quinta-feira, novembro 30, 2006

Fases da vida

Na vida há muitas fases;
tantas, que nem imaginamos
que irão acontecer.

Num dia pensamos
que a nossa felicidade dura para sempre;
no outro pensamos como nos afundámos
em tanta miséria.

Estamos condenados a sofrer
e a sorrir sem grandes razões.
Estamos condenados a viver
e a padecer de muitas ilusões.

José Pedro Cadima (2004)

terça-feira, novembro 28, 2006

És má!

És má, muito má
pois, quando estás triste,
mostras todo o teu
pesado sofrimento,
mas, quando estás feliz,
não és capaz de mostrar
a tua felicidade,
e compensar
quem te ajudou a conquistá-la
e, por isso, deveria merecer a tua gratidão.

José Pedro Cadima (2004)

segunda-feira, novembro 27, 2006

Passeio por arribas

Passeio nas bermas
das arribas,
a tentar não cair
num sítio onde não me apanhes.
Se cair,
quero que me agarres,
quero cair nos teus braços.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, novembro 26, 2006

A vida

Para alguns,
a vida é uma brincadeira
e deve ser vivida a brincar.
Mas neste jogo não há regras
e a brincar perde-se a vida.

Tanto se atrasa por brincar
que se perde o que se quer,
tal como eu perdi
e no coração senti
o ardor da dor.

Quem não perceber,
que não o tente,
pois estou arrependido
de o ter percebido.

José Pedro Cadima (2004)

sábado, novembro 25, 2006

Conhecer-me melhor

A sede de conhecimento
leva-me a tentar conhecer-me melhor.
Mas é sempre perigoso
entrar em sítios reservados,
que nem mesmo eu conheço,
isto é, penetrar nos meus ideais,
escrutinar as minhas ideias.

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, novembro 24, 2006

Minha Querida Helena

Depois de muita ansiedade, cedendo a um impulso, resolvi ligar-te. Procurava o conforto da tua voz, na dúvida sobre o desconforto das palavras que me dirigisses. Sinto-me reconfortado por esse gesto, pese embora as notícias de abandono que me veiculaste.
Permaneço na dúvida sobre se a tua desistência reiterada é fruto de um momento menos bom da vida (que todos temos, de quando em quando) ou a forma que encontraste de me penalizar. Nota porém que, a ser esta última a tua motivação, estás a admitir a força do laço afectivo que me prende a ti.
Gostei que tivesses admitido que me ligaste – para escutar a minha voz - disseste - se bem que pareça estranho que, querendo ouvir-me, tenhas desligado logo que atendi. Se me permites que o diga, acho isso mais auto-flagelação que qualquer outra coisa, mas talvez seja isso mesmo que pretendas. A tua recusa em cuidares da tua saúde, a tua insistência em descuidares o arranjo dos teus cabelos, o teu fecho para o mundo – que procuras activamente, embora depois, do nefasto que isso te é, reclames - vão nesse sentido.
Não precisavas ter-te posto incomunicável depois disso. Não precisas, aliás, recear denunciar a tua insegurança. Eu não receio fazê-lo. Antes, junto de ti a minha insegurança esvai-se. Tu és a minha segurança e a minha insegurança!
Amor meu, que posso eu fazer para te arrancar de novo um sorriso? Amor meu, que podemos nós fazer para que o sonho volte a ser possível?
Fala comigo, meu amor! Faz de mim o teu confidente, o teu refúgio, tanto quanto tu és o meu – quero dizer, tanto quanto eu preciso que voltes a ser o meu ... amor...

Braga, 9 de Julho de 2004


José Cadima

quinta-feira, novembro 23, 2006

O meu amor é...

O meu amor
é aquilo que faz arder o fogo,
é aquilo que molha o mar.
- Mas o fogo e o mar
não tinham já essas qualidades quando nasceste?
- Não. Eu desejo-te há muito mais tempo!

José Pedro Cadima (2005)

terça-feira, novembro 21, 2006

Amo-te tanto

Olha: não durmo à noite...
Passo o tempo a olhar para o tecto branco
e a pensar como te conquistar.
Sabias que te amo tanto que até as estátuas choram?
Sabias que te amo tanto que a torneira pinga água salgada?
Sabias? Claro que não sabias!

