segunda-feira, dezembro 31, 2007

“Adeus tristeza. Viva 1997!”

“É habitual nesta ocasião proceder-se ao balanço do ano findo. Não querendo ir contra a tradição, também eu me proponho, nesta edição, proceder à eleição dos mais e dos menos de 1996, quer dizer, dos acontecimentos e dos personagens que mais cativaram a minha atenção, se bem que nem sempre pelas melhores razões.
A listagem é comprida, pelo que a economia de esforço e a gestão criteriosa de espaço no jornal obrigam-me a ser parco na justificação dos destaques.
Seguindo o velho princípio, cultivado no cinema e nas telenovelas, de reservar para o último episódio as boas novas, isto é, o casamento do herói com a princesa e a reconciliação das famílias desavindas, começarei pela nomeação dos destaques de sinal menos. A esse título retenho:
i) a prestação medíocre do Partido Socialista e do Eng.º Guterres no seu primeiro ano de governo; em razão disso, temo o pior pelo que se reporta ao segundo;
ii) a postura do eleitorado que votou Guterres que, colocado perante a evidência de um governo sem arte nem saber, se recusa a admitir que só as moscas mudaram (pelo menos, a atentar nas sondagens eleitorais);
iii) o comportamento desbocado e deslocado do Dr. Mário Soares, permanentemente disponível para falar do que não sabe e fazer corpo com amigos da onça, chame-se ela como se chamar;
iv) o despudor do Prof. Cavaco Silva que, de cima do seu altar de pretensão, descorre sobre a regionalização e sobre o mundo com o mesmo à-vontade com que no passado afirmou que nunca se enganava. Assemelha-se nisso muito ao seu conviva dos velhos tempos de governo, o Dr. Mário Soares;
v) a desventura de Diana de Inglaterra, que não vai descalça mas nem por isso vai mais segura (pelo que se afigura, o tempo não vai de feição para príncipes e princesas, daí talvez a afirmação de que a tradição já não é o que era);
vi) a prestação miserável do PSD de Braga, ao falhar mais uma vez a oportunidade de concorrer à Câmara Municipal de Braga; depois vão admirar-se que alguém diga que mantêm um pacto secreto com o Engº Mesquita Machado para a perpetuação deste no poder;
vii) a desvergonha de um PIDDAC para 1997 que esconde o eleitoralismo rasteiro sob o manto diáfano da ausência de estratégia para o país (contra a força da ideia de que «mama quem berra», que vi proposta num jornal de Leiria, o que marca presença mesmo é a bajulação miudinha dos votos dos eleitores de Lisboa e Porto);
viii) a navegação à vista do Presidente da Câmara Municipal de Braga, bem evidenciada no caos em que se transformou o trânsito citadino e na procura de resolução sobre pressão dos acontecimentos e da peleja que se aproxima; obviamente que o Eng.º Mesquita Machado sempre poderá queixar-se da falta de civismo dos habitantes da urbe, mas estou em crer que os demais portugueses não serão menos bárbaros que os bracarenses;
ix) a infelicidade da Rute, que se deixou levar pela cantiga do bandido e se vê agora obrigada a vender por boa a paixão de António Guterres pela educação.
Os destaques mais, como seria de prever, são bem menos. Não fora assim e as novas seitas e religiões teriam muito menos cultores; presumo que o mesmo sucederia com as mais antigas. Seja como for, assinale-se a esse título:
i) o razoável comportamento do ano económico, pese embora o governo socialista tudo tenha feito para que a dinâmica económica não fosse além da prestação do próprio governo; fica-se na dúvida, nas presentes circunstâncias, se não seria mais benéfico para a evolução do PIB a ausência de gestão administrativa pública;
ii) o descrédito em que caíram alguns dos «senhores do Norte»: Fernando Gomes, Narciso Miranda, Ludgero Marques; tal qual como acontece com as senhoras quando se baixam, também neste caso tudo ficou mais à vista quando, para se fazerem ouvir, tiveram que passar a usar os bicos dos pés;
iii) o alvorecer de um novo ano, que sempre permite recriar a ideia, ingénua, que neste ano tudo vai ser diferente; quer dizer, desta vez é que é para valer: adeus tristeza!”

