domingo, fevereiro 02, 2025

Minha Querida Helena (55)

Minha Querida Helena,

Lá fora, pressinto o frio da noite. Cá dentro, sinto o frio percorrer-me o corpo: primeiro, toma-me conta dos pés; depois, progressivamente, vai-se-me apoderando das pernas. Sinto-o já na vizinhança dos joelhos. Sacudo-o, de quando em quando, passando as mãos pelas pernas ou esfregando os pés um contra o outro. Olho o aquecedor, colocado a três metros, mas este não parece querer vir em meu socorro. Agito-me de novo na cadeira. O conforto que obtenho configura-se passageiro; demasiado breve para ser conforto.

Também ontem o dia estava fresco. Porém, não o senti tão fresco como o de hoje, nem mesmo enquanto permanecemos à beira-mar assistindo ao esgotar da luz do dia. Aliás, quando beneficiei da protecção do teu corpo a brisa fresca que me chegava acabou por esfumar-se. Admito, no entanto, que o calor que me transmitias te faltasse a ti. Já no carro, a brisa converteu-se num rumor à solta num lugar vazio; um simples cenário de um encontro de namorados. O aconchego só não foi pleno porque a inquietação interior não o permitiu.

Maldito frio que ousa intrometer-se entre nós. Não vejo forma de contrariar este desconforto que não seja aconchegar os nossos corpos um contra o outro até que o frio não possa mais encontrar nesga por onde penetrar. Repara: quando pressiono as pernas com as minhas mãos, o frio desaparece. O mal está em que, logo que tiro as mãos, ele volta. Precisamos converter-nos em muralha para permanecer protegidos. Necessitamos ser duna para que o vento não nos arraste. Se formos vulcão, não precisaremos de lume para nos conversarmos quentes.

Enquanto não somos, quer dizer, enquanto não sou, não tenho outro remédio que não seja operar uma retirada estratégica e procurar  refúgio na cama, embrulhado nos cobertores. Se sobreviver a esta noite, a este frio que me assalta, digo, a esperança de sermos vulcão háde  dar-me a energia para atravessar o dia de amanhã, mesmo que seja só para, chegado o entardecer, sentir uma vez mais o frio apoderar-se de mim, começando pelos pés e progredindo, de seguida, pelo corpo todo.


José Cadima

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