sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Raiva

Raiva, tormento, desesperança.
Tudo isto me corre nas veias,
empurrando para que me mova
mas não me dando vida.
O meu amor esbraceja
para que não se afogue
nesta maré de sentimentos malditos.

Quanta raiva me alimenta.
Quisera que fosse bonança.
Desespero por que chegue maré baixa
ou alta, se for para consolar meu coração
em desespêro.

José Cadima

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Ao longe, o rio

Ao longe, o rio.
Tantas memórias;
tantos cravos.
Saudades…
Saudades só de ti,
dos teus voos rasantes,
das tuas aproximações picadas.

Ao longe, o rio,
referência viva de um tempo
em que as flores tinham cores vivas,
em que o nosso amor era só promessa
não sonhada.
Saudades…
Saudades só de ti, minha querida Helena.

Ao longe, ...

José Cadima

domingo, fevereiro 24, 2008

Escrito no preto

Escrito no preto
para que se não veja;
escrito no preto
para que se não perceba;
escrito no preto por mim;
escrito no preto para ti;
escrito no preto
por coerência com o estado de espírito
que me assiste;
escrito no preto
para que nunca te chegue.
Amanhã o dia há-de nascer cheio de luz.
Amanhã o preto será cor do arco-íris.

José Pedro Cadima

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

“As meias e as pernas – III”

“Posto que a hora do regresso se aproxima, é oportuno pôr termo à presente crónica e, posto que falo das escadas da Praça de Espanha, não será despropositado que deixe aqui o ponto de vista que as escadas do Bom Jesus, em Braga, são bem mais bonitas que as ditas escadas romanas. Têm contra si, obviamente, a circunstância de serem em Braga e não servirem de palco à exibição de modelos e de pernas ou de, pelo menos, as pernas que as pisam serem muito menos celebradas.
Assistindo pela televisão às passagens de modelos transmitidas a partir da romana Praça de Espanha, tem-se a oportunidade, como em poucas outras ocasiões, de perceber como a televisão molda as imagens e o mundo: francamente, só na televisão as celebradas escadas se sugerem tão luminosas e douradas. Descontando esse efeito, a única coisa dourada que resta são mesmo os modelos: a Naomi, a Claudinha, a Sharon,…”

J. C.

(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/10/18, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Estranho

Estranho ser assim contigo.
Estranho seres assim comigo.
Estranho, muito estranho
sermos assim um com o outro,
como estranhos que somos,
embora talvez já o devêssemos ser menos.

José Pedro Cadima

domingo, fevereiro 17, 2008

“As meias e as pernas - II”

“Por incómodo que seja dirigir-me aos meus leitores de uma gare de um aeroporto, reconheço-lhe também vantagens, a menor das quais não será o exotismo da paisagem humana que vai circulando nos corredores. Admito, no entanto, que, desse ponto de vista, uma rua de Londres ou as celebradas escadas da Praça de Espanha, em Roma, podem ser mais exaltantes.
Perdoar-me-ão os meus leitores que dessa paisagem humana retenha sobretudo a componente feminina, mas há coisas que são mais poderosas que nós, quer dizer, que a componente consciente assumida das nossas vidas. Para além disso, que graça podem ter as meias (as meias e as pernas) de um escocês em trânsito? Olhando quem passa, acontece-me amiúde recordar outras mulheres, nomeadamente a(s) da minha própria vida, como se usa dizer; lembrar e sentir saudades. Talvez por isso não goste de partir sozinho; se bem que algumas vezes saia alimentado pela vontade de voltar a ganhar o espaço que me falta, e o desejo e entusiasmo que esmoreceram. Alguém terá escrito que são insondáveis os desígnios do homem. Nestes particulares momentos, só posso expressar o meu total acordo, se bem que noutras ocasiões me pareçam bastante mais sondáveis: concretamente, quando há mulheres interessantes por perto.”


J. C.

(reprodução parcial de texto do autor identificado, publicado no jornal Notícias do Minho, em 96/10/18, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Querer e não ter

Eu não tenho que querer seja o for,
a não ser aquilo que resultar do meu esforço
e querer,
nem tu, nem ninguém!
Pois tudo querermos,
desde a nossa felicidade
ao sofrimento dos outros,
torna-nos mesquinhos e infelizes.

Somos maus ou julgamo-nos bons.
Num e noutro casos,
só é certa uma frustração sem termo.

