quarta-feira, julho 28, 2010

A proximidade do mundo real

Queria ver-te,
na irracionalidade do ser
que sou, sem direito
de contemplação da mera imagem.

É tamanha a proximidade
que não te alcanço.

Repreendo-me de olhar
para o inalcançável.
É pena de tortura
auto-infligida.

Distancio-me do real,
para um mundo solitário.

Afasto-me alheio a quem sou,
atormentado da impotência
daquilo que sinto.

Afasto-me,
respondendo ao chamamento da arte,
lapidando o sentimento bruto.

José Pedro Cadima

Flores da Madeira: sumaúma




domingo, julho 25, 2010

2 dias, 2 anos, 20 anos

Os homens são todos iguais, dizem as mulheres.
Todos iguais, mas todos diferentes, digo eu,
que, sendo natureza, sou chuva, sou sol,
sou tempestade, sou brisa suave,
sou mar encapelado, sou…, conforme o dia.
Como eu, também cada dia é portador de singularidade,
mesmo parecendo igual a tantos outros.
Tal qual eu, assim cada dia,
sendo diferente dos demais,
também tem muito em comum com outros dias.
2 dias, 2 anos, 20 anos, sejam mais ou menos,
a vontade de prosseguir caminho
não há-de esmorecer,
como não esmoreceu o apelo que me trouxe até ti
há 2 dias, há 2 anos, há 20 anos, creio,
não estando seguro de crer bem,
mas dando por certo querer-te muito.
Dois dias, “dois anos e continuo a subir”.
“Perto do cume”, sentir-te-ás mais tu,
“mais mulher”, dizes.
Perto do cume, serei natureza mais agreste,
vento mais tumultuoso.
Perto do cume, far-te-ei rodopiar, esvoaçar,
para te deixar pousar, depois, suavemente,
nos meus lençóis feitos de neve.
A partir do cume, havemos de formar riacho,
depois rio,
para, finalmente, virarmos oceano.

K

quinta-feira, julho 22, 2010

Rachar lenha

"Quem está (de) fora racha lenha!"

(dito popular escutado no início da manhã de hoje algures, em Braga)

terça-feira, julho 20, 2010

Saudades…

Ainda há pouco partiste
e a saudade já me assiste,
insistente, penosa.
Não devia dizer-to.
Não mereces, sequer, saber-me em sofrimento.
Que dizer-te, alternativamente?
Melhor seria não dizer-te nada,
mas não sei, não o quis calar,
porque é da minha natureza
não dizer nem mais nem menos do que sinto;
e não consigo dizer algo que não sinto.
Sinto que devo brindar à vida.
Sinto que a vida faz(ia) sentido contigo.
Sinto que tu eras um desafio para mim,
algo por descobrir, algo que me desafiava
a embrenhar-me floresta adentro.
Sentia tanto…
que, nalgumas ocasiões, mais parecia um explorador
de novos mundos.
Partiste.
Coortas-te a minha avidez
de me aventurar por mundos nunca antes navegados.
Foste, porventura, mais “maluca” do que te imaginei.
Queria-te maluca por me beijar,
maluca por me abraçar.
Queria-te a Cláudinha com que sonhei,
maluca por mim.
Falo-te da minha saudade,
crente que a saudade de mim
acabará também por tocar-te,
cedo ou tarde,
mas seguramente tarde de mais.

José Cadima

segunda-feira, julho 19, 2010

Sinto …

Sinto que nada importa.
Sinto que tudo importa.
Sinto que te quis muito.
Sinto que já não te quero.
Sinto que a tua ausência me deixa mais desamparado.
Sinto que perdi algo que me era precioso.
Sinto que nada tenho.
Sinto que nada importa.
Sinto…

José Pedro Cadima

sábado, julho 17, 2010

terça-feira, julho 13, 2010

Paranóia

A paranóia pega-se
como uma doença infecciosa.
É surpreendente o receio que tens
de quem olha para ti,
de quem te vê como és.
No que me diz respeito, ver-te
é bastante para me inspirar
expressões de carinho,
para me levar a querer acariciar-te.

Mas a paranóia pega-se,
e o meu receio
não é o teu
mas sinto-o como tu.
Aquilo que imaginas dos outros
quando te olham sem sentir
vejo-o em mim
quando marcas o silêncio.
#
Urge que acredites
que o arco-iris é mais que ilusão óptica.
Distante que pareça,
é possível abraçá-lo.
.
José Pedro Cadima

segunda-feira, julho 05, 2010

Expectativas

Nesta madrugada de insónia,
o piar dos pássaros nocturnos
dá bem sinal do meu desespero.