J. C.

(reprodução integral de texto do autor identificado, publicado no jornal Notícias do Minho, em 97/01/10, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, dezembro 30, 2007

Mortos …

“Eu morro;
tu morres;
ele morre.”
Assim se esgota a vida
e, mesmo vivos,
de certa forma não estamos senão mortos:
amiúde, mortos de raiva;
algumas vezes, mortos de vontade;
aqui e ali, mortos de tédio;
muitas vezes, mortos de desejo
ou, desesperadamente, carentes de afecto;
ocasionalmente, mortos de paixão.
Assim se vive a vida!

José Pedro Cadima

quinta-feira, dezembro 27, 2007

No fundo

É usual dizer-se que, no fundo,
esta ou aquela pessoa ainda gosta de nós.
Mas, no fundo,
no caso do poço, está a água
e, no vulcão, está a lava.
Para mim, tanto faz morrer afogado
ou por lava queimado.

José Pedro Cadima

terça-feira, dezembro 25, 2007

“Este Minho é uma festa”

1. Só quem alguma vez viveu no Minho pode entender quanto a gente se diverte: são as festas; são as romarias; são as excursões ao S. Bentinho e ao Corte Inglês, em Vigo; são, enfim, as declarações dos nossos políticos a respeito da construção da ponte do Prado, anunciada para ocorrer a curto-prazo. É o sentido da festa, da romaria que aí pulula e que encontra maneira de se exprimir em gestos tão simples como a promessa de disponibilização de 100.000 contos do PIDDAC do próximo ano para a construção da dita ponte, solenemente veiculada pelo Dr. Martinho Gonçalves.
2. Este espírito que refiro é tão intrínseco é tão contagioso que atinge mesmo os estudantes de passagem pela Universidade do Minho, oriundos das mais distintas parcelas do território nacional. É vê-los, daí, na semana de recepção ao caloiro ou por ocasião do enterro da gata – e, tirando estas datas, todo o restante ano – a trautear os últimos êxitos do Quim Barreiros ou a canção do bandido, em versão livre.
Deste estilo musical, retenho como expressão suprema uma canção que usa no refrão uma frase que reclama a melhoria da qualidade do ensino ministrado, e uma outra, entoada ao jeito de palavra de ordem, que exige o alargamento da época de exames a um total de três meses.
Desta forma, deduz-se, do semestre lectivo ficaria ainda uma semana, período mais que suficiente para a apresentação das matérias que é importante que os estudantes aprendam.
3. Como nota dissonante deste culto oferece-se o esfriamento que atravessa a «noite bracarense» que, como é bem conhecido, chegou a ser a mais badalada do país. Ficaram, deste modo, os estudantes com um problema mais a tolher-lhes as vidas (o preenchimento das noites), já que, por obstinação do reitor da U.M., não são viabilizadas actividades nocturnas nos complexos pedagógicos existentes. Reduz-se assim, consideravelmente, a possibilidade de multiplicar as chamadas dos exames de fim de época e, portanto, o sucesso escolar.
4. Posto que, mesmo sem querer, acabei por desembocar na questão da política educativa, deixem que exprima o meu apreço pelo Secretário de Estado do Ensino Superior, visto que será o único ser na terra capaz de viver uma paixão a frio, conforme exprimiu recentemente a propósito da sua (e do governo, no seu conjunto) paixão pela educação. Num tempo em que a inovação tem importância tão estratégica, nunca é demais sublinhar esta singularidade. Será caso para dizer, doravante, que as grandes paixões servem-se frias.”

