domingo, junho 29, 2008

Sonhos...

Sonhos...
Sonhos? Eu?
Acho que não...
Amiude, nem dormir satisfatoriamente sou já capaz.
Quem me dera...

José Cadima

Minha Querida Helena

Volvidas que são as conferências e outras urgências, tento voltar para ti. Tento, digo, porque retomar o “romance” não é apenas uma questão de querer; é muito mais uma coisa que releva do ser.
Nessa busca do íntimo, recordo primeiro a troca de palavras sem sentido que ontem mantivemos. Odeio falar contigo ao telefone e, sabendo-o, tu pareces querer que eu odeie cada dia mais: explica-me lá porque misteriosa razão, conhecendo eu alguém, não posso deixar de conhecer a tia desse alguém, a sobrinha e, ainda, o enteado? Não fazendo sentido que essa ideia releve de qualquer encadeado razoável de circunstâncias, quando me atiras com esse arrazoado só poderás estar a querer gozar comigo ou, o que vai dar no mesmo, a pretender irritar-me - sabendo-me ao telefone. É mais um incentivo para que não te ligue. De tanto insistires, acabarás por ser sucedida no teu intento de pôr termo a esse tipo comunicação entre nós.
Do telefone, volto para os meus pensamentos e deles para a sede que me ficou de soltar a raiva resultante. Nessas alturas pode-se fazer qualquer coisa: até achar que não há mais espaço para o romance. Ganhar distância, remeter para o domínio do ficcional palavras trocadas que nunca deveriam tê-lo sido é a outra opção. Não é nunca fácil, não obstante. Só dando tempo ao tempo se viabiliza que o romance se sobreponha à raiva e a saudade emirja, leve, primeiro, com intensidade maior, depois.
Nessa altura, nesta altura já te sinto o rosto pousado sobre o meu colo, já sinto a tua pele sedosa nos meus dedos enquanto a minha mão percorre as tuas costas, encalhando nas costuras das tuas roupas. Estou de volta para ti, mas nem por isso deixo de me questionar se não será hora de partir para sempre de cada vez que a minha mão encalha nas costuras das roupas (ou as minhas palavras trocadas contigo ao telefone na tua obsessão de transformar cada telefonema que te faço num abismo sem fundo). A mão vai fazendo caminho pela pele sedosa; para lá das costuras insinua-se um estremeção de excitação e a resistência quebra-se. Estou de volta ao romance, estou de novo contigo, aconchegando-me no teu peito.
Porque não dura sempre este nosso romance, meu amor?

Braga, 31 de Outubro de 2004


José Cadima

sexta-feira, junho 27, 2008

Humilhado

Nunca acreditei

que um dia te teria.

A magia parecia

passar ao lado da minha vida.

Sonhava ter-te mesmo acordado.


Suspirava só em pensar

quão suave seria a tua pele,

quão especial seria tocar-te.

Amava-te mais que à vida,

Aceitava humilhar-me

como prova de amor.


Os tecidos do meu corpo

transpiravam de cada vez que te via.

O meu estômago remexia.


Entretanto, tu continuaste

a ignorar-me.

Deixaste-me para trás, simplesmente;

humilhado, sim,

mas só!


José Pedro Cadima

quinta-feira, junho 26, 2008

Mostrar-te

Quero mostrar-te
O verdadeiro sentido do amor
Incerteza, partilha...
E muita alegria.
É o sabor de me entregar
Sem esperar receber
É fazer aquilo que nunca fiz
Talvez...
Porque nunca o quis.

C.P.

terça-feira, junho 24, 2008

Não sou o teu amor (2)

Odeio-me!
Não sou o ser magnífico
que procuras.

Odeio-me!
Não sou o sonho
que buscas.

Odeio-me,
porque o teu amor
talvez pudesse ser o sonho
que, a teus olhos, me tornasse
no ser magnífico que mereces ter.

Odeio-me,
por saber impossível
o teu amor!

José Cadima

(adaptado de José Pedro Cadima, 2005)

segunda-feira, junho 23, 2008

Sentir-te

Sinto-te a cada instante
E agonia constante
Fosso cavo
Muito fundo, dizem eles!
Intransponível, talvez!
A ti, ponte quero lançar
És desafio para mim
Vem...
Segue a ponte até ao fim!...