José Pedro Cadima (2005)

segunda-feira, novembro 20, 2006

O que chorei por ti

Preciso que me batas,
me batas com toda a força;
preciso que me faças sangrar.
Necessito que a dor me possua
para dar sentido
às lágrimas que por ti derramei.
Na minha alma
não há nada mais poético
que o teu nome,
nada mais amado
que o teu ser.

Doces são os momentos
que passo contigo.
Doces são as horas
que me vejo passar a teu lado.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, novembro 19, 2006

Estranho

Algo feliz para variar?
Nem pensar!
É... não é... não foi, foi, nunca aconteceu…
Não sei o que hei-de pensar...
Festejar? Lamentar?
Só sei que te quero.

É estranho
o que acontece entre nós.
Estranho... mas...
Viva o estranho e o absurdo,
pois são eles que me fazem feliz!

José Pedro Cadima (2005)

sábado, novembro 18, 2006

O tempo que passo sem ti

As horas passam,
o tempo voa,
e eu continuo aqui
sem amor,
sem ti.

Só no meu coração
te vejo,
te beijo
e te abraço.

José Pedro Cadima (2004)

quinta-feira, novembro 16, 2006

Não durmo

Olho-te.
Passo o tempo todo a olhar-te
e depois não durmo à noite.

Toco-te.
Passo o tempo todo a desejar tocar-te
e depois não durmo à noite.

Beijo-te.
Passo o tempo todo à procura de um beijo teu
e depois não durmo à noite.

O sono é tanto,
mas não me passa o sonho
que é poder amar-te.

José Pedro Cadima (2005)

quarta-feira, novembro 15, 2006

Liberdade

Quero que a morte me leve
para um lugar bem longe do céu.
Quero uma viagem breve
que me leve para um mundo só meu.

Quero que as chamas
da liberdade se acendam,
num festim coberto de lendas
daqueles que ainda são livres.

Quero ser,
e não apenas existir.
Quero viver
e não apenas sorrir!

José Pedro Cadima (2005)

terça-feira, novembro 14, 2006

Na idade dos porquês

Estou outra vez
em mutação,
quer dizer, na idade dos porquês;
se bem que pareça questionar-me em vão.

Não acho resposta para nenhuma pergunta
que coloco a mim.
Sabes: as folhas no Outono? Eu sinto-me assim!
Nada resulta!

As perguntas ficam por responder
e eu sinto medo das respostas procurar.
Só me apetece esconder…
… e chorar.

José Pedro Cadima (2005)

segunda-feira, novembro 13, 2006

Lua

De uma noite escura,
de um céu repleto de nuvens
nasceu um luar
tão grande, tão belo e feroz
que as nuvens mandou afastar.

Ai lua, que teu brilho
é tão bonito
que jamais poderá ser representado
por algo dito ou escrito.

É como o sorriso
que sai de um choro.
É como o beijo
de um qualquer namoro.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, novembro 12, 2006