J. C.

(reprodução integral de crónica do autor identificado, publicada no jornal Notícias do Minho, em 96/12/20, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, dezembro 23, 2007

Sou aquilo que sou

“Não sou um anjo,
nem sou um querido”,
descontadas as vezes em que, de mão dada,
vagueamos, sem tempo contado,
entre nuvens de algodão.
Sou apenas aquilo que sou.
Sou a verdade,
a tristeza, a dor que sinto.
Sou a esperança que teima
em não desistir,
morrendo de saudade do tempo
em que o sonho ainda era possível.
Sou aquilo que sou.

José Cadima

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Mais um grito

É noite e está frio.
Sinto mais um arrepio.
Faltam-me palavras para expressar
sentimentos que alguém ousou roubar.

De olhos quase vidrados,
através da janela aberta, olho para fora,
prescrutando no horizonte algum sinal ou estrela
que me indique não ser vão o esforço que faço
para preservar a minha alma,
que ameaça ir-se embora.

Sinto medo.
Não encontro mais consistência nas palavras.
Seguro, seguro
é que perco proximidade a um qualquer conto de fadas.
A certo passo, solto um grito,
tentando fazer sair tudo de mim:
o frio, o medo e, até, pozinhos de perlim-pim-pim.

José Pedro Cadima

terça-feira, dezembro 18, 2007

Poemas

Queria escrever algo
de corpo e alma,
que ganhasse asas,
que pudesse voar.
Queria escrever algo
que me transportasse para lá do efémero,
mas fui apenas capaz de alimentar pensamentos
que me lembram abandono
e trazem tormento.

José Pedro Cadima

domingo, dezembro 16, 2007

Respirar a teu lado

Desde que te conheço,
tenho outro sorriso,
outro sofrimento,
outra tristeza,
outra dor.
O desespero é maior,
mas também o é a esperança
e a luz que ilumina os meus passos.
Até a minha forma de respirar é diferente.

José Pedro Cadima

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Destróis tudo

Destróis tudo, até mesmo aqueles laços
que, tecidos numa ternura imensa,
pareciam estar a salvo de todas as tempestades.
Embora, dizendo que não me queres atormentar,
na afirmação que prossegues da tua autonomia
vais cavando entre nós um fosso
que a cada momento se me sugere mais largo,
mais dificil de transpor.
Afirmo-to, abertamente:
a tua obstinação ameaça destruir tudo!
Pareces não perceber o que sinto,
a não ser nos momentos em que fica mais cruelmente exposto
o meu enorme sofrimento.
Esses são, entretanto, os instantes
em que o reencontro fica mais distante.

José Pedro Cadima

terça-feira, dezembro 11, 2007

O meu amor por ti

Se o meu amor por ti
fosse o responsável pelo girar dos planetas,
um ano duraria menos que um segundo.

Se o meu amor por ti
fosse a energia que alimenta as estrelas,
seria sempre dia.

Se o meu amor por ti
fossem apenas palavras,
este poema não teria fim.

José Pedro Cadima

sábado, dezembro 08, 2007

Sonhos

"Ainda me lembro dos tempos
em que tudo isto não passava de sonhos...".
Ainda me lembro...
Ainda me lembro dos tempos
em que era capaz de sonhar.

José Cadima

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Silêncio

O silêncio que se faz em meu redor
contrasta com a agitação que me vai na cabeça.
É sempre assim quando algo me inquieta,
sendo bem certo que não tenho já memória
de quando o sossego, por inteiro, me assistiu pela última vez.
Que foi há muito tempo, isso dou-o por certo.
Na minha inquietude, umas vezes desabafo no papel,
outras permaneço quieto até ao limite da imobilidade possível.
Só os pensamentos em turbilhão me não deixam quietar
e, quando a resistência cede,
resta-me explodir em palavras
ou fluir pela rua, tentando correr mais que os meus pensamentos.
Quem me dera o silêncio autêntico!
Quem me dera não ter que fugir
dos pensamentos que me assaltam!