C.P.

domingo, junho 22, 2008

“Ainda há esperança! - II”

2. Até ao momento da leitura dos jornais do passado fim-de-semana, tinha decidido abandonar definitivamente a regionalização como tema de análise: afinal, depois de múltiplas semanas de debate, não havia já nada de novo que se dissesse. Pensava assim, digo, e reconheço agora que estava enganado. Percebi-o na consulta dos jornais, a que já me referi, e reconheci-o relendo declarações do grande defensor da solidariedade, da democracia e dos direitos humanos que foi o Dr. Mário Soares.
Pude, na altura, alcançar quanto Portugal podia ter ganho se, por ocasião da sua passagem pelo governo e pela Presidência da Republica, o citado cidadão não tivesse já esquecido tudo quanto aprendera na sua passagem pela militância política de oposição ao regime fascista e pelo exílio na estranja.”

J. C.

(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/06/01, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sexta-feira, junho 20, 2008

Viva a liberdade!

Querem-na? A liberdade,
a primeira motivação da luta humana,
a razão do fracasso das ditaduras
e do sacrifício dos lutadores.

A liberdade contrapõe-se à crença,
alimentada por alguns, na prisão física,
na opressão, no condicionamento das mentes.
Nem a democracia nos faz livres:
dá prisão àquilo em que tocamos.

Corram pelos campos!
Sintam o vento na face,
nas narinas, nos olhos.
Busque-se a liberdade
no intervalo de dois compromissos.

Sejamos livres.
Façamos do mundo coisa nossa.


José Pedro Cadima

quarta-feira, junho 18, 2008

Vocabulário

Prender um texto ao nosso vocabulário
não é matar a literatura.
Porquê obrigar-nos a todos
a ter um dicionário?
Tantas palavras bonitas,
com tantos significados,
mas sem emoção alguma.

Prender um texto ao que sabemos,
embora pouco, é dar-lhe um pouco de nós.
Quando se escreve, quando se lê,
é com o coração que o fazemos.
Deixemos o linguarejar para trás.
Expressar sentimentos,
embora de forma rudimentar,
pode ser, quem sabe, mais belo
e tem, por certo, todo outro significado.

José Pedro Cadima

segunda-feira, junho 16, 2008

Dias tristes

Sinto-me profundamente infeliz, hoje.
Não é por falta de amores.
Será, talvez, por falta de amor.
Há dias assim, tristes,
irremediavelmente distantes do lugar mítico
a que alguns chamam arco-íris.

Chove, lá fora.
Cá dentro, é o meu coração que se sugere despedaçado
por dias que correm cada vez mais cinzentos.
De lá de fora, sinto a ameaça
de mais um dia que se anuncia triste, sem esperança.

Não são amores que me faltam.
O que me falta é alegria,
a alegria de quem corre por algo que julga valer a pena:
uma amizade, um sonho, um grande amor.

Por onde andas, amor meu?
Serás tu este ser que se insinua por aqui
ou será esta força que pressinto
apenas a saudade que tenho de ti?

Vem em meu socorro, depressa!
Se demoras em tomar corpo e forma,
corres o risco de, em vez de mim, ser só desespero
o que venhas a encontrar.
Vem depressa, meu amor!


José Cadima

sábado, junho 14, 2008

“Ainda há esperança!”

1. Irremediavelmente, estou impressionado com a preocupação que os lisboetas manifestam com os atrasos de desenvolvimento do Alto-Minho, da Beira interior ou do Alentejo. Mais impressionado me confesso por essa preocupação, tão veemente, ser assumida em termos maioritários por gente tão ilustrada quanto o são os jornalistas e outros intelectuais com espaço reservado no «Expresso» e noutros órgãos de informação que se usa classificar de «grande difusão».
Apraz-me que o digam, e apraz-me tamanha veemência nesta particular ocasião em que se discute a devolução do poder às regiões e as virtualidades da regionalização enquanto instrumento de desenvolvimento. Provoca-me menos impacto esta expressão de solidariedade regional quando é proveniente de alguém do Minho ou de Trás-os-Montes.
Não fora os epítetos de imbecis ou de traidores da pátria que usam para qualificar os defensores da regionalização e nem se perceberia o imenso altruísmo que os faz movimentar.
Também a este respeito, é caso para reconhecer que o país sem Lisboa é uma ficção.”

J. C.

(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/06/01, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quinta-feira, junho 12, 2008

Momentos brancos

Não haja pressa
que o momento aguarda.
Não deixemos o morrer
de ansiedade acompanhar-nos,
sendo nosso par.
Sobretudo, recusemo-nos
a casar com ele para a vida.

Odiosamente, sinto falta
de momentos em branco,
no meio de uma multidão;
momentos apaixonados.

Enrolando o tempo
em amor
que mal me fez,
perdi momentos vazios.
Não tendo sabido parar o tempo,
deixei-os fugir.

José Pedro Cadima

segunda-feira, junho 09, 2008

Minha Querida Helena

Hoje não te escrevo. Estou tão cansado que me falta a energia para te exprimir o que sinto e para te gritar quanta falta me fases. No presente estado de alma, recolheria até energia de palavras desagradáveis que me dirigisses - à semelhança de tantas outras no passado, algumas vezes injustas. Daí haveria de retirar a força para dar o próximo passo e, quiçá, contributo para tornar menos doloroso este sentimento de perda que me assiste.
Há ocasiões em que o trabalho, pouco que seja, me esgota. Lembro-me de outras em que o trabalho se esgotava sem que lhe sentisse o peso. Não é, sei-o bem, apenas uma questão de esforço. É, muito mais, um problema de motivação, de crença que valha a pena enfrentar o dia seguinte, estado de espírito que me escapa nesta altura e de que não estou certo de ser capaz de libertar-me. A não ser... A não ser que...
Estou sem esperança. Estou sem ânimo. Sinto-me profundamente cansado, a ponto de me falhar a energia sequer para te gritar a falta que me fases. Por isso, hoje não te escrevo.
Não te farão falta, no entanto, as minhas palavras escritas. Porque se fizessem não te seria indiferente o meu cansaço. Porque se te faltassem, não me deixarias a agonizar. Por contrapartida, eu não tenho dúvida em dizer-te quanta falta me fases. Gritá-lo-ia, até, se tivesse energia para tal.
Hoje não te escrevo. Se recobrar forças para esse empreendimento, escrever-te-ei noutra ocasião, para te dizer quanta falta me fases e quão tamanho é este amor que te devoto. Se recobrar forças para tanto, gritar-te-ei até a falta que me fases, mesmo duvidando que venhas a escutar o meu grito.

Braga, 23 de Agosto de 2004

José Cadima

domingo, junho 08, 2008

Fez-se história

Fez-se história:
criámos o horror e a arte,
criámos os dois; unimo-los.
Separámos a vida e a morte.

José Pedro Cadima

sexta-feira, junho 06, 2008

Canibalismo

Que se retorne ao canibalismo.
Que seja hoje e depressa!
Já toda a carne se me sugere saber
àquela que o homem tem.

Com canibal desejo,
devoro aos poucos
a própria consciência.
Sabe-me na boca
e não me sabe mal.

José Pedro Cadima

quinta-feira, junho 05, 2008

Sem apelo

Sem apelo,
sem dó nem piedade,
volto à escrita, como volto ao amor,
mesmo que isso pareça coisa de fracos,
coisa dos que amam uma para sempre.

José Pedro Cadima

segunda-feira, junho 02, 2008

Na vida: sonhos

Jogando em frente
as insígnias conseguidas,
nota-se que há muitos sonhos
que são mais pequenos que a vida.

Reflexos em espelhos sem cantos
permitem a fuga da ilusão.
Tarefa árdua é também procurar
agulha em palheiro:
vemo-nos gregos.

Convirá alertar os homens de ambição
que o mundo não se conquista com talheres,
embora essa conquista possa
não dispensar a mesa.
Pelo menos, não se contam histórias,
em que tal tenha acontecido.

Às mulheres, rosas se oferecem
ao invés de alecrim,
talvez por causa do seu perfume.
Podem ser rosa,
podem ser brancas ou vermelhas,
vermelho-amante;
fazem-nos sempre sonhar
com o seu perfume de rosas,
o seu cheiro de mulher.

José Pedro Cadima