A carícia

Ele e ela encontravam-se no mesmo quarto: o quarto dela. Ela tinha-o convidado para ir lá a casa ver onde passava grande parte da sua vida; onde ela se escondia, onde ela se refugiava e, assim, ficava em grande medida protegida de tudo que se passava lá fora.
Eles eram velhos conhecidos. Tinham andado nas mesmas escolas e, mais tarde, integrado a mesma turma. De facto, estiveram até sentados apenas a uns metros um do outro por um certo número de anos e, mesmo vendo-se todos os dias, não trocavam palavras. Certo dia aconteceu trocarem; aconteceu verem que estavam diferentes e que precisavam de alguém com quem conversar. Nessa ocasião, acabaram por conversar, brevemente. Ficaram amigos, até.
A amizade é uma daquelas coisas que não se pode definir com explicações simples. É um gesto de carinho para quem gostamos ou simpatizamos. É o convívio diário. É o acto de apoiar; é sentir falta de alguém; é fazer alguém rir-se, divertir-se, até. Eles tinham isso tudo. Até tinham mais, se calhar, amor.
Eles tinham-se amado. Tinham mostrado esse amor mas, depois, ficou tudo mais complicado e a relação desfez-se. Agora tentavam ser amigos, apenas. De certa maneira, ainda se amavam, mas tinha sido tão difícil chegar ao ponto a que chegaram que havia neles também o medo de que tudo voltasse a repetir-se.
Coitados, forçados a rejeitar o que sentiam, em vez de serem rejeitados um pelo outro. Dá-se valor aos sacrifícios das pessoas. Devia, talvez, dar-se mais valor a estas ... Ou, talvez, devêssemos aprender a dar valor a toda a gente. Mas parece impossível. Talvez o seja mesmo.
Ambos sabiam que era complicado aquele encontro. Ambos sabiam que ia ser um momento. Mas fingiram-se desentendidos do que realmente queriam. Vi-os até fechar a caixinha de desejos para se sentarem e conversarem apenas como coitados.
- E este é o meu quarto…
- É maior que o meu…
- Tem um ar confortável…
- Pois é, vieste quando eu estava quase a adormecer. Estou cheia de sono.
- Tu é que me mandaste vir aqui ter.
- Pois foi… Vou dormir! – deitou-se e sorriu.
Como ela é bela; como é espantosa. Pudesse uma deusa vê-la deitar-se e sentiria tanta inveja que a amaldiçoaria.
Ele olhou-a. Desfez-se em amor. Para além do que sentia agora, relembrou-se do que tinha sentido anteriormente; não nestes dias, mas na altura em que lho declarava abertamente. O pobre pasmava, parecia hipnotizado. “Diz-lhe o que sentes” - gritava eu aos seus ouvidos. Mas parecia não querer ouvir. Aproximou-se dela, encostou-se a ela, beijou-lhe o pescoço, deixou-se cair encostado a ela, abraçando-a, sentindo-a, como já tinha feito antes de lhe declarar o amor, mesmo que ela já o soubesse. “Não o queres?” - perguntava-lhe a ela, que nunca parecia responder aos seus apelos carinhosos.
De repente, sem dar aviso, ela circundou-o com seus braços e apertou-o contra si. Pensei estar a assistir ao retorno do amor deles. Não estava. Ela virou-se ao de leve para ele e ele para ela, parcialmente; noutra parte, ficou virado para o tecto, vendo e sonhando com as estrelas que lá estavam coladas. Rezava para que uma caísse e, ao ver a sua estrela cadente, pedir-lhe, talvez, que lhe atendesse um desejo ou, melhor: o desejo.
Ele acariciava-a. Ela fingia-se calma, serena da sua decisão de apenas serem amigos; fingia concordar que tudo aquilo seria o melhor. Ele mexia-lhe no cabelo, fazia-lhe como que festas, beijava-lhe o pescoço e o cabelo, admirava-a. Eu gritava ao ouvido de ambos. A ele dizia: “vais ter medo de avançar? Vais ter medo de lhe mostrar o que sentes?”. A ela aconselhava: “serás mais feliz se o tentares do que se ficares com medo”. Não valia a pena. Nenhum se mexia; nenhum avançava. Sentia-me inútil, confontado com o que estava a acontecer. “Sente o desejo” - murmurava, por fim, ao ouvido de cada um deles.
Ela levantou-se. Deu uma pequena volta pelo quarto; balbucionou algumas palavras, que não percebi. Há demasiado tensão naquele quarto. Os meus sentidos estão distorcidos e baralhados. Por isso, não percebo as palavras que me chegam, e não lhes dou importância.
Ele, depois de se ter inclinado um pouco para a ver e seguir atentamente a conversa dela, deitou-se e ficou de novo a pedir algo às estrelas. Ela deitou-se de novo na cama e pôs a cabeça sobre o seu peito. Riu-se de algo que ele disse, algo pensado, porque se saísse tudo o que ele queria dizer não teria saído um sorriso mas sim um choro, dos dois.
Ele tocou-a; acariciou-a levemente. Sentiu amá-la intensamente, porque amar nunca é demais. Concentrou-se em senti-la; pareceu-lhe não haver outro prazer assim. “Vai em frente rapaz. Tens que lutar…”. Ela levantou-se novamente. Queria mostrar-lhe algo; algo não sentimental, apenas uma futilidade material. Ele interessou-se apenas por ela se interessar. Para ele passou a ser uma das coisas mais importantes de todo o universo, apesar de ser a ela que ele queria e não ao objecto. “Mostra-lhe o que tens dentro de ti.” – implorei-lhe.
Voltaram para a cama. Deitou-se ele, e ela a seu lado. Deitou-se de costas para cima e ele acarinhou a sua espinha e, devagar, desceu, meteu as mãos por dentro da camisola e foi acariciando as suas costas. Quando ela se virou de costas para ele e, também, a ele se encostou, suas mãos acariciaram sua anca e sua barriga.
O toque, o simples toque estava a remexê-lo por dentro. A sua barriga sentia cócegas, como se borboletas o roçassem. O seu corpo sentia arrepios ao tocar-lhe. Ela era uma doença para ele. As voltas da barriga, os apertos no peito, tal como quando algo estava mal, as tonturas de quando estava confuso, era o que experimentava naquela altura. O toque, o simples toque estava a fazê-lo mais feliz do que algum dia tinham feito os seus beijos.
A felicidade pode ou não derivar do amor. Ele não assistia à felicidade, apenas se sentia bem; sentia-se meio feliz mas, quando o momento acabasse, não o seria mais. Sentiria vontade de ter feito mais, de ter ido mais longe. “Avança, senão vais arrepender-te” - gritei-lhe, a ele, que já tinha ido tão longe.
Ela deixava-se estar, deixava-o acarinhá-la, deixava-o mostrar o seu amor, não por palavras ou declarações, mas apenas pelo simples toque. De certa forma, até parecia que ela estava a ser cobarde ou, mesmo, que ela o estava a gozar; deixava-o ir tão longe e, agora, não fazia nada; não parecia querer que fizesse.
“Age… por favor” - implorei-lhe. Ela tinha que agir…“Rapaz, filho, irmão, Romeu, seja qual for o título que te der, vais finalmente actuar? Vais dizer-lhe que a amas? Ou só a vais continuar a amar, em silêncio?”. “ Rapariga, moça, deusa de Romeu, Julieta…, vais algum dia voltar para os braços de teu Romeu? Vais sujeitá-lo a amar-te tanto sem lho dizer? Ele bem to mostra mas tu não queres ver. E tens medo de ouvir… Saboreia-o, pelo menos, que na tua vida poucas vezes irás ter quem te dedique tanto amor.”

