sábado, maio 31, 2008

Sonhos...

Sonhos...
Sonhar? Porque não?
... E a nuvem escura,
tremenda passou,
descarregou toda a água
e a raiva que a movia.
Depois, o sol raiou
e da terra emanou um cheiro suave e perfumado,
o cheiro da terra.
Senti-me leve, então,
capaz de voltar a sonhar.

José Cadima

quarta-feira, maio 28, 2008

Desespero...

E o momento da morte funde-se com o da vida formando uma camada de desespero incompreensível.
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José Pedro Cadima

terça-feira, maio 27, 2008

Lábios

Lábios doces, leves;
doces, leves lábios.
Toque apaixonado
por despertar.
Imprevisto gesto de amor.

Flutuo-o levemente,
para lá dos sonhos
impostos pelo desejo de te beijar.

Doces…
Leves…
Lábios…

José Pedro Cadima

domingo, maio 25, 2008

Minha Querida Helena

Espero que te encontres bem, na companhia dos teus. Eu cá vou indo como posso, umas horas mais fresco outras carregando com esforço óbvio o meu cansaço. Os fins de tarde, de um modo geral, têm-se revelado bastante penosos. O pior é quando ao dia se junta uma noite de sobressalto. Tirando isso – como te dizia – cá vou andando.
Sobre os meninos, dir-te-ei que lá vão indo, também. Tenho andado um pouco preocupado com o José Pedro em razão da indicação que tenho de que algo não vai bem com os seus amores (tal qual se passa com o pai). Na verdade, fiquei algo alvoroçado quando há dias me mandou uma mensagem electrónica (vulgo, e-mail) dando-me indicação que retirasse a dedicatória à Maria do seu livro em projecto. Imaginei-o logo de volta aos seus poemas de desesperança, de que te falei vai para uns tempos, e que tanto desconforto me provocaram. Surpreendentemente, contudo - tanto quanto me apercebi – isso não terá acontecido. Em vez disso, partiu com o avô rumo a Leiria, primeiro, e a Lisboa, depois, de onde me deu notícias razoavelmente descontraídas de Sintra e de Queluz. Faço grande força para que assim continue.
Todavia, a serem válidos os sinais de que te falo no parágrafo precedente, tanta ou mais preocupação que o José Pedro dá-me o João Miguel. Imagina que criou uma espécie de pânico em relação ao regresso à Escola, ao ponto de uma destas madrugadas ter aparecido no quarto da mãe em choro aberto questionando se não podia ter antes aulas em casa. Confirmo assim a ideia com que tinha ficado de que o ano académico passado foi para ele um enorme pesadelo. E até nem me custa entender que como tal o tenha sentido a aquilatar pela impreparação que constatei nos professores que, em má hora, tive que contactar. Mas daí até este vale de lágrimas de um miúdo como aquele vai certa distância. Lá tenho procurado sossegá-lo o melhor que sei, mas a apreensão, essa, ninguém ma tira.
Como uso dizer – e sou inteiramente sincero nisso – só pensa ter filhos hoje em dia quem não tem nada mais com que se ocupar ou, o que é radicalmente pior, quem é muito ingénuo ou um grande irresponsável. Como sabes, eu encácho-me na categoria dos ingénuos. Feito o erro, vou ter que viver com ele, mesmo que isso me custe para além do que tenho e posso dar. É uma de entre várias fatalidades com que estou confrontado. Daí a expressão cá vou indo com que iniciei esta mensagem que decidi endereçar-te.
Ciente, no entanto, que a carta vai longa e que te macei já para além do razoável, mantendo embora presente a tua benevolência, despeço-me até à próxima.
Dá cumprimentos da minha parte ao teu filho, e não te esqueças de lhe dizer que não me julgue mal pela forma como não soube lidar com a sua mãe. Recebe um beijo deste que tanto te quer.

Braga, 31 de Agosto de 2004


José Cadima

sexta-feira, maio 23, 2008

Está tudo tão industrial

Está tudo tão industrial,
como se a vida
fosse mais uma peça de maquinaria.

Se assim é,
deixai-me ser seu manuseador,
deixai-me espaço para manipular
esta máquina que me pertence.

Quero poder rodar manivelas.
Quero saltar sobre os maus tempos.

José Pedro Cadima

Os deuses

Chorei toda a noite,
e hoje chove.
Incrível o que fazem os deuses
para que não me sinta só!

José Pedro Cadima

terça-feira, maio 20, 2008

O precipício no fim da vida

Não há razão para viver
se não se for Colombo.
Não há como dormir
se não se souber como.

De um feixe de luz,
compreender a velocidade.
De uma pedra no chão,
identificar aquela que se é.

Sabereis vós todos
que, na vida, só há vida
se soubermos porquê?

José Pedro Cadima

sábado, maio 17, 2008

“A saúde está pelas ruas da amargura”

“Alguém que me é próximo sugeriu que me ocupasse numa destas crónicas das temáticas da saúde e da segurança social. Chocou-me a sugestão. Na verdade, é difícil descortinar como é eu poderia trazer para uma rubrica votada à análise política de fundo e à cultura assuntos tão rasteiros.
Rasteiros, digo, pois é bem sabido que saúde e segurança social andam ambas pelas ruas da amargura. Em tempo de triunfo de liberalismos e liberais feitos à pressa, em tempo de glorificação de construtores de auto-estradas e de centros culturais de Belém e da Feira sobra pouco para garantir a assistência na doença e o bem-estar dos cidadãos.
É de certo modo compreensível que assim seja, posto que doença é coisa de que ninguém gosta de falar e que o aproximar da idade da reforma é também o aproximar do termo da vida. Muito mais atractivo é, em época de Verão, deitar o olho às mulheraças em «top less» espraiadas ao sol ou aos programas de férias propostos pelas agências de viagens. Infelizmente, meninas de maminhas ao léu continuam a aparecer pouco aqui pelas praias do Minho e, pelo que se reporta a férias tropicais, falta-nos, à maioria, o conforto dos milhões do Fundo Social Europeu e do PEDIP, versão Mira Amaral.
Há também outra faceta nesta coisa do investimento na saúde dos portugueses que não abona a favor do tema, que tem que ver com a circunstância deste tipo de aplicação de fundos cair na categoria do chamado investimento imaterial. Quer dizer, é dinheiro deitado à rua já que uma vez gasto não fica nem tabuleta comemorativa nem obra para a posteridade. Nisso tem, portanto, muito a perder relativamente a auto-estrada, ponte ou quartel de bombeiros.
Os cidadãos eleitores sabem isso, e é essa a razão profunda porque nutrem um especial desprezo pela vida. Sobretudo pela vida dos outros, como se prova pelas estatísticas de acidentes rodoviários e de trabalho. Outro indicador que vai em idêntico sentido é a forma afável como continuam a acolher nas suas terras os ministros da saúde e do emprego e segurança social.
Tratasse-se dos seus congéneres das obras públicas ou da indústria, por exemplo, e a coisa ficaria bem diferente: «fujam que aqui vai calhau!» .”

J. C.

(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/08/05, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quinta-feira, maio 15, 2008

Voltar a viver

Apetece-me saltar de tão alto
que voltar ao chão seja impossível.
Apetece-me correr tão rápido
que parar pareça um sonho.
Apetece-me entrar num sono tão profundo
que acordar seja voltar a viver.
Apetece-me...

José Pedro Cadima

segunda-feira, maio 12, 2008

Imaginação

O vazio

escorre-me da mente.

Encho baldes

do que não existe.

De imaginação morta,

Deus só nos teria criado a nós.


José Pedro Cadima

sábado, maio 10, 2008

Algo que só tu sabes

Quando estamos juntos,
sinto que dançamos,
sinto algo no ar,
sinto que algo nos junta.

Quando estamos juntos,
sinto algo que me faz assim,
algo que te faz assim,
algo que...
Sinto algo que só tu sabes.

José Pedro Cadima

quinta-feira, maio 08, 2008

Meu achado(2)

Ai achado!
Meu coração-agulha, qual bússola,
aponta para ti.

Um traço teu
leva-me a amar-te,
como a agulha ao norte.

As tuas sardas-meninas,
luzentes ao sol e à luz,
invisíveis na noite
ou no meu quarto escuro,
iluminam-te a vergonha
por me pedires um beijo.

Prova-me nos lábios
o amor que lhes tomei!

José Pedro Cadima

terça-feira, maio 06, 2008

sábado, maio 03, 2008

O fim do mundo

O tempo é de trovoada:
durmo.
Há sempre um dia
para lá de amanhã.
De futuro, virão tempestades e inundações:
dormirei.
A pior das catástrofes levará vidas
e eu cá ficarei, a dormir.
Não te zangues comigo,
meu mundo, minha vida!
O teu medo não me dá descanso.

José Pedro Cadima

quinta-feira, maio 01, 2008

Minha Querida Helena

Depois de um enorme vale de lágrimas vertidas por ti e por mim, sigo neste comboio a caminho de Lisboa. A mente deixei-a contigo. Como é possível que o nosso amor incomode tanta gente? Que tem de especial o nosso amor? O ser muito, muito grande? Mas não é mesmo assim que devem ser os amores?
Percorrendo, em pensamento, as últimas palavras que me dirigistes e revendo tudo o que dissestes antes, pergunto-me, adicionalmente, porque é que o nosso amor tem que ser um amor proibido. Será por ser tão intenso que o desgaste a que estamos sujeitos nos extenua desta maneira? Como posso eu querer-te tanto e penalizar-te tanto?
Meu amor: a cabeça fervilha-me de pensamentos e de dúvidas. A única certeza que tenho é que já não sou capaz de conceber o meu dia-a-dia sem ter-te como refúgio e como ancoradouro. Desgraçada que é a minha vida, perderá o sentido que lhe resta sem as amarras que me lanças.
É irónico que num momento juntemos pertences tão simbólicos como o são um cravo do sul, um loureiro e um jarro roxo e no instante seguinte me digas que o xicoração que me deste, quase roubado, foi o último. Como pode ser o último se o nosso cravo do sul e o nosso loureiro permanecem viçosos? Dás por perdido o jarro roxo e, com ele, as demais plantas, símbolos preciosos da nossa união? Não dês, minha querida. Luta para que vivam, mesmo que seja para que nos sobrevivam. Essa será mais uma prova da força deste amor.
Neste comboio, a caminho de Lisboa e contigo como objecto único de pensamento, pergunto-me como será a seguir, logo, quando chegar ao hotel, ou amanhã à noite, quando regressar. Irei telefonar-te? Atenderás tu o telefone se eu tiver a coragem ou a fraqueza de te ligar? E depois?
E depois? Decidido está que 3ª feira comprarei bilhetes para o espectáculo com o José Mário Branco, a 24 de Abril, havendo bilhetes - ficaria muito frustrado se não os houvesse. Está decidido que comprarei dois bilhetes. Depois logo se verá se te terei a meu lado ou se o banco vizinho ficará vazio durante o espectáculo.
Não, não quero questionar-me sobre como resistirei à emoção daquele momento se não puder ter a força de te sentir a meu lado. Não, não quero imaginar como o nosso cravo do sul poderá resistir à minha ausência. Não, não quero pensar … Helena, minha querida.

José Cadima