José Cadima

terça-feira, dezembro 04, 2007

As minhas luvas pretas

Uso luvas para não sentir,
para não te sentir:
à tua pele,
ao teu cabelo,
ao teu amor fugidio.
Essas luvas são pretas
para te mostrar que estou de luto,
que o meu coração está de luto.

José Pedro Cadima

sábado, dezembro 01, 2007

“O calor humano: estudo de caso”

“Não restam dúvidas que o frio transforma os seres humanos; transforma-os, transtorna-os tanto que não há coisa que mais anseiem que o calor: o calor humano, está bom de ver.
Radica a ideia que aqui avanço na observação sistemática que venho prosseguindo do comportamento do cidadão europeu mais a norte, isto é, de latitudes onde o sol é mais avaro. E, se bem que este não seja campo de investigação para que me reconheça particularmente preparado, procuro compensar a falta de domínio dos instrumentos de pesquisa com empenhamento redobrado na contemplação do objecto.
O despontar do meu interesse por este prometedor campo de trabalho remonta a data já algo remota, quando as parabólicas instaladas no Picoto permitiam ao comum habitante desta augusta cidade aceder às imagens da RTL. Chamou-me na ocasião a atenção, particularmente, um programa designado, sem grande fundamento, «a fruta toda» (em tradução livre para português). Impropriamente, digo, porque embora trouxesse para a luz das câmaras muita fruta, não mostrava a fruta toda, como a designação sugeria.
A fruta toda, propriamente dita, estava à vista em filme que vi bastante mais tarde no «Canal +», por ocasião de uma digressão por terras francesas. Os mesmos valores, as mesmas referências voltei a ver há dias, quando o acaso me fez pernoitar na cidade alemã de Frankfurt. Na circunstância, não era qualquer canal de difusão pública de TV por cabo que procedia à distribuição das imagens mas o circuito vídeo do hotel (de luxo, por sinal); aliás, oferecendo séries alternativas.
Posta a formação conservadora que me foi veiculada, admito ter sentido algum embaraço face às expressões de calor que transpiravam das imagens a que me reporto. Não fora o interesse científico da observação, por certo teria desligado o aparelho. Prevaleceu, entretanto, a motivação científica, e é em razão disso que vos posso chegar agora algumas conclusões preliminares deste estudo de caso.
A primeira dessas conclusões, e porventura a mais portadora, é exactamente aquela que anotei na introdução deste «paper». Outras há, no entanto, de que vale a pena dar conta, concretamente: i) a curiosa circunstância de estas efervescências tenderem a manifestar-se no términos da semana; ii) o carácter democrático, participativo destas trocas de calor; e, finalmente, iii) a aparente ausência de barreiras étnicas, que cumpre saudar, especialmente sabidos os tempos de intolerância que correm.
Embora devendo ser tidas a título preliminar, estas conclusões parecem-me ser portadoras para justificar que me possa considerar plenamente compensado pelo esforço dispendido na investigação e daí, que não tenha dúvidas em assumir, desde já, o compromisso de dar continuidade à pesquisa. Sendo, no entanto, vasto o objecto de análise, bom seria que outras vontades se mobilizassem por forma a este estimulante campo de investigação vir a recolher a atenção que merece.

J. C.

(reprodução integral de texto do autor identificado, publicado no jornal Notícias do Minho, em 95/07/29, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quinta-feira, novembro 29, 2007

Meu peixe…

As aventuras são um mal.
Só as tem quem não as quer!
As imagens do meu último momento heróico
estão já estilhaçadas:
subi montanhas, saltei vales,
nadei com piranhas e outros males.
Um peixe quase me comeu!
Era grande, era forte
a minha vontade de te amar;
até os ossos me roeu.