José Pedro Cadima (2006)

sábado, novembro 11, 2006

O Decreto

Um cabelo liso e brilhante
no cimo de minha secretária.
É, certamente, de minha amante,
minha face contrária.
Teu cabelo, meu amor,
é mais que loiro ou preto;
é algo que funciona como um decreto:

“Não me amarás;
não me beijarás;
não me tocarás;
nem sequer me verás!”

Mas o teu cabelo, como tudo o que é teu,
invoca amor, invoca paixão.
É como um drama, cheio de emoção:
tu és Julieta; eu sou Romeu!

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, novembro 10, 2006

Diz-me que choro melhor

Diz-me que escrevo bem.
Diz-me que sou o melhor.
Chama a Camões e Torga amadores.
Faz isso por mim.
Faz de mim o teu herói.

Diz-me que choro bem.
Diz-me que sou o melhor.
Sempre que alguém chora,
chama-lhe amador.

Diz-me que choro,
que escrevo,
que abraço,
que amo,
que me lamento
melhor que toda a gente.
Diz-me que sou alguém!

José Pedro Cadima (2005)

quarta-feira, novembro 08, 2006

Até à maldita curva

Desci para me despedir. Cheguei contigo à rua e olhei-te. Ias-te embora; ias para longe de mim. Os meus braços circundaram-te e puxaram-te para mim. A minha cabeça inclinou-se e meus lábios foram ao encontro aos teus. Belo este momento; bela a despedida.
Acreditamos que apenas na morte temos milhões de momentos da nossa vida a passar à nossa frente. Acreditamos, realmente, que isso acontece quando morremos? Poderá ser apenas um aproximar da morte que depois negamos… Será? Será que cada momento que vemos nessa hora é mais um momento que iremos reviver? Ou morre de facto uma parte da nossa vida? Uma parte nós? Se morremos… Quantas vezes se pode morrer numa vida?
Se morri, não era a primeira vez, já me tinham passado inúmeras imagens pela frente em questão de segundos em múltiplas outras ocasiões. Já me tinham passado tantas que até desacreditava que fossem minhas e, em razão dessa repetição, começava a acreditar, até, que a vida era nada mais nada menos que uma repetição por ciclos, isto é, que tudo, tudo voltava a acontecer, e a cada ciclo juntava-se algo novo.
Morri uma primeira vez num momento em que te vi com outro da mesma espécie; com o mesmo olhar; com o mesmo sexo que o meu, mas que não era eu. Vi cada momento que te tinha cortejado, cada um mais infinitamente pequeno que o outro, cada um mais infinitamente inacreditável. Até com o meu respirar eu te parecia cortejar.
Morri uma segunda quando soube, pelas tuas próprias palavras, que, um dia, tiveste a coragem de te entregar não a mim mas a outro. Nessa ocasião, passaram à minha frente milhares de milhões de porquês, milhares de milhões de lamentações, milhares e milhões de choros meus.
Morri cada vez que me rejeitaste, cada vez que o teu olhar me reprovou, cada vez que me viraste as costas e, sem perceberes que, apesar de tudo isso, te amava, fugiste. Passaram biliões de imagens, triliões de momentos, quatriliões de ideias que foram minhas, tantas que nelas me reconheci.
Agora, voltava para trás. Tu seguias em frente, determinada em ir para longe. Sei que não era pelo desejo de te veres livre de mim. Tinhas algo a fazer, mas teria que ser hoje? Teria que ser no momento que eu estava mais embalado no amor? Pois parecia que sim. Teria que me embalar no amor que deixei hoje, a chorar por mais, noutra altura.
Fechei o portão atrás de mim e enquanto tu te distanciavas eu decidi parar e encostar-me ao portão. Ainda te via. Foi essa a última vez que me senti morrer. As imagens começaram a passar, sentia-te minha mais do que tudo, sentia-te tanto. As imagens eram de nós os dois, abraçados, aos beijos, a trocar um monte de carícias. E se já tinha tido momentos destes, momentos em que vejo muitas imagens, em que relembro muitos momentos, este tinha ultrapassado todos e duplicava, triplicava, quadruplicava, todo esse número de momentos que tinha visto da última vez.