José Pedro Cadima

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Minha Querida Helena

Vagueio pela minha memória, revejo imagens e sensações arquivadas e não compreendo: não entendo como foi possível desaguarmos neste mar de ninguém; escapa-me o sentido de um abandono à beira da praia. Acredito que haja uma explicação. Sou consciente que nadar em mar revolto é desgastante e que muitos não lhe resistem. Mas soçobrar à vista da praia?! Não o compreendo, mas o certo é que aconteceu.
Neste entretanto, questiono-me: e se por acaso, por mero acaso, um destes dias eu me cruzar numa qualquer rua com a minha Helena de Tróia, como vou eu ser capaz de conter as emoções, especialmente aquelas que não sei antecipar hoje? Serei porventura capaz de aguentar firme mesmo sabendo Tróia condenada e com ela tantos sonhos que alimentei. E como será Tróia sem a minha Helena, acaso a fortaleza possa algum dia ser reconstruída? Para já, recuso-me a admitir que Tróia possa existir sem a minha Helena. Se num hipotético futuro poderá ser diferente, não sei dizer. Permito-me duvidar, no entanto.
As Helenas são uma dimensão vital de mim. Sem elas, caminho sem destino. O tamanho do amor que dediquei a cada uma que o destino, o vento ou qualquer força que não sei entender colocou no meu trajecto só é comparável ao vazio imenso que a sua perda me traz. E uma após outra desaparecem como emergiram: subitamente, levadas pelo vento, pelo destino ou por qualquer força obscura de que só sei que mas rouba para deixar no seu lugar um imenso vazio. Como eu as amei!
Numa certa acepção, descansa-me sentir o aproximar do fim do trajecto. Pelo menos sei que não haverá mais Helena alguma a dar-me num dia o que me vai tirar no dia seguinte, deixando ao meu redor e, sobretudo, dentro de mim um enorme vazio. Nessa medida, sinto maior tranquilidade que a que experimentei em situações transatas, mesmo sendo tão grande quanto qualquer outro que já experimentei este vazio que deixaste em mim.

Braga, 3 de Setembro de 2004

José Cadima

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Obviamente que sofri

Quando olho para ti,
lembro-me do que senti
da primeira vez que nos cruzámos,
lembro-me da intensidade dos nossos olhares.

Lembro-me, depois, do sentimento de perda
quando partiste,
sem horizonte de retorno.
Sofri, obviamente que sofri
mas estava longe de imaginar
o sofrimento que nos trouxe o reecontro.

Lembro-me de tudo
e, pese isso embora, anseio o teu retorno
de modo cada vez mais intenso.
Sofri, obviamente que sofri
mas mais penoso é passar sem ti.

José Cadima

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Dá-me algo!

Dá-me algo que amar.
Dá-me o teu corpo
e, com ele, a tua alma.
Dá-me algo que vá ao encontro
da minha ânsia profunda,
algo que possamos partilhar.
Dá-me algo!

José Pedro Cadima

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Minha Querida Helena

Temerosamente, digitei o teu número. Respondeste-me questionando porque não te tinha ligado antes. O meu coração estremeceu de alegria, embora, crendo não te ter ouvido bem, a tenha silenciado. Fiquei na expectativa doutros sinais. Perguntaste-me porque não toquei à tua companhia, quando, deambulando, acabei por me achar ontem em Viseu, visitando a feira do livro. Acreditei então ter-te entendido bem.
Disseste-me, também, que tinhas estado a arrumar os teus papéis e a casa. Pretendi ver nisso um sinal de retorno à vida, um indício de que posso ter esperança de ver novamente balouçar-te nos lábios um sorriso. Desejaria antes uma gargalhada mas um sorriso é sempre um sorriso ... meu amor.
Envolvido nos meus pensamentos, de coração aliviado, interrogo-me sobre se o que percebi em ti será um momento de acalmia ou o emergir de um novo ciclo. Desejaria que as nuvens tivessem descarregado tudo quanto houvessem que largar e o azul do céu se afirmasse com todo o brilho próprio desta Europa do sul. Assiste-me a esperança de que retomes a rua, os livros, os teus poemas, a força que ousavas pôr nas tuas atitudes e convicções. Se, nesse frémito de vida, quiseres buscar repouso nos meus braços tanto melhor para mim mas importante, importante mesmo é ter-te de regresso à luta.
Li no jornal de hoje as desventuras de um país à espera de ter Governo e as acrimónias dos que, na sua segurança, não perdoam a insegurança do Presidente da República e, mais do que a insegurança, a generosidade posta por ele na sua decisão de entregar a formação do governo a um macaqueador da política. Não tenho a este propósito a segurança dos que aqui invoco e, tenho, por contrapartida, grande consideração pelos que conseguem pôr bondade onde a maioria põe interesses, hipocrisia, mesquinhez. Vou ficar a aguardar. Vou esperar pelo que dá este macaquear da política americana no melhor estilo reaganiano. A necessidade de eleições parece-me também a mim certa, mas lá para a primavera do próximo ano. Até lá, vou ficar na expectativa (desejara que fora a expectativa de termos um governo e um projecto económico para Portugal mas, por esses, vamos ter que aguardar muito mais).
Li o jornal embora o meu pensamento estivesse centrado em ti, nesta esperança de um sorriso teu, meu amor.

Braga, 11 de Julho de 2004


José Cadima