José Pedro Cadima

terça-feira, novembro 27, 2007

O meu coração está na tua mão

O meu coração está na tua mão.
Da esquerda para a direita,
da direita para esquerda,
olha como ele balança.
Não o deixes cair,
senão esgotar-se-á o meu sorriso.

José Pedro Cadima

sábado, novembro 24, 2007

Sinto-me assim

Só.
Triste.
Descrente
de ser amado.
Sinto-me assim.

Onde estão os braços
em que disseste que me poderia sempre recolher?
Onde está o peito
em que posso repousar minha cabeça
e sonhar que o mundo é só o aconchego que daí me vem?

José Pedro Cadima
e
José Cadima

quinta-feira, novembro 22, 2007

Minha Querida Helena

Ter-te-ás dado conta que as duas mais recentes cartas que te dirigi iam com as datas gralhadas: em vez do que aparece, deveria estar 17 e 18 de Agosto, respectivamente. Vais ter que me perdoar isso, que outra coisa não é que a expressão de uma mente cansada e baralhada. A gravidade da falta deverá ser compatível com o nível de tolerância que tu manténs em relação aos meus erros – assim o creio.
Na verdade, escrevi-te quase só para te transmitir isso e deixar este apelo. Não fora este pretexto, não querendo, por outro lado, repetir-me nos meus lamentos, não teria assunto para esta mensagem. Como bem sabes, não é assunto com que se mace quem quer que seja, muito menos alguém de que muito se gosta, dar notícia de um dia de trabalho cinzento após outro de idêntico tom, de um arrastar de pés dia após dia sem alegria nem esperança.
Assim sucedendo, dando corpo ao pensamento que me assiste, e também como forma de preencher esta página, ouso citar o meu filho num dos seus versos tão forte nos sentimentos que transmite quanto impressionante nos termos de que se socorre; a saber:

Demónio da minha paixão

Rio de sangue,
que transportas o meu demónio,

permite que eu aceda
ao favor de um beijo
que me faça sorrir.


Demónio de sangue,
demónio esbanjador,
faz-me um favor:
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio de escolta,

meu segurança
dos demónios à solta,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio da sorte,

transportador da minha felicidade
ou morte,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio alimentador

da minha paixão grande e assombrosa,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio sugador

de toda a minha atenção;
demónio que me arrebata o coração;
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio do amor,
rainha da beleza,
só tu fazes a minha dor.
Por assim ser,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio da minha vida

e da minha glória,
nem tu sabes o quanto
te quero arrancar um sorriso;
pois, meu amor,

tu és o meu demónio
e eu não sei viver sem ti.
(Cadima, José Pedro; 2004)

Sem mais palavras, quase sem palavras, despeço-me de ti, “demónio da minha vida”.

Braga, 19 de Agosto de 2004


José Cadima

terça-feira, novembro 20, 2007

Afogo-me em pensamentos

Afogo-me em pensamentos
sobre o que é e o que não é,
e não encontro a resposta.

Há tanto tempo que me interrogo
que perdi a pergunta
num monte de respostas falhadas.

José Pedro Cadima

sábado, novembro 17, 2007

A ironia

Odeio a ironia,
apesar da usar.
Odeio-a tanto, talvez, por ser das poucas armas
de que sou capaz de valer-me.
Odeio a ironia
e, em razão disso, odeio aqueles que dela se valem
para me atormentar.
Odeio a ironia tanto quanto aprecio um sorriso aberto
e a transparência que, de quando em quando,
reconheço no teu olhar.

José Pedro Cadima

quarta-feira, novembro 14, 2007

Sonho contigo

Olho-te
e, enquanto repouso meus olhos em ti,
a minha mente vagueia
pelo terreno do sonho
que seria saber seguro o teu amor.
Depois, à noite, a memória desses pensamentos
perturba-me o sono.

Toco-te
e, ao tocar-te, mais me cresce o desejo de abraçar-te
e a vontade de apertar-te contra mim
a ponto de parecermos um só.
Depois, à noite, falta-me a suavidade da tua pele
e, por isso, não durmo.