Os teus beijos eram sinceros, os teus olhos fechavam-se, a tua boca abria-se lentamente, a tua língua molhava os meus lábios, os teus braços agarravam o meu cabelo. Eu, eu limitava-me a imitar, a tentar ser tão sincero quanto tu, apenas porque acreditava que, se os teus beijos eram tão bons por serem sinceros, então eu seria mais sincero ainda por retribuir todo o carinho que recebia.
O teu corpo era como um altar, aquele local belo a que todos desejariam chegar. Vejo momentos em que lhe chego, sinto-os até. Empurro mais o portão para trás. Ele não mexe. Já está fechado. Vejo-te ao longe, a distanciares-te ainda mais. Na verdade, estarás apenas a alguns passos de distância. Eu é que sinto, vejo, saboreio, oiço, tudo tão rápido que parece que passou tanto tempo.
Se a morte é ver todas os momentos da nossa vida a passar à nossa frente, então o que é o ouvir cada momento? O saborear, o sentir…. Atrever-me-ia, talvez, a pensar que estaria a renascer. Atrever-me-ia, ainda, a admitir que nem Cristo sentiu tanto ao renascer.
Que sentia eu? Que via eu? Que saboreava eu? Que tocava eu? Porque sim, eu tocava, eu parecia tocar-te, eu pedia que me deixasses tocar-te. Era o relembrar integral de cada momento da minha vida, de cada momento em que a partilhei contigo.
Empurrava o portão, ele parecia ganhar vida e responder na mesma moeda. Parecia mais forte e resistente do que o costume. Eu fazia mais força e com mais força parecia ele resistir. Tu? Tu ias-te afastando, ao de leve, com um pé à frente do outro, a mexeres-te exactamente como uma rapariga se deve mexer, mas de uma maneira que fazia com que tu fosses a única que realmente eu apreciava ver. Afastavas-te com determinação e eu, encostado ao portão, ainda só tinha visto metade das imagens, saboreado metade dos momentos, ouvido metade das palavras.
A rua era longa, o teu percurso ainda era grande, mas não maior do que a quantidade de imagens que eu tinha pela frente. Quem me visse, diria coisas perversas sobre mim pela forma como te olhava ou faria pior: dar-me-ia como apaixonado o suficiente para cometer loucura. Todos ficariam com a ideia que te observava, que te contemplava; e talvez até o fizesse, mas era nos momentos em que a minha cabeça relembrava e não neste em que te via ir embora. Relembrar não. Reviver, porque quando algo é tão intenso uma lembrança passa a ser uma vida.
A razão pela qual podemos morrer tantas vezes é porque revivemos tanto que, aos poucos, alguns sentidos, de alguma vida, acabam por morrer, e assim morre uma vida para nos deixar com aquela que realmente temos. Porque é feio chorar por algo que já não faz sentido. Porque é horrível lamentarmo-nos por momentos já substituídos. Porque, depois de muita asneira, depois de muitos erros, acabamos por crescer e ser algo mais que a vida que temos.
É certo que neste momento passo de novo as cenas em reflexão. É verdade que em muitos momentos não soube amar-te. Mais verídico é ainda que, mesmo naquelas ocasiões em que soube, sinto que podia ter feito mais e podia, a cada momento que revivo, esforçar-me mais. Aliás, de cada vez vou mais além daquilo que fui da última e, mesmo que não o notes, eu sei que aquele beijo, aquele toque, foi mais verdadeiro…
Estás a três passos de me fazer perder-te de vista. Três passos de realmente estares longe de mim. Sinto o sabor dos teus lábios, começo a sentir a palavra “finalmente” e vejo-me encostado a ti a dar-te aquele beijo de, mais do que tudo, saudade…
Dois passos… As cenas passam tão rápido que não as consigo acompanhar. Sinto-me numa orgia de sentimentos, visões, palavras. Os meus lábios distanciam-se dos teus trazendo um sorriso. Dizes que te vais embora. Amuo; faço-te a vontade; dou-te outro beijo.
Último passo… Desci para me despedir. Cheguei contigo à rua e olhei-te. Ias-te embora, ias para longe de mim. Os meus braços circundaram-te e puxaram-te para mim. A minha cabeça inclinou-se e meus lábios foram ao encontro dos teus. Belo este momento, bela a despedida.
Morri. Renasci. Completei mais um ciclo.
Desapareceste da minha vista naquela maldita curva.

José Pedro Cadima (2006)

Algo que só tu sabes

Quando estamos juntos,
sinto que dançamos,
sinto algo no ar,
sinto que algo nos junta.

Quando estamos juntos,
sinto algo que me faz assim,
algo que te faz assim,
algo que...
Sinto algo que só tu sabes.

José Pedro Cadima (2005)

Minha Querida Helena

Não encontrando outra forma de comunicar contigo, virei-me para a escrita desta carta. No desespero da tua ausência, a possibilidade de te ter ao telefone converteu-se para mim num refúgio seguro, por mais efémero e etéreo que se ofereça. Quando mesmo isso me escapa, resta-me esta pobre consolação do desabafo, na incerteza de alguma vez ser lido.

Dirás tu que tudo podia ser diferente. Digo eu que sim, se soubéramos conviver na sociabilidade quotidiana da mesma forma que convivem os nossos olhos, as nossas mãos entrelaçadas... Se soubéramos estar, digo, para além das amarras que a vida nos tece, chamem-se elas filhos, parentes, colegas ou conveniências e convenções.

E o amor? Questionarás tu. Minha querida, o amor é a componente mais frágil da relação humana dos nossos tempos. Tão frágil que nos faz definhar em cada dia que não estamos juntos – e cada vez são mais dias - mas não sensibiliza os que assistem ao nosso esgotamento.

Quisera estar contigo. Quisera alcançar a paz que a tua voz me trás. Quisera... Meu amor! Meu amor.


Braga, 24 de Junho de 2004


José Cadima

segunda-feira, novembro 06, 2006

Estranho

Estranho ser assim contigo.
Estranho seres assim comigo.
Estranho, muito estranho
sermos assim um
para o outro,
como estranhos que somos.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, novembro 05, 2006

Um sitio distante de mim

Desejaria partir
em busca de isolamento
num lugar bem longe daqui,
num sitio distante de mim,
onde pudesse encontrar
resposta para tudo,
no relativismo absoluto
dos teus e dos meus sentimentos.

Nem em tudo eu meto sentimentos.
Eles é que se metem em mim!
Queria encontrar resposta para problema assim.

José Pedro Cadima (2005)

sábado, novembro 04, 2006

Amputo os sonhos

Amputo os sonhos
e com eles toda a imaginação;
paro de ser criador,
passo a ser criação.
E procurando por eles,
não os acho;
o carrasco já levou
todos os meus sonhos.

Maldita guilhotina esta
que é crescer.
No fim de tudo,
amputa os nossos sonhos,
faz-nos sofrer!

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, novembro 03, 2006

Meu peixe...

As aventuras são uma monotonia.
Só as tem quem não as queria!
Em parte, estão já despedaçadas as imagens
de meu último momento heróico:
subi montanhas, saltei vales,
nadei com piranhas e outros males.
Um peixe quase me comeu!
Era grande, era forte, era meu!
A minha vontade de amar,
até os ossos me roeu.
Nem bocado quis deixar…

José Pedro Cadima (2005)

quinta-feira, novembro 02, 2006

Que nos resta?

Por vezes, mais do que as que gostaria, vejo tudo perdido. Visualizo, ainda que na minha cabeça, cenas de destruição, a destruição do que me é mais querido: a nossa relação.
Se nos zangarmos, se um de nós vir algo no outro que lhe seja tão perturbador que derrube toda a “nossa” magia, que nos restará?
Restar-nos-á aquela flor que um dia te ofereci, que nela levou alguma da minha devoção, uma prova de que a nossa magia seria eterna. Mas a verdade é que nada é eterno. A flor murchou e com ela murchou uma parte da minha devoção. Não é que me não me devote; é só que que fica a faltar uma razão.
Poderá, então, restar-nos aquele poema que um dia te escrevi, e que chorei e sorri ao escrevê-lo. Pela minha parte, talvez nunca nada tinha sido feito com tanta entrega, nunca nada teria sido feito para durar tanto tempo. O poema até inteiro está e aposto que repousa. Mas mais nada faz a não ser repousar. Será que te lembras dele, sequer? Será que ainda te diz alguma coisa? Que nos resta?

Nossos beijos são quentes. As línguas entrelaçam-se tal qual o sentimento que temos um pelo outro, chegando ao pontos até de se ser só um, o único e o mesmo. A gentileza dos nossos toques chega até a transmitir preocupação pelo bem-estar do nosso único ser. Se algo nos separasse; se a saliva secasse e nossas línguas não se pudessem unir; se algo nos provocasse o contrário da preocupação e todo o contacto fosse inexistente; que nos restaria?

Hoje algo correu mal e a magia não apareceu para nos salvar. Eu disse uma frase. Tu disseste duas. Eu tive que dizer mais uma para igualar-te, e de ti saíram tantas que lhe perdi a conta. Viraste-me as costas. Eu caí sobre os meus joelhos. Correste para longe; não vi para onde foste. Encostei a cabeça baixa aos meus joelhos e chorei. Sei que foste em busca de refúgio para chorares. Que nos resta?
Restam-nos os nossos corações, mas já partidos.

José Pedro Cadima (2006)

quarta-feira, novembro 01, 2006

Não sou o teu amor

Odeio-me!
Não sou o ser magnífico
que procuras.

Odeio-me!
Não sou o sonho
que buscas!

Odeio-me,
por não me amares.

José Pedro Cadima (2005)