Minha Querida Helena,
Tal como a economia, também a
minha vida parece desenvolver-se em ciclos, isto é, há ocasiões em que uma
desgraça só anuncia a desgraça que lhe sucede. No próprio dia de anos, apesar
de me ter refugiado no estúdio logo a seguir ao almoço, não me libertei de
receber a notícia que o João Miguel tinha tido negativa a História, atirada
assim como quem só quer dar uma prenda a alguém; neste caso, eu, que fazia anos
e, na boa tradição nacional, merecia uma prenda. Em Portugal, não se faz anos
em vão: há sempre uma prenda para receber, mesmo que nos refugiemos longe de
todos o dia de anos inteiro.
Do dia anterior, e de outros
antes desse, sobrava-me a memória das tuas palavras magoadas, comigo e com os
outros (nalguma medida, o mundo inteiro), e a tua atitude de desistência, que a
mim me soa a condenação por culpas que tenho mas que, conscientemente, recuso
que sejam só minhas e não minhas e tuas. A mágoa que daí me vem assistiu-me o
dia todo e, presumivelmente, acompanhar-me-á por muitos mais. Pior é, no
entanto, sentir que não está ao meu alcance provocar o abanão que te agite, te
desperte e afaste para sempre esse torpor que te colhe e te arrasta para um território de ninguém e,
desse jeito, me arrasta contigo para o desencanto, o território em que uma
desgraça só pode anunciar que uma outra desgraça se anuncia.
Escrevo estas letras enquanto
me interrogo como me vais responder quando, daqui a alguns minutos, te
telefonar: surpreender-me-ás com a prenda de uma palavra(um gesto) positiva(o)
ou, pelo contrário, limitar-te-ás a confirmar que, em fase negativa de ciclo,
uma má notícia que me chega só anuncia que outra está a caminho? Ou, simplesmente, não chegarás a atender,
confirmando com esse gesto toda a apreensão que me acompanhou ao longo do dia,
qual amarga prenda de anos?
Talvez não. Talvez, num gesto
de carinho, decidas pôr um sorriso e presentear-me com ele neste dia de anos
que não fiz questão de lembrar a ninguém e, por isso, me refugiei aqui tão cedo
quanto as obrigações de agenda mo permitiram. Daqui a pouco o saberei.
José Cadima
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