? Assim uma espécie de classe operária, por um lado, e exploradores capitalistas, por outro, ou o problema radica mais fundo e o meu amigo terá mesmo sido ludibriado pela alternativa ilusória adiantada pelo PSD local?
Se é este último o caso, não me resta senão solidarizar-me com a vítima. Mas, deixe lá, outros mais conhecedores dos bastidores políticos bracarenses também não perceberam que o PSD não mantinha real interesse na disputa. Era apenas uma questão de cumprir a obrigação. Alguns amigos meus, menos piedosos, diriam, a propósito, que o partido governamental se havia disposto a mais um ritual de sacrifício de um cordeiro.
Talvez diferentemente da opinião do caro leitor, é realmente isso que me indigna e me perturba: essa declarada abstenção de apresentar alternativas, de ver mais longe, de ultrapassar a discussão mesquinha e discutir a cidade nas suas diversas facetas, urbanismo, ordenamento do tráfego, ambiente, equipamentos urbanos. É que eu acredito que há gente capaz em Braga, mesmo quando PS, PSD, PP e Arco-íris nos querem provar o contrário. É que eu acredito, caro concidadão, que não estamos condenados a tomar posição entre o Mesquita e o Macedo ou entre o Fernando Alberto e o António Braga.
Claramente, entendo eu, é preciso ousar! Urge que ousemos ir além da mediocridade instalada. Temos homem (homens) para isso? Gostaria de acreditar que sim.”

J.C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/06/03, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sexta-feira, novembro 21, 2008

Fortalecer-me

Ainda há pouco uma tormenta
Daquelas que nos fazem estremecer
Me surpreendeu no horizonte
Tentaste, para minha surpresa,
De várias formas suavizá-la…
E até conseguiste dominá-la
Dizem que o amor se fortalece
Nos momentos difíceis
Dizem que o amor aguenta
As tormentas mais difíceis
Que fundo terá de verdade?
Quando estou contigo
A tormenta não chega cá
Fica perdida no horizonte
Ou passa bem ao lado rapidinha
Obrigada, meu amor, por me fortaleceres
Obrigada, meu amor, por me defenderes

C.P.

quarta-feira, novembro 19, 2008

Querido Pai Natal (2)

Queria pedir-te alguma sanidade, pois é isso que mais me falta. A paz no mundo não me aquece nem me arrefece. É apenas uma utopia que muitos desejam sem sequer saber porquê. A guerra não é aqui; não vai cá chegar.
Quereria pedir-te alguma noção do que se passa. Sinto-me perdido; sinto-o de verdade. Não vejo dia em que não anoiteça, nem noite em que não veja o sol nascer. Todo o meu corpo suporta este cansaço, queixando-se apenas da saudade dos lençóis e não da cama.
Não te peço nada disso, por mais poder que tenhas. Não fui suficiente bom menino e castiguei o meu corpo com todas estas penosas preocupações. Em breve emergirá a verdade de tudo. Em breve perderei o resto da sanidade que me resta.
Não sei em que ano estamos. Talvez seja o ano dois mil ou o ano quatro mil. Pouco importa. A esperança média de vida não chega a um século e o ano faz apenas parte de uma data marcada para efeitos gerais. Também não me lembro do dia em que faço anos e já lá vão tantos que nem a minha idade sei. Pouco me importa se sou adolescente, adulto ou idoso. Continuo a ser eu. Pouco me importa se faço anos em Janeiro ou Agosto. Continuo a ter a mesma mãe.
Talvez o Pai Natal me pudesse dar a entender todas estas coisas e porque é que as marcamos. Talvez, nessas circunstâncias, também me possa nascer a vontade de saber as datas em nasci, em que ano estamos, entre outras.
Tamanho foi o meu desinteresse para com a vida que já não sei se isto é viver. Sei que se parece como tal: respiro, mexo-me, alimento-me, vejo, oiço e agora até escrevo à sua pessoa, que tão pouca gente sabe porque nos visita duas vezes por ano, uma vestido de velho de barbas longas outra de coelho.
Já lhe pedi tantas coisas. Sei que foram mais aquelas em que me deu algo. Ter tanto, fez-me mal. Talvez a culpa seja sua. Mas também outros têm tanto e ainda lhes dão mais e não perdem o interesse em receber. Talvez tudo isto seja apenas fraqueza minha.
O meu desinteresse arrasta-se à tanto tempo que além das datas do meu nascimento, o ano em que estamos, a idade do senhor que ninguém conhece, não sei também identificar muitos dos feriados patrióticos que se avizinham. Serei, por isso, um traidor da pátria? E se o for? Serei traidor de mim mesmo por não me lembrar do dia em que nasci? Que importa!? Talvez importe. Talvez não importe. Não tenho datas. Não sei o nome das pessoas que conheço, e escrevo uma carta à única pessoa que ainda me visita.
Não sei as datas, digo, e confesso-lhe que se não tivesse ouvido um passarinho cantar que amanhã era dia vinte cinco, e feriado, nunca lhe escreveria esta carta interesseira a pedir que neste Abril me traga um pouco de sanidade.


José Pedro Cadima

segunda-feira, novembro 17, 2008

“A propósito de projectos jornalísticos e de outras histórias”