Beijo-te,
esparsamente, mas beijo-te.
Por serem tão esparsos os beijos que trocamos,
passo o tempo todo à procura de mais um beijo
e a ansiedade que daí me vem
faz-me permanecer acordado, à noite.

Sonho contigo,
e esse sonho de conquistar o teu amor
impede-me de dormir
e sonhar contigo.

José Cadima
(adptado de Cadima, José Pedro , Poesia 2005)

segunda-feira, novembro 12, 2007

Minha Querida Helena

As horas passam,
o tempo voa,
e eu continuo aqui
sem amor,
sem ti.

Só no meu coração
te vejo,
te beijo
e te abraço.”
(Cadima, José Pedro; 2004).

Leio este versos, releio-os e pergunto-me: do que dizem, referido a um tempo que é passado mas ainda presente, o que sobrou para o dia de hoje? Transfigurando-me na pessoa do autor – e tal não se me afigura nada complicado - quero eu dizer:

As horas passam,
nalgumas ocasiões mais céleres que noutras,
e eu continuo aqui
sem amor,
e sem ti.

O meu coração
ainda te pressente,
os teus beijos são doces recordações
e a lembrança do teu xicoração sugere-se-me uma expressão de afecto
que resistirá a todas as desventuras deste romance.

Entretanto, começo a descrer
da força que parecia alimentar esse amor.
E descreio mais ainda
que os beijos que me davas
tivessem génese inteira no teu coração
porque, se assim fora, não te teria sido possível ignorar
durante todas estas semanas o meu lancinante grito de dor.

Duvido, bem assim, que o nosso xicoração tivesse o mesmo significado de entrega para ti que para mim porque, se assim fosse, ter-me-ias estendido o braço quando pressentiste que começava a afogar-me em desespero e em solidão. Não o fizeste e nada disso pode ser lido como expressão de acaso. Não o quiseste fazer. É tudo!
Repara: poderia ter-me afogado do mesmo modo. Mas terias tentado; terias dado sinal de humanidade e terias afirmado uma memória de afectividade, de entrega que estaria para além dos desencontros de percursos cruzados que não foram capazes de fazer do lugar do encontro o lugar de uma vida plenamente preenchida.
Posso estar a ser injusto contigo como, noutras alturas, tu terás sido injusta comigo. A verdade, porém, é que, nesta altura, descreio que tudo não tivesse passado de uma desatenção ou deficiência de percepção da tua parte do apelo de socorro que te dirigi repetidamente. Face à gritante evidência dos dados que estão à vista, manda a razoabilidade que conclua que, simplesmente, me ignoraste.
Minha querida Helena: a minha ferida é profunda; talvez não tão profunda, todavia, quanto o meu desapontamento.
Um beijo para ti ou, talvez, um até sempre.

Braga, 1 de Setembro de 2004

José Cadima

sábado, novembro 10, 2007

A solidão como meio de encontro

A solidão também pode ser um estado de alma.
A solidão também pode ser boa,
uma oportunidade de reencontro,
um momento de purificação da alma.

Momentos há em que essa é solução única
para sossegar o espírito, apaziguar fantasmas,
recuperar a energia de que necessito para o dia seguinte.
Nessas alturas, a solidão é uma benesse.

A solidão também pode ser uma viagem solitária de automóvel,
percorrendo uma estrada que não me leva a outro qualquer lugar
que não seja ao retorno a mim mesmo.

A solidão também pode ser um desfilar apressado de imagens
que são, simplesmente, cenários do percurso
que me deve reconduzir à minha essência profunda.

Só, penso em ti
e nos momentos felizes que passámos,
de que tenho saudade tão intensa que só resisto a ela
retomando um estado de solidão tão sereno
que nada mais conta senão tu e eu.

