domingo, fevereiro 09, 2025

Minha Querida Helena (62)

Minha Querida Helena,

Estou naquela hora em que só a revolta e o desespero me assistem. Atravesso aquela hora do dia em que à minha volta só sinto tristeza e raiva; tristeza, por sentir que já não sou capaz de dar alma ao mundo que me rodeia; vazio por parecer ineficaz tudo quanto faço para que o dia seguinte não me apareça transformado num vale de lágrimas igual ao que foi o de hoje.

Falava eu há um par de dias de ciclos de esperança e desesperança, que se alternam. Pobre de mim que no meu desespero já confundo sonho e realidade. A esperança vive apenas na minha ansiedade; porventura, também nas minhas memórias longínquas. Não é parte da realidade que é o meu quotidiano. Aí, a alternância faz-se com acalmia, bonança, não com excitação, nunca com tempos de alegria aberta, sustentável.

Como aqui cheguei não to sei dizer. Questiono-me sobre se foram os meus olhos que foram pintando tudo mais sombrio ou foi o sombrio da minha envolvente que se foi impondo aos espasmos de  conforto que ocupavam as minhas memórias. Questiono-me também como saberei percorrer caminho, descrente de alcançar um retiro que me permita recuperar energia, alcançar descanso.

Sobra-me o sonho fugaz de que voltes a ser o meu porto de abrigo, o meu lugar de evasão. Quer dizer, descrente de poder aceder à paz na terra, já só sonho com a tranquilidade que o céu me possa trazer. Atormenta-me entretanto o receio de que o meu céu não passe de ilusão de moribundo perdido em terra inóspita.

Atravesso aquela hora em que todos os pensamentos me assaltam, menos aqueles que podiam dar-me força para rumar contra uma maré que parece sempre prenhe de desgraças, pequenas e grandes, e de incidentes que nos desgastam e nos esvaem as forças que restam.

Nesta hora nefasta, sonho com horas preenchidas por encontros, reencontros, retornos, alegrias de vidas simples, preenchidas por encontros, reencontros, retorno a lugares onde subsista espaço para o romance, para a simplicidade de vidas simples. Sonho...

Sobram-me  tempos de desapontamento enquanto me escasseia ocasião para o sonho das coisas simples, das pequenas realizações que são pequenas alegrias que nos aquecem a alma e rejuvenescem o corpo. Sobra-me o sonho fugaz de que voltes a ser o meu porto de abrigo, que queria que se tornasse realidade desta hora. Seria um começo.

 

 José Cadima 

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