“Num encontro ocasional, endereçou-me o director do «Notícias do Minho» convite para uma colaboração regular no seu jornal. Com a frontalidade que uso pôr nas posições que tomo, facilitada no caso em presença pela partilha de valores geracionais, retorqui-lhe na ocasião que não via reunidas condições para o meu envolvimento num «projecto jornalístico» que vagamente identificava. Para pôr mais claro – terá sido mesmo a expressão que usei – um projecto jornalístico que se definia por fundamentalmente pela negativa, isto é, cujo elo de união entre os seus promotores residia em estarem contra alguma coisa ou alguém.
Tudo terminaria aí não fora o jornalista em referência, já quando virava as costas para se afastar, me ter respondido que o seu projecto não era mudar o mundo. Receio bem que não tenham sido essas as palavras que usou, mas também isso não é o essencial. O essencial seria, na leitura que faz, cultivar um projecto de liberdade informativa, de abertura à sociedade na sua pluralidade, grandezas e misérias.
Cultor da liberdade que sou, a ponto de ser incapaz de aceitar amarras clubísticas por mais ténues que sejam, esta resposta desestabilizou-me. Provocador sim, mas não tanto!
Ora, eu que me mobilizo especialmente pelo que me desafia, pelo que é novo, não vi forma de aplacar a minha consciência que não fosses desestabilizar o provocador (pelo menos, tentar; haverá mérito naquele se souber acomodar a provocação). E é assim que, quinze dias depois, aqui estou, perante o director do jornal e perante os seus leitores (se o director em questão deixar passar), com esta minha primeira «crónica de maldizer».
Cuidem-se os cultores da desgraça, cuidem-se os acomodados, tomem cuidado os adeptos de normalidades institucionalizadas, políticas e culturais, pois o meu projecto é desetabilizar, quer dizer, reafirmar que a «utopia» está viva. Mortos seremos nós quando desistirmos de construir alguma coisa, lutar por algo.
«Make love, not war»!
Abaixo os descobridores do «fim da história»!”

J. C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 94/10/15, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sábado, novembro 15, 2008

Gostar de ti

Se gosto de ti?
Ainda te sobra dúvida sobre isso?
Gosto! Claro,
embora talvez preferisse que fosse doutro modo.
Teria menos inquietude.
Viveria menos angustiado
com o receio de te ver partir, um dia,
amanhã, talvez.
Tentei-o; tentei-o, convictamente,
mas perdi.

Agora, que sou eu sem ti?
Falhado que foi o empreeendimento
de não ser, para ti,
mais que um desconhecido,
restar-me-á, porventura, o destino de te amar
mesmo quando eu não seja já para ti
mais que uma memória,
amarga ou de travo doce, suave.

José Cadima


[texto inspirado em "O teu amigo desconhecido", de José Pedro Cadima (2004)]

quarta-feira, novembro 12, 2008

Minha querida

Nunca pensei ser tão confortável estar contigo. Nunca pensei ser tão bom sentir-te encostada a mim. Nunca pensei que tudo voltaria a acontecer assim, desta forma.
Sei que tudo isto só pode ter um nome, mas não o ouso prenunciar. Talvez dê azar. O teu toque é, apesar de tudo, algo receoso. Talvez tenhas medo de me tocar. Talvez, penses estar a fazer algo errado. Quando te toco, não vejo nada de errado. Só vejo algo que queria muito fazer: tocar-te; sentir a suavidade da tua pele.
Quando da tua boca saíram palavras que eu em parte esperava, isso fez-me apenas pensar que já não era preciso eu chatear-me com uma pergunta que há muito tinha pensada. Pensei depois em dizer-te o quanto te queria, mas não valia apenas pois não? Tu já o sabias, tu já o sabes.
Disse-to na mesma. Disse-te que te queria. Disse-te que não te percebia. Também disse ou pensei dizer-te que vou odiar se quiseres alguém que não eu. Principalmente, se realmente eu for tão importante para ti quanto tu o sugeres. Não, direi antes: principalmente, em razão de quanto és importante para mim, porque ninguém realmente se importa com o que o outro sente. Apenas com o que ele(a) próprio(a) sente. Eu sinto que te quero, e sinto que quero que me queiras.
Dormi. Acordei apenas para perceber que não devia fazer isto. Não te devia dizer coisas que já sabes. Não devia ir contra o que aprendi a fazer nestes últimos meses. Aprendi a controlar-me. Sabes? Continuo a ser o que sou. Continuo a agir como sempre. Continuo a receber palmas do público. Eu sou o espectáculo, o algo diferente que ninguém está à espera, e vou amontoando pontos, vou ficando um espectáculo maior, com mais gente a querer assistir, mas faço as mesmas coisas, sou a mesma pessoa. O público é que é fraco, desconhecedor. Sofre a repetição sem que me culpe. Mas quando os assuntos são meus e não do público, eu aprendi a ser diferente, a controlar tudo aquilo que dantes me fazia perder o controlo e a auto-destruir-me.
Eu amo-te. Essa é a verdade. Por mais diferente que esteja, a verdade é que te amo. Não to vou dizer mais vezes. Não te vou impor essa verdade. Vou apenas deslocar-me de ti para mim, tentando manter o equilíbrio, tentando não magoar ninguém, nem a mim, nem a ti.
De agora em diante, vou ver o tempo passar. Vou aproveitar cada momento contigo. Vou ansiá-lo tal como te anseio a ti. Vou tentar apreciar cada momento que possa estar contigo. Com as minhas carícias, vou-te demonstrar quanto te amo, e ansiar as tuas, mesmo sem sexo, porque muitas vezes isso não é o que realmente importa.

18 de Setembro de 2006

José Pedro Cadima

segunda-feira, novembro 10, 2008

Sentir-te a meu lado

“Deito-me e sinto-te a meu lado”,
dizias-me tu há algum tempo,
não muito porque curto
é ainda o horizonte do nosso encontro.
Também eu te imagino a meu lado,
mas vezes há em que a magia
de que me sinto possuído não tem força bastante
para tornar real o desejo sonhado.
Que será que te leva para longe?
O vento que pressinto lá fora
ou os fantasmas que habitam a tua e a minha cabeças?
Concentrando-me muito,
chego, por vezes, a ouvir o sussurrar das tuas palavras,
mas mais não consigo.
Sobretudo, o sonho de aconchegar-te no meu leito,
de abraçar-te demoradamente
soa-me a quimera.
Em sonhos, envolvo-te nos lençóis,
deito-te a meu lado.
Pena é que seja só em sonhos!
Valem-me os sonhos, apesar de tudo.

José Cadima

domingo, novembro 09, 2008

Quando vejo a chuva cair

Vejo a chuva cair
e interrogo-me se, com ela,
não vão as minhas próprias lágrimas,
lágrimas de desconsolo e de desencanto.
Olho a chuva, lá fora,
e vejo as minhas próprias lágrimas,
que já foram de amor e, agora, são só de dor.
Olho a chuva lá fora, que cai grossa,
e vejo o meu mundo desfazer-se,
agora que sinto que o amor não alcanço.

José Pedro Cadima

(poema extraído de Sonhos a um Espelho, Papiro Editora, Porto - no prelo)

quinta-feira, novembro 06, 2008

O amanhã de amanhã (2)

Deito-me em lágrimas.
Tento esquecer o meu dia
e sonho que amanhã seja diferente,
seja melhor.
Quase nunca o é!
Ao deitar, amanhã,
é quase certo que irei, de lágrimas nos olhos,
pedir que o amanhã de amanhã
seja melhor do que o de hoje.

José Pedro Cadima

terça-feira, novembro 04, 2008

“Tudo pelas leitoras”

“Um grupo de leitoras fez-me chegar uma missiva em que exprimiam, em termos enérgicos, o seu protesto pelo que afirmavam ser a minha menor consideração pelo sexo feminino, melhor dizendo, pelas leitoras. Isto tudo porque, conforme anotavam, em diferentes crónicas eu me dirigi expressamente aos leitores e nem uma só vez às leitoras.
Admito já que errei. Não no sentido que as minhas caras leitoras me acusam mas pela omissão óbvia do artigo definido adequado. Quero, no entanto, desde logo também fazer explícito que, mesmo quando fiz uso do termo leitor, a maioria das vezes era nas leitoras que estava a pensar. Confesso, aliás, que são as minhas caras leitoras que me ocupam o pensamento a maior parte do tempo. Considero mesmo a insinuação do contrário de muito mau gosto.
Não há que confundir, entretanto: ter em especial apreço as mulheres não significa que tenha de fazer de conta que considero melodiosa a voz ministra da educação ou que o seu discurso sobre a educação me soa a canto de sereia. Sinceramente, pelo contrário, espantava-me que me dissessem que a senhora alguma vez foi capaz de levar na cantiga alguém do sexo oposto. Para mim, a senhora soa-me mais a situação análoga à daquelas atletas que se descobre depois que são homens. Quer dizer, contrariando a voz corrente, nem tudo é uma questão de bugalhos e melancias.
Membro do governo por membro do governo, admito que prefiro a Isabel Mota: tem uns olhos muito mais bonitos, uma voz quente, para além de outros atributos que me escuso agora de referir. Pode não ser grande coisa como secretária de estado, o que é mais que certo, mas sempre é apresentável. E o jeitinho que tem para se referir aos milhões de Bruxelas?! Não admira que o Parcídio se tenha mostrado grato pela visita recente da secretária de estado ao Vale do Ave. Daí podem imaginar a atenção e o agrado com que seriam recebidas a Claudinha e a Naomi. Têm bom gosto os autarcas do Vale do Ave; há que reconhecê-lo.
Com isto, caras leitoras, creio ter deixado bem a nu a falta de substância do protesto lavrado que me endereçaram. Aliás, se a expressão não fosse excessiva, eu terminaria sublinhando que há mesmo leitoras pelas quais estaria disposto a fazer algumas loucuras.”

J. C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/09/02, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, novembro 02, 2008

Minha Querida Helena

Não esperava ter uma mensagem tua tão longa e circunstanciada nesta ocasião. Do que me dizes, fico com o sentimento que a última tarde que passámos juntos foi uma desgraça. Lamento, embora eu já te tivesse prevenido da desgraça que sou em muitas ocasiões.
Afinal tens cinco defeitos. Assim sendo, já não me vou sentir tão desconfortável por ter tantos defeitos, embora os meus sejam um bocadinho mais graves que os teus. De alguns que tenho nem me quero lembrar.
As considerações que fazes a respeito da nossa relação afectiva e o empenho que pões nela deixam-me muito desconfortável. Com os defeitos que tenho, não o mereço, de modo algum. Vê lá tu que ainda ontem te fiz chorar, o que nunca deveria acontecer.
Aproveito para te agradecer o tom apaziguador que usas na tua mensagem. Por uma razão ou por outra, não tenho estado muito bem nestes últimos dias, o que também não é novidade nenhuma.
Estou numa fase da minha vida que necessito permanentemente de refúgio. Não deveria ser assim mas é verdade. Não queria, no entanto, penalizar-te com isso. É em razão dessa circunstância e da forma como tu reages a algumas coisas que te digo, mesmo quando são brincadeiras, que sei que, algumas vezes, não sou a companhia certa para ti.
Repara: como te tenho dito amiúde, há ocasiões em que necessito de me exprimir de forma completamente aberta, sem gestão das palavras. Se com isso gero desconforto em quem me houve, porque é eu a devo penalizar? Para mais, se se trata de alguém de quem gosto um bocadinho.
Por favor, não te martirizes. Se souber que tu estás bem, fico satisfeito. Evita referir-te às tuas vivências passadas. Lido mal com isso. Quando faço alusão a essas matérias é sempre de forma provocatória (e algumas vezes involuntária). Limita-te a evitar responder às questões que te faço em relação a essas temáticas.
Fico contente por saber que o fim-de-semana te correu bem, apesar das dores de cabeça que te provoco.
Um beijo muito grande,

José Cadima

Ps: estive a fazer os trabalhos de casa que trouxe para o fim-de-semana; felizmente, já me desembaracei deles.

quinta-feira, outubro 30, 2008

A dama olhada

Silhuetas aos milhares, de homem ou mulher, mas sempre evidenciando-se pelo contorno, pela sua delicadeza, passam nestas ruas.
“Feita para aqui estar, para te seduzir”, disse uma delas. “ Muitas mãos me tocaram e me tentaram domar mas minha mestra, lá em cima, soube ter lábios para aceitar muito poucos dos que tentaram e rejeitar muitos que não me chegaram sequer a tocar”, disse a de cintura mais estreita que por ali passava.
A sua mestra tinha cabelo ondulado, que encaracolava à medida que descia dos seus ombros até meio das costas. Eram pretos. Os seus olhos eram castanhos-claros, com uma leve mistura de mel. Não o percebia bem ao longe, mas que tinham brilho tinham. Percebia-se-lhe juventude e paixão no que fazia, mas o que seria que fazia? Confiarei nas palavras da sua silhueta.
Sua cara apresentava um tom rosa leve, muito leve, aproximando-se do bege. Suas sobrancelhas não eram finas nem grossas; tinham a largura de um lápis ou de um pau de um gelado, se assim preferirem. Consegui cheirar o seu perfume, brevemente, quando passou por mim. Fiquei arrebatado. Fiquei parado a olhar para a frente enquanto a deixava passar por mim e, mais adiante, passava por outros que não faziam como eu. Eu ficara paralisado, com medo de olhar para trás, com medo de me apaixonar, com medo de ver algo que me fizesse corar. A beleza fazia-me corar.
O medo afastou-se. Deve ter percebido que ela já há muito tinha esse efeito em muitos homens. Fiz então o que o resto das pessoas que por ali passavam já tinham feito, que era voltar a olhá-la do ângulo que fosse possível.
Muitos homens a olhavam, muitos a contemplavam, muitos a desejavam. Percebia-se nalguns a paixão que os assaltava. Muitos reteriam a sua imagem para lembrá-la em noites solitárias. Ela era a mais bela figura que alguma vez tinham visto. “Não se vê disto todos os dias”, retorquiu a silhueta de um homem ao pensamento do mesmo.
Também muitas mulheres a olhavam e muitas a odiavam. Comentavam entre elas ser a outra falsa. Invejavam-na e tentavam convencer-se da respectiva superioridade. Outras, por contraponto, retinham a imagem para dela se recordarem em noites solitárias…

José Pedro Cadima

(excerto de texto inédito de 2006, intitulado “Ano de abertura”)

terça-feira, outubro 28, 2008

There are free lunches!

There are NO free lunches” é uma expressão anglo-saxónica que significa: “não há almoços grátis”. Esta expressão é uma metáfora para o (ex)facto de nada ser de graça, coisa que se revelou ser mentira a partir do Plano Paulson, recentemente aprovado pelo congresso dos Estados Unidos da América.
Mas o que é preciso para se ter um almoço grátis? E quem foram os felizardos que, em tempo de vaca magras, o tiveram?
Nos últimos dois mandatos presidenciais dos Estados Unidos da América, o bem amado George W. Bush esteve um bocado desatento em relação ao andamento do sistema financeiro Norte-americano. Sem culpa, é claro! Quem, como a América do Norte, tem também que gerir o resto do mundo, em especial, o Iraque e o Afeganistão, e, também, de regular as regiões do Irão e Coreia do Norte não tem tempo para se importunar com os amigos e família, de modo a apurar se tudo corre bem nas respectivas gerências empresariais.
Apesar de todo o trabalho a que George W. Bush se tinha incumbido de fazer para lá do Pacifico e do Atlântico, a gestão e regulação dos mercados dos EUA não foi totalmente ignorada (deixou-a a cargo de um conselheiro). O ex-primeiro ministro Alemão, Gerhard Schröder, fez declarações em que referia que Deus aconselhava George W. Bush nas suas decisões politicas. Algo que se podia constatar pela forma como terminava todos os seus emblemáticos discursos. Pena que a omnisciência e a omnipotência não sejam o que já foram e o sistema financeiro esteja à beira de ruir.
A bolha especulativa do “subprime” rebentou no final de 2007, trazendo à luz do dia o ciclo de insustentabilidade em que o sistema financeiro Norte-americano se tornara. Mas, mesmo com a entrada no famoso “Bear Market”, ninguém tomou consciência daquilo que se aproximava: no dia 7 de Setembro de 2008, o país mais liberal do mundo nacionalizou a Fannie Mae e a Freddie Mac, que detinham metade dos empréstimos à habitação dos Estados Unidos. Uma semana depois, o Lehman Brothers, um dos maiores bancos americanos, que já contava com 150 anos de história, foi obrigado a declarar a bancarrota. E ainda nesse mesmo dia foi anunciada a compra do Merrill Lynch pelo Bank of America. Sucedeu-se o caos financeiro que levou a América e o Mundo a enfrentar uma segunda-feira “negra”. Mas a terça-feira não foi mais clara: as acções da AIG, 18ª maior empresa do mundo (Forbes Global 2000, 2008), caíram 95% do seu valor de mercado.
A resposta mundial foi coordenada: os maiores bancos centrais do mundo injectaram capital nos mercados. Em resposta, não ocorreu melhoria significativa. O Plano Paulson deu algum ânimo aos investidores, mas rapidamente foi rejeitado pelo contribuinte americano, sendo depois também rejeitado pelo congresso, a 29 de Setembro. Entretanto, pela Europa, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo apressavam-se a salvar o Fortis, sendo que dois dias depois a Bélgica e o Luxemburgo voltavam à cena para, com a França, disponibilizar 9 mil milhões para salvar o Dexia.
Dia 3 de Outubro é aprovada uma nova versão do Plano Paulson. A Islândia afunda-se na crise com a obliteração do seu sistema financeiro e uma dívida igual a 12 vezes o seu PIB. Dá-se mais uma segunda-feira “negra”, seguida, nessa mesma semana, de um corte nos juros por parte dos maiores bancos centrais mundiais, que acaba por não fazer efeito nos mercados. Não há confiança dos investidores no poder instituído.
Enquanto as poupanças da classe média desaparecem, alguns encontram a oportunidade de almoçar de graça: R.Fuld, do Lehman Bros, e J.Cayne, da Bear Stearms, arrecadam, cada um, 40 milhões de $EUA em compensações. R.Syrona, da Freedie Mac, e Daniel Meal, da Fannie Mae, arrecadam 20 milhões e 12,2 milhões de $EUA, respectivamente. Já S.O’Neal, da Merril Lynch, acomoda-se a receber 46 milhões de $EUA.
Mas houve uma administração que levou à letra a expressão "there are no free lunches" como uma provocação! A título de celebração pela aprovação do Plano Paulson, a administração da AIG esbanjou 440 000 $EUA em tratamentos de SPA, jogos de golfe e almoços, tudo por cortesia dos contribuintes norte-americanos!
.
José Pedro Cadima

sábado, outubro 25, 2008

O sábio (2)

Um dia, fui procurar o amor.
Julguei, até, tê-lo encontrado.
Puro engano: não passava de uma miragem,
a miragem do amor.

Um dia, fui ter com um velho sábio
e perguntei-lhe o que se escondia no céu.
Ao que ele respondeu: “o amor”!
Fiquei, então, a saber que prefiro o inferno,
porque, na terra, demasiadas vezes
a dor do amor eu provei.

José Pedro Cadima

(texto originalmente datado de 2004, editado por José Cadima na presente data)

quinta-feira, outubro 23, 2008

O verdadeiro prazer - III

Dia 3: Ontem, nem pensei. Limitei-me a deixar correr as palavras “então até amanhã Alexandre” na minha cabeça, à procura de uma imagem em que me segurar, à procura de encontrar algo a que me agarrar. Hoje, depois de, a partir das dezasseis horas de ontem, ter entrado de férias, a voz voltou:
“Nunca tinhas sentido tal ansiedade, não é verdade? É normal que assim fiques. Mantém a coragem na expressão do teu rosto e nas tuas palavras”.
“Hoje, ao saíres, vais consumar o acto: vais seduzi-la. Vais mostrar que és capaz, mostrar a ti mesmo que consegues!”
“- Assim farei, porque tu mo dizes. Se contigo até aqui cheguei, é contigo que lá vou chegar.”
De novo no sítio de ontem, à mesma hora, com o mesmo atraso por parte dela. Por fim, ela chegou e lá fomos em silêncio até ao parque, alimentando uma conversa fútil, comigo apenas a seguir as boas regras do falar nas alturas certas, dizendo as coisas certas. Ela parecia encantada, enquanto eu, observando-a desta forma distante, começava a ver nela uma pessoa algo enfadonha mas ainda com um “charme” que me atraía. Entretanto, as regras que ia seguindo, não me deixando ser eu, em sentido autêntico, deixavam-me desconfortável.
Fomos até uma parte mais escondida daquele belo parque.
“Atrasa o teu passo. Deixa-a ultrapassar-te e abraça-a por trás! Ela vai adorar…”
Assim fiz, mais uma vez. Mais uma miserável vez, segui uma ordem que me levaria à vitória. Não me senti confortável, no entanto. Antes, senti senti um esboço de revolta na minha alma. Todavia, neste caso, os fins justificavam os meios.
A respiração dela e a minha ficaram em alvoroço com esse abraço. As mãos dela cobriam as minhas e o meu corpo apertava-se contra o dela e o dela contra o meu. Era mútuo o agitar dos sentidos. Rodeei-a, segredando-lhe ao ouvido:
- Não esperavas nada disto de mim, minha rosa, flor do meu jardim?
Enquanto isso, questionava-me sobre se não estaria a ser lamechas.
Ela corava e eu beijava as suas bochechas coradas. Ela sorria e eu beijava-lhe as covinhas da cara. O beijo boca a boca aproximava-se. Eu consegui-a vê-lo ao longe, a correr. Chegaria depressa!
As minhas mãos subiram quase até aos seus seios e a sua cabeça inclinou-se para trás. Eu, entretanto, inclinei-me para um dos lados e, no momento em que a sua cabeça se virou para mim, estávamos com os nossos lábios frente a frente.
“Não o faças! Agora que tens o poder da sedução, vinga-te! Não foi ela que te repudiou um dia? Não foi ela que te fez sofrer uma vez ou até mais vezes? Foi, não foi? Ela nem bela chega a ser. Tu nem tens a certeza de querer tê-la! Mostra-te superior. Terás quem te mereça. Não uma mulher fútil… Retirarás daí outro prazer. Acredita que esse será bem maior. A mente sobre o corpo, não é o teu tipo? Não é o que ansiavas? Vais beijá-la ou rejeitá-la, à semelhança do que ela te fez, antes? ..."
"...Ensinei-te a obedecer às minhas ordens, para teu bem. Agora, apenas te deixo este conselho: faz a tua escolha!”
.
José Pedro Cadima

quarta-feira, outubro 22, 2008

Cartas de Amor ou quase

“Fico contente por saber que tiveste hoje um dia melhor que os imediatamente antecedentes. Agora, só precisas de ir melhorando um poucochinho cada dia. Aliás, eu também."

José Cadima

domingo, outubro 19, 2008

Amar-te ... E sorrir

Amar-te fortalece a minha alma
Amar-te capacita-me para enfrentar o mundo
Para enfraquecer as tormentas que vão surgindo
Ajuda-me a quebrar as ondas vivas
Que se avizinham perto da costa
Amar-te faz-me sorrir quando te vejo
Faz-me sorrir quanto te lembro
Conclui há pouco tempo
Que todos nascemos para amar
Mas nem todos temos a felicidade de ter um "objecto" de amor
Eu encontrei essa felicidade
A de te amar… E a de seres o meu "objecto" de amor

C.P.