José Cadima

quarta-feira, novembro 07, 2007

Duvidar

Quando duvido não é por ter falta de evidências,
mas sim por elas estarem ali tão obviamente à minha frente.
É que, quando tudo me sorri,
não sou capaz de deixar de me questionar
sobre quanto tempo vai levar
até que me venha, de novo, a vontade de chorar.
Quando duvido …

José Pedro Cadima

domingo, novembro 04, 2007

“Vão passar anos até que eu me perdoe”

“Pois é verdade: há dias levantei-me às quatro e meia da noite! Vá lá, censurem-me o mau gosto, que bem mereço.
Seria bastante mais razoável que me tivesse deitado a essa hora, salvaguardado que isso se ficasse a dever a uma noite bem passada. A vida, todavia, tem destas coisas, e não é por acaso que o prémio Nobel da Economia foi atribuído a autores de contribuições teóricas que enfatizam a racionalidade limitada dos agentes económicos; o que é paradoxal, por seu turno. Consistente seria mesmo que o ponto de partida fosse a irracionalidade com que os homens conduzem as suas vidas, incluindo a vertente económica destas. Mas não; entendeu-se partir do princípio oposto e foram precisos cerca de dois séculos desde que a Economia adquiriu estatuto científico para ver o óbvio.
É bem apropriado neste caso o dito que afirma que «o que está à vista é o mais difícil de ver». Nesta situação, nem a circunstância do gato ter o rabo de fora ajudou. Não nos desviemos entretanto do que importa.
Na ocasião, o que verdadeiramente é relevante é que me levantei a meio da noite, isto é, a horas que só deveriam ser usadas para o sono ou para outros prazeres da vida. Daí que seja bem feito que me censurem, como eu me censuro. Pensando bem no assunto, julgo que vão passar alguns anos até que eu me perdoe”

J.C.

(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/11/01, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sábado, novembro 03, 2007

Por querer-te tanto

Por querer-te tanto
É que não te quero!
E sobre as folhas de Nenúfar
Silencio o coaxar
Que chama
O teu corpo,
O teu cheiro,
As tuas mãos,
O teu olhar.
E vagueando no meu grito,
Sinto a raiva de já não te poder
Oferecer-me por inteira.

Helena, MC

sexta-feira, novembro 02, 2007

Ao Acordar

Acordei com uma dorzinha miúda. Quem ma trouxera tinha sido o frio da manhã, que me fazia cócegas nos pés. Acreditava que o dia me correria bem; acreditava que a ilusão me cobriria de flores luminescente, num dia nublado de Outono.

Vi-te ao longe, dos pés à cabeça. A utopia me dizia que a tua companhia me levaria a um lugar pelo qual doutra forma teria eu que lutar. Tua boca abriu-se. De lá saíram tantas palavras que… se desfez a utopia, se desfez a mais pequena ilusão deste dia ser diferente dos outros. Mais um dia em que teria que me controlar. Mais um dia em que teria de ser menos eu para ser mais forte. Talvez um dia pudesse sentir-me forte, mas, por agora, seria apenas mais um dia em que não seria eu.

Senti dor. Acordei com um picar na espinha. A dor era causada por um dos lados da cama onde me encostara incorrectamente. Olhei a janela e aceitei que o dia seria como o de ontem e não iria ser eu quem te amaria.

Vi-te; falaste-me; beijaste-me. Aos poucos, senti-me um pouco mais eu. Protegido pelo teu carinho, confortado pelas tuas palavras doces e serenas, fui-me encontrando. A utopia cresceu e do nada fez-se o momento mais perfeito que poderia acontecer. Fui feliz.

Acordei de barriga para o ar. Não havia dor. Não havia felicidade. Chovia.

Vi-te… Pensei que tudo isto seria antipatia. Pensei que seria um eu diferente, não forte por ter que ser forte. Não confortável, porque assim me sentia. O peito doeu-me. Sