sábado, fevereiro 08, 2025

Minha Querida Helena (61)

Minha Querida Helena,

Tal como a economia, também a minha vida parece desenvolver-se em ciclos, isto é, há ocasiões em que uma desgraça só anuncia a desgraça que lhe sucede. No próprio dia de anos, apesar de me ter refugiado no estúdio logo a seguir ao almoço, não me libertei de receber a notícia que o João Miguel tinha tido negativa a História, atirada assim como quem só quer dar uma prenda a alguém; neste caso, eu, que fazia anos e, na boa tradição nacional, merecia uma prenda. Em Portugal, não se faz anos em vão: há sempre uma prenda para receber, mesmo que nos refugiemos longe de todos o dia de anos inteiro.

Do dia anterior, e de outros antes desse, sobrava-me a memória das tuas palavras magoadas, comigo e com os outros (nalguma medida, o mundo inteiro), e a tua atitude de desistência, que a mim me soa a condenação por culpas que tenho mas que, conscientemente, recuso que sejam só minhas e não minhas e tuas. A mágoa que daí me vem assistiu-me o dia todo e, presumivelmente, acompanhar-me-á por muitos mais. Pior é, no entanto, sentir que não está ao meu alcance provocar o abanão que te agite, te desperte e afaste para sempre esse torpor que te colhe  e te arrasta para um território de ninguém e, desse jeito, me arrasta contigo para o desencanto, o território em que uma desgraça só pode anunciar que uma outra desgraça se anuncia.

Escrevo estas letras enquanto me interrogo como me vais responder quando, daqui a alguns minutos, te telefonar: surpreender-me-ás com a prenda de uma palavra(um gesto) positiva(o) ou, pelo contrário, limitar-te-ás a confirmar que, em fase negativa de ciclo, uma má notícia que me chega só anuncia que outra está a caminho?  Ou, simplesmente, não chegarás a atender, confirmando com esse gesto toda a apreensão que me acompanhou ao longo do dia, qual amarga prenda de anos?

Talvez não. Talvez, num gesto de carinho, decidas pôr um sorriso e presentear-me com ele neste dia de anos que não fiz questão de lembrar a ninguém e, por isso, me refugiei aqui tão cedo quanto as obrigações de agenda mo permitiram. Daqui a pouco o saberei.


José Cadima

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