Sei de um futuro que não é o meu.
Acobardo-me perante a paranóia
que me leva a ter medo de ti.

Sou assim pelo insucesso
ou o sucesso é que me faz assim?
Sou assim pelo mal que me faz
o medo que esta situação me traz.

Existirá responsabilidade
quando tenho mais medo
de fazer algo que me dá gozo
do que de dar-me a luxos?


José Pedro Cadima

domingo, julho 04, 2010

Que sentimento estranho!

Escrito no Preto
[Que sentimento estranho
este de, ao mesmo tempo,
querer apagar-te da memória
e desejar correr para os teus braços!]

José Pedro Cadima

quinta-feira, julho 01, 2010

A menina dos cachos

Vou aqui contar uma história que para ti aparecerá como ficção. Os personagens sou eu, tu e todos os que nos rodeiam, pois não queria que fosse uma história em que tudo fosse mera especulação.
#
A multidão é um corpo cinzento onde os gestos se repetem até à linha do horizonte. As mesmas vivencias são assuntos de conversa entre os mais variados grupos que se espalham pela avenida. E lá no fundo vai a menina dos cachos, que saltita alheia às repetitivas histórias contadas nas esplanadas da avenida.
Os seus cabelos negros encaracolados caem-lhe pelos ombros de forma doce e fazem perfeita sintonia com o ar jovial que transporta. O dia é de sol nos seus olhos, mesmo que não o seja no céu, e o seu sorriso é quase ingénuo, tamanha a graça que carrega consigo para onde quer que vá.
Quando a menina dos cachos vira para a direita no fim da avenida, um rapaz que saía do café reconhece-a ao longe. Apetece-lhe correr para ela. Não corre. Podia confrontar-se com a vergonha de ficar, sem palvras, à sua frente; podia correr o risco de não ser capaz de lhe dizer o que quer que fosse. E logo num dia como aquele, igualzinho aos outros, em que ela parecia ter decido que o dia seria perfeito.
A menina continuou o seu caminho. Apressando um pouco o passo, desiste de sujeitar-se a tamanha vergonha. Ela tinha desaparecido da sua vista e podia assumir que não a voltaria a encontrar. Chegado à curva, não a vê. Era como se nunca lá tivesse estado. Perdeu então a oportunidade de a ouvir dizer “olá”. O olá que ele mais desejava ouvir nesse dia. Voltou a correr pela rua. Continuou a não a ver.
A menina dos cachos tinha virado à direita para dentro de uma loja três números a seguir à morada da porta da esquina. Tinha entrado para comprar chá. Procurava uma infusão em particular, uma infusão de uma flor de sabor doce.
O rapaz voltou então para trás, desiludido com o objectivo inseguro que a si mesmo tinha proposto. E se o coração alguma vez tinha batido por ela, batia agora pela desesperada corrida que tinha feita até ao final da rua. Não a encontraria na sua saída da loja. Ele olhava para o chão e ela retomara o seu percurso, agora em direcção ao outro lado da avenida.
A menina dos cachos entraria logo depois noutra loja do outro lado. Tratava-se de uma pequena loja de chávenas, onde procurava um par, um par de chávenas bonito, rústico, característico do que é habitual encontrar num palacete, mas de traço simples. Enquanto as comprava ao balcão, o rapaz passava por essa mesma rua, não olhando senão para o chão, alheado das coisas que os outros faziam.
O rapaz virou à esquerda na esquina seguinte, descendo a rua mais calmamente. Parou para ver a montra de uma loja de roupa, roupa já de adulto. Afinal, a sua juventude aparente nas acções desta história provinha do sentimento e não da idade.
A menina dos cachos desceria entretanto a mesma rua sem o ver. A multidão cinzenta distrai-a. Cruzou-se com um amigo, e logo depois com outro. Vê meia dúzia de desconhecidos, no meio dos quais julga reconhecer alguém, mas não era o seu companheiro de carteira do infantário, não era o seu vizinho, não era ninguém que reconhecesse. Segue caminho sem reconhecer mais alguém. Volta a virar à esquerda para ver se costureira havia acabado o seu vestido.
O rapaz fazia entretanto o caminho inverso. Vai em direcção à avenida. Olha o sol que aponta para horas de retornar a casa. Está sem saudades de casa. Resolve então ir para um café a meio da avenida. Fica-se pela esplanada, aproveitando a brisa que passa.
Entretanto, a menina retoma também o caminho de retorno. Ao passar em frente da loja das chávenas, volta a olhar certificando-se da sua escolha e desce a avenida.
...
...
...

[Na lógica dos enredos dos filmes europeus de há uns tempos, deixo-te a escolha do final desta história]

José Pedro Cadima