sábado, outubro 18, 2008

O verdadeiro prazer - II

Dia 2: “É tudo uma questão de timing; uma questão de saber dizer as coisas certas nas alturas certas; uma questão de tudo o resto não existir ou, se existir, apresentarmo-nos de igual para igual ou até superiores. Isso impressiona; chama-se segurança. Toda a gente ambiciona sentir isso e, quando alguém tem confiança, desperta interesse! Parece que o que dizes é realmente verdade, é realmente importante, é realmente interessante, mas, se virmos bem, tudo o que digas ou possas dizer é sempre descartável. Os seres humanos funcionam assim.”
Os ensinamentos que me são transmitidos são assustadoramente assertivos. Se calhar é isso que me faz ter interesse neles… Se calhar é essa a ideia que devia ter de tudo. Ontem… Como é que ontem?! Oh… Será que é esta voz que me fez ganhar coragem? Será mesmo o meu subconsciente? “Não importa…” Pois não…Nada importa!
Ontem mandei uma mensagem à Rita a convidá-la para sair e ela disse que sim. Vamos dar um passeio pela cidade, ver os jardins e assim…
Combinámos encontrarmo-nos junto à escola. Ela está atrasada cinco minutos, mas já a vejo ao fundo. Vem com seus cabelos castanhos decoradas com madeixas naturais loiras. Os seus cabelos são levados com o vento. A primeira vez que a vi foi ao vento. A primeira vez que reparei nela, era o vento que a puxava, levando-a pelos seus cabelos…
- Olá! – disse a sorrir
- Olá! – respondeu ela com um sorriso copiado do meu
Começámos a andar. Entrámos num jardim e nenhum de nós falava. “Coragem”. Disse a voz, e eu ganhei coragem e as palavras saíram:
- Estás melhor que ontem? Já tens tudo na cabeça?
- Já! – sorriu-me
“A mentira é tão bonita. Não te preocupes com esse assunto. Comenta algo, critica, mostra-te de pensamentos próprios, deixa-a a pensar. A confusão é meio caminho…”
- Gosto de ver aqueles idiotas ali, com 2 pares de óculos de sol - ela riu-se, concordou e continuou a conversa.
Entretanto, a voz ia-me dizendo, constantemente: “espera”. Ela, por sua vez, ia falando.
Como gostam estas raparigas de falar, como gostam que concordem com elas. É tudo isso o que importa, o timing.
“Sempre aprendeste alguma coisa. Rápido! Faz um comentário sobre aquele cão. Não sejas cómico desta vez”. E não fui. Crucifiquei o cão, pela nojice como se apresentava. Rita concordou com cada letra do que disse, até com os “á” sem “h”, isto é, mal escritos e mal ditos.
A tarde foi boa. Cheguei a abraçá-la uma ou outra vez. Assumi uma postura familiar, de amigo íntimo. Tentei ganhar-lhe a confiança. Tive coragem para lhe falar. Tive segurança ao falar. Mantive-me calado de quando em quando. É giro impressionar alguém. É tão giro impressionar alguém. Talvez seja isso que nos faz vazios: ter que respeitar certas coisas para poder ter outras. É uma espécie de custo de oportunidade!
Ela estava a adorar. Á medida que a tarde corria isso sugeria-se mais óbvio: nos comentários que fazia, na familiaridade com que me tratava. Pela minha parte, tudo isso me fez sentir miserável. Como vou agora acreditar em mim? Não… na voz, porque quando estamos desesperados é noutros que nos apoiamos e noutros que acreditamos, e quando os outros estão certos, fingimos ser como eles.
- Então, até amanhã Alexandre!
.
José Pedro Cadima

quinta-feira, outubro 16, 2008

Acordo a sentir teus beijos

Acordo a sentir teus beijos.
Adormeço a imaginar teus abraços.
Ao saudar-te, posso jurar
que sinto teus lábios.
Estremeço só de me lembrar de ti.
Sinto teus os meus cabelos pela manhã
e pareço sentir tua boca
ao beber água cristalina ao pôr-do-sol.

Vejo-te onde quer que me encontre
e chamo por ti como se chamasse pela vida.
Estou louco.
Estou louco por ti!

José Pedro Cadima

(poema extraído de Sonhos a um Espelho, Papiro Editora, Porto - no prelo)

terça-feira, outubro 14, 2008

És diferente

És diferente…
Diria mesmo, totalmente diferente
Diferente de todos os outros
Na tua simplicidade e complexidade
Na tua frontalidade e fragilidade
Na tua sinceridade e honestidade
No amor que me dás…
Quando és inteligente
Quando és determinado
Quando me olhas
Sinto que és diferente
Muito diferente dos outros
Diria mesmo, totalmente diferente
És diferente…
E amar-te é também fazeres sentir-me diferente

C.P.

segunda-feira, outubro 13, 2008

O verdadeiro prazer - I

Dia 1: Choro, choro, choro. Mais valia o suicídio a isto! Mais valia pôr fim a todo este universo que criei em minha volta. Mais valia perder a vida.
“Escuta!”.
A vida não faz sentido. Nasci feio. Nasci o mais feio!
“Escuta!”.
Uh?! Uma vozinha interrompeu o meu pensamento.
"- Quem és tu?!"
“Responde isso a ti mesmo e mais tarde trabalharemos na minha identidade”.
A minha mente perdia-se nesta frase mas, antes de poder sequer responder, a pequena voz, que parecia partir do meu subconsciente, interveio novamente:
“Se te achas capaz de ser aquilo que querias, escuta-me e farás o que te direi. Dar-te-ei o dom da sedução”.
Que resposta poderia eu dar a isto? O que eu queria, a voz já o sabia: queria ter o poder de manipular como me manipulam a mim, que é o que importa neste mundo.
"- Eu aceito… Dá-me a ordem! Eu seguirei tudo!"
“Sai à rua!"
E os seus desejos, que não eram mais que cumprir os meus, foram cumpridos.
“Café lá da escola…”
E lá fui, seguindo cada passo que me era sugerido. Quem estaria lá que eu desejasse tanto?
Entro no café. Ao fundo está a Rita, a bela e única Rita, que tanto eu desejei que olhasse para mim e tanto me deu para trás… Que estou aqui a fazer? Já não a desejo… Pelo menos, não tanto como quando era ela o meu único desejo.
“Se já a desejaste tanto, é impossível que a chama se tenha apagado por completo. Apenas a acalmaste”.
Transpirei, tremi.
“Não tenhas medo, ela quer-te!”.
"- Quer?"
“Sim, quer, e tu também. E vais tê-la porque a mereces”.
Voltei a transpirar.
“Avança!”.
Assim fiz…
- Olá Rita! – disse
- Olá Alexandre… - respondeu com um ar um pouco abatido. Não parecia contente de todo em ver-me….
“Pergunta o que se passa! Junta-lhe humor… Fá-la sorrir e elogia esse facto!”.
"- Perdi-me. O que tu, voz dos céus me pedes é demasiado para mim…"
“O importante é não te deixares incomodar ou amedrontar. Ela ou uma cadeira são a mesma coisa. Tens que conquistar para poderes possuir. Faz o que te digo! Confia. Faz como que te disse!”.
- Que se passa? Pareces abatida… (como vou eu juntar humor a isto!?).
“ Se estás triste por causa do cabelo não te preocupes, ele continua uma lástima!”
– Se estás triste por causa do cabelo não te preocupes, ele continua uma lástima!
Ela riu-se.
- Oh!
- Estava a ver que não conseguia sacar de ti um sorriso hoje.
- Conseguiste! – sorriu
E que belo sorriso…
“Sorri para ela e inclina os teus olhos para ela. Baixa as pálpebras, deixando-as entre-abertas”.
Assim fiz.
- Estás diferente!
A seguir à resposta dela, a voz surgiu para me fortalecer com a sua sabedoria:
“É… Dizem que cresci. A pergunta é se isso será bom! Sê sarcástico!”
E assim fiz.
- É! Dizem que cresci, mas ainda não sei se isso é bom. Se é que me percebes – sorri
- Se calhar até é… - sorriu para mim e bebeu um pouco de sumo de laranja que tinha no seu copo
- Que faço agora!?
“ Tens que ir! Diz que estás atrasado. O tempo é sempre fundamental.”
- Olha, tenho que ir !
“Muitas coisas interessantes me esperam!”
– Muitas coisas interessantes me esperam!
“Não pareças intimidado…”
"- Ok., ok.!"
- Não sou interessante, não é?
“Talvez! Vemos isso noutro dia…”
– Talvez! Vemos isso noutro dia! – sorri.
Despedi-me e fui em direcção à porta.
“Mostra-te interessado! Diz-lhe algo e depois diz para esquecer”
- Olha Rita… e se… nah. Esquece!
- Agora não esqueço! Que querias perguntar?
“Nega tudo…”
– Não era nada…
“Convida-a para saírem amanhã.”
- Diz, senão fico zangada contigo!
- Queres sair amanhã?
- Quero! Tens o meu número?
Então não havia de ter? Tanto tentava chamar-lhe a atenção, tanto transpirava à sua beira, sem que ela me passasse a bola. Tinha o Carlos atrás de si, muito mais giro, muito mais interessante …
- Sim, tenho o teu número! Então, logo digo-te algo!
.
José Pedro Cadima

sábado, outubro 11, 2008

Minha Querida Helena

Não pretendendo tomar-te muito tempo, gostaria que me dissesses como vão as coisas contigo. Voltaste a dormir mal? Tens conseguido dar encaminhamento aos teus assuntos? Se precisares da minha ajuda, daqui, em relação a algo que esteja ao meu alcance, diz-mo, por favor.
Não fora o contexto de saúde que vives e a forma como isso condiciona o teu estado emocional, não ousaria enviar-te esta mensagem. Se te desconfortar responder-me, não o faças. Falaremos na primeira oportunidade sobre esse assunto.
Numa tua anterior mensagem, questionavas-me a respeito de breves considerações que fiz sobre a planta que tens em casa. A esse propósito, disse-te já tudo o que havia a dizer. A sublinhar, há só a exigência que, de agora em diante, a trates de modo bem diferente, única forma que tens de te redimires dos maus-tratos a que a sujeitaste, voluntária ou involuntariamente. Dos traumas que viveu, dada a respectiva profundidade, dificilmente ela se vai libertar, por muitos anos que viva. Também não entendi que dúvida te pôde suscitar a referência que fiz ao tema do congresso em que estás a participar. Não é por seres especialista dessas matérias que foste convidada? Não, não me queria referir à exigência que fizeste para que fosse ao médico, e a todas as análises que esperas que faça e que estou seguro que me vou arrepender de fazer. Se eu quisesse estar doente, há muito tempo que tinha procurado um médico.
Quando te mandei a mensagem ontem, estava longe de imaginar que ainda irias responder. Que é isso de andares a fazer jejum numa altura em que nem os muçulmanos o estão já a fazer? Lembra-te que não é Verão, pelo que não é caso para estares para aí angustiada com o receio de ganhares umas gorduritas, que eu duvido que ganhasses, em qualquer dos casos. Acho, por outro lado, que não deves sacrificar as tuas horas de sono, e muito menos para me responderes. Por favor, tem isso presente. Se não te posso ser agradável doutra forma, pelo menos que retenhas de mim a preocupação que tenho com o teu bem-estar.
Da tua mensagem, deduzo que conseguiste superar as dificuldades que te oferecia o teu dia de 5ª feira. Ainda bem! Hoje, tudo há-de correr ainda melhor. Por essas paragens, que classificas de deslumbrantes (não sei se o termo mais indicado não seria paradisíacas), as coisas terão necessariamente que ir bem.
Cá fico a aguardar o teu regresso, cheia de energia. Não tendo a tua energia e juventude, receber-te-ei com um abraço do tamanho da saudade imensa que tenho de ti.
Um beijo muito grande,

José Cadima

sexta-feira, outubro 10, 2008

“Crónicas do reino da bicharada” - III

3. Neste jogo da política dos interesses, sinceramente não sei o que me espanta mais: se a mediocridade dos argumentos usados para justificar o injustificável; se a incompetência em matéria de gestão dos dinheiros públicos.
Dizendo isto, mantenho presente, por um lado, a leviandade com que o governo prescinde do pagamento das portagens na ponte do Tejo, em Lisboa, em Agosto p.f., e, por outro lado, a leviandade ainda maior com que prescindiu das portagens de auto-estradas nas cercanias de Lisboa e Porto, logo a abrir a governação PS. O pior que tudo é que quem em última instância sai penalizado são os contribuintes, todos, e não apenas aqueles a quem as infra-estruturas vão servir.
Para ilustrar a ligeireza do exercício da política em Portugal, talvez não haja melhor exemplo do que as declarações do Sr. João Soares a propósito da manutenção do pagamento da portagem na ponte 25 de Abril. A propósito, confessava o dito senhor que, até data recente, não tinha percebido que o pagamento de portagem servia de travão ao afluxo de tráfego a Lisboa, isto é, sem portagem o congestionamento viário da ponte e de Lisboa seria bem pior.
Pois bem, para quem não saiba, o Dr. João Soares é o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, lugar em que sucedeu ao Dr. Jorge Sampaio, Presidente da República.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/07/06, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

terça-feira, outubro 07, 2008

“Crónicas do reino da bicharada” - II

2. Já que estamos em ocasião de comentário a matérias de índole futebolística, se bem que só por acidente de percurso, talvez não seja descabido falar do «toto-negócio», que nestes dias foi discutido na Assembleia da República.
Por ocasião da publicação do compromisso assumido, o governo PS fez muita questão de dizer que aquela era uma má solução para as dívidas dos clubes de futebol ao Estado, mas era a única possível. E mais insistia, reagindo à crítica da oposição e da opinião pública, que lhe apresentassem solução alternativa, se a tinham. Pretendia deste modo anular a justeza da indignação sentida com o argumento de que, não existindo outra via, o governo tinha dado expressão de lucidez e bom-senso.
Neste negócio embrulhado, o governo escudava-se, assim, na lógica aristotélica, na sua versão de bolso, que, partindo de uma premissa falsa que estabeleça conexão com outra que seja verdadeira, pretende concluir a veracidade de uma terceira que é, realmente, aquela que justifica todo o exercício de mistificação. Na circunstância, o objectivo derradeiro era (sempre foi) o perdão fiscal, e a ideia agitada de que a partir daí se podia partir para a prisão da «máfia do futebol» não passava de argumento para enganar tolos. Ora, o que é curioso é que este é, de facto, um exercício arriscado já que, usando o mesmo recurso lógico, tudo pode ser posto completamente ao avesso e, neste caso, fazer-se efectivamente justiça.
Bastava para tanto que se começasse por meter na prisão o Sr. Pinto da Costa, o Sr. Valentim Loureiro e uns tantos mais, e a partir daí a cedência dos dinheiros do totobola aos clubes de futebol deixaria de constituir uma demonstração humilhante de fraqueza do poder político perante os «senhores» do futebol, para poder ser vista como o primeiro passo da refundação do futebol em Portugal.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/07/06, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, outubro 05, 2008

“Crónicas do reino da bicharada" - I

1. Por ocasião do campeonato da Europa de futebol, recentemente realizado, os jornais deram notícia do desvio de um avião, no regresso de Inglaterra, de Lisboa para o Porto. Conforme se noticiava, a operação foi levada a cabo por dois conhecidos membros da «máfia do futebol».
Descrentes da eficácia da actuação das autoridades policiais, aos passageiros não restou senão exprimir a sua indignação com uma forte assobiadela à saída dos «meliantes». Para este sentimento de descrença que refiro, muito terá contribuído a memória do beija-mão a um dos «padrinhos» a que se reportava a notícia a que se sujeitou o primeiro-ministro português, Eng. António Guterres, não vai para muito mais de um mês.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/07/06, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quinta-feira, outubro 02, 2008

O mundo do nojo

O mundo funda-se em muita coisa. Porquê? Porque é o mundo de muita gente: o meu mundo; o teu mundo; o mundo dele; o mundo dos outros. Não há o nosso mundo, pois o meu sou incapaz de partilhá-lo seja com quem for, ou talvez tente partilhá-lo, talvez consiga partilhá-lo mas facilmente me refugio num sítio aonde ninguém consegue chegar.
O meu mundo talvez seja diferente. Talvez seja maléfico, porque muitos o achariam impossível de viver, e eu ouso dizer que não sei viver nele.
Às vezes, o meu mundo parece-me seres tu. Mas é mentira… Tu és apenas uma tempestade. Disse apenas? Queria dizer que eras o próprio tempo, uma das causas que permite ou não a vida no meu mundo.
O tempo passa com o tempo (deveria passar, não deveria?), chuva, sol, neve, nevoeiro, mas a tempestade grande és tu. Sei lá porquê! Só sei que não percebo.
Quando não eras minha, angustiava-me que o não fosses. Sentia nojo de seres doutro. Quando eras minha, incomodava-me teres sido doutro. Sentia raiva de não teres sido minha, primeiro. Quando passares a ser novamente de outro, sentirei nojo de teres sido minha e de seres de outro, depois.
Sinto nojo de mim mesmo por pensar assim. Sinto-me nojento por ter desejado partilhar alguma coisa contigo. Incomoda-me ter tido alguma ligação a ti e, ao mesmo tempo, sinto-me mal por ter-te deixado fugir. Repito: sinto nojo por pensar assim!
Sinto nojo de mim por ter um orgulho fugidio quando o assunto és tu. Parece que ele se esconde. Parece que se abaixa para te deixar passar por cima de mim. Parece que gosta de se mostrar naqueles momentos em que te faço mal e, por isso, sinto nojo de mim. Mete-me nojo o meu orgulho. Mete-me nojo o meu orgulho pela forma como me rebaixa perante mim e te magoa a ti. Desgosta-me gostar tanto de ti. Desgosta-me pensar e sentir assim.
Metes-me nojo por pensares assim. Pensar como tu pensas, ver as coisas como tu vês, mete-me nojo… Pura e simplesmente, mete-me nojo. Mete-me nojo a maneira como inclinas a cabeça. Parece que nada do que te digo está certo ou, às vezes, parece que estará certo demais. Mete-me nojo não estar certo. Mete-me ainda mais estar. Enjoa-me querer-te e enjoa-me não te querer. Sinto insuportável esta confusão.
É seguro que não estamos apaixonados… Isso faz-me sentir o que já sabemos mas, por dentro, o sentimento é tão de compaixão, tão à mesma de desejo, tão pouco do género fazer tudo à volta brilhar que não pode deixar de me desgostar, de me enojar. Essa é a realidade que não precisa de ser imaginada.
No fundo… tudo me mete nojo. Mete-me nojo amar-te. Mete-me nojo achar que tudo acabou. Mete-me nojo pensar em recomeçar. Mete-me nojo o meu orgulho, o teu pensamento, as minhas maneiras, as tuas maneiras. Mete-me nojo a nossa amizade. Mete-me nojo aquilo em que ela se fundamenta, que, porventura, será no nojo.
Porque é não há o nosso mundo?

José Pedro Cadima

quarta-feira, outubro 01, 2008

Lamento ter-te desapontado...

"Lamento ter-te desapontado. Eu sabia que esse era um risco sério. Não é que eu não goste de doces, mas gosto apenas de alguns. De ti, por exemplo."

José Cadima