quinta-feira, junho 28, 2012

Sight* (2)

A evolução é um processo de tentativa e erro. Visa a perfeição e é construída tentando contornar defeitos e passos errados múltiplos que se vão dando, continuadamente. É nesse princípio que busco inspiração para o meu crescimento, ensaiando dar passos em frente, aceitando, mal, os passos atrás.

Esta aprendizagem tem momentos penosos, assaz penosos. É o custo da aproximação ao transcendente, que não é já ali, tanto quanto desejava que fosse.
Vou no bom caminho, acredito. Hei-de lá chegar. Vale-me a crença! 

José Pedro Cadima

segunda-feira, junho 25, 2012

Ser perfeito (2)

Ai, meu bom amigo, que nem a tua presença me faz sentir melhor. É como se fosse mau ter emoções. Se não sentisse nada, seria Deus na terra.
Nesse passo para ser Deus, a minha sabedoria é já quase infinita, e as minhas considerações sempre justas.
Neste entretanto, pena tenho eu de não ser perfeito, o que torna isto de viver um grande desafio. Resta-me a consolação de estar no bom caminho.


José Pedro Cadima 

domingo, junho 17, 2012

Distante

Distante, dizes tu.
Distante, concordo eu,
submergido num mar de luz,
abafado por um calor tórrido,
confrontado com uma paisagem
que me desloca para referências tropicais.
Distante, como oportunidade de fuga,
como exigência de auto-regeneração.

Custou-me a tua ausência.
Faltou-me a dimensão encontro,
que não se opõe à dimensão retiro.
Mau teria sido não aproveitar a ocasião.
O quotidiano, se traz conforto,
traz também desgaste,
muito desgaste, tantas vezes.
Por isso, a fuga
se pode configurar tamanhamente regeneradora
de um corpo cansado, de uma mente exausta.
Distantes de nós, estamos nós tantas vezes
quando o escape não é possível.

A coragem, a ousadia de romper
não são indolores.
Ficar, deixar correr
não é garantia de conforto.
Ficar e partir são, assim, pratos de balança
de um equilíbrio precário e difícil de conseguir.
Se ontem estava fora,
hoje estou de regresso.
Vamos celebrar esse regresso!
A distância é um dado de ontem.
A fuga é uma oportunidade para amanhã.

José Cadima

sábado, junho 16, 2012

Destino

O de amanhã não me ocorre qual possa ser.
O de hoje é já ali,
um lugar onde antes estivera
mas que não sei se me vai parecer familiar.
Nestes tempos, quase tudo me parece estranho,
quase tudo se me afigura lugar agreste.
Mesmo assim…
Ainda assim, importa fazer caminho.
Sofia, Lisboa, Tunes
são lugares de passagem.
O meu destino, ignoro qual seja,
o de amanhã, digo.
O de hoje…

José Cadima

sexta-feira, junho 15, 2012

(Novas) Viagens na minha terra

Saí cedo de Braga, rumo ao Sul. Da janela do comboio, olho a paisagem e tento encontrar algo que se me sugira familiar.
Há muito tempo que não fazia este percurso ou, pelo menos, pareceu-me muito tempo. Talvez seja mesmo, que o tempo é uma realidade relativa.
De quando em quando, enquanto a paisagem flui perante os meus olhos, o pensamento  retorna ao ponto de partida. Voltam a configurar-se-me nítidos os cães que, ainda noite, desciam a rua a par, em pose relaxada, o recorte e o tic-tac dos relógios despertadores que, afinal, acabaram por não ser necessários. Quase nunca o são, aliás, nem mesmo quando faziam falta, como numa noite, há poucas semanas, em que precisava acordar a meio da noite, como aconteceu hoje.
Volto a viajar só. Volto a um lugar aonde estive poucas vezes mas a que me apeteceu retornar nesta ocasião.
De repente, no topo de uma casa, vejo uma bandeira que esvoaça. De repente, nos altifalantes da carruagem do comboio, oiço uma voz que enuncia o nome de um lugar (do Portugal profundo) e anuncia nova paragem, bem curta, por sinal.
O comboio prossegue viagem, e eu com ele. Fico a aguardar que a voz que, de quando em quando, anuncia uma nova paragem diga um nome em que reconheça o meu destino de hoje. O de amanhã não me ocorre qual possa ser.

José Cadima

quarta-feira, junho 13, 2012

"Resíduo"

O amor é
um elemento residual.
O que nos junta
é o vício e o conforto.

O amor é
um sentimento maldito:
reclama de nós entrega,
esconde dor.

Perscrutando o horizonte,
não te enxergo.
Admito que andes por aí,
resíduo…

José Pedro Cadima

sábado, junho 09, 2012

Uma lágrima

Todos os dias te vejo adormecer antes de mim… 
Espero sempre que os teus olhos fechem 
e mergulhes nos teus sonhos 
para que eu possa então chorar.
Mergulhas nos teus sonhos 

e os meus olhos ganham brilho. 
Depois, uma lágrima traça um carreiro de água salgada 
até à almofada onde tento desaparecer.


José Pedro Cadima

terça-feira, junho 05, 2012

De volta a ´Sonhos a Um Espelho`: "Chamam-lhes histórias"

Dizem eles que são histórias,
mas eu vi-a gerar uma luz na tempestade.
No solo, essa luz criou vida;
no céu, essa luz criou liberdade.

Dizem eles que são histórias,
mas eu vi-a! Como vejo escrever,
eu vi-a! Olhei para ela até doer.
Ainda dói, mas são saudades.

Dizem eles que são histórias,
e ninguém em mim acredita.
Fundam-se em velhas glórias.
Seja a sorte maldita!

Teimam eles serem histórias,
mas aquela luz era bela
e com ela vinha a mais bela donzela,
que até a lua fazia derreter.

Não! Não são histórias.
São desejos… São fantasias.
Mas havia luz.
Eram meus olhos a brilhar!

José Pedro Cadima (2009), Papiro Editora, Lisboa, p. 62

sábado, junho 02, 2012

Ao longe

“Ao longe os barcos de flores”.
Ao longe os barcos do amor.
Ao longe, por dois largos pares de dias,
num lugar remoto,
o meu ponto de encontro,
o meu espaço de fuga.
É irónico que, na mesma data em que te ausentas,
eu parta também, em direção oposta,
como se o nosso espaço de convívio quotidiano
não fizesse sentido
quando não o habitamos juntos.
Coincidência? Destino? Acaso?
Talvez isso seja sinal
de que, doravante, partir só ganha sentido
quando possamos partir ambos.
Juntos pelo acaso?
Juntos pelo destino?
Juntos, contemplando extensos campos de morangos,
para sempre,
ou, algumas vezes, de malmequeres
de diferente coloração,
ora amarelos, ora brancos,
ora verdes, como deviam ser todos.
Deveriam ser todos, sublinho,
ou, pelo menos, os que são carregados
pelos barcos de flores
que, de quando em quando, da costa
enlaçados, perscrutamos  no mar,  ao longe.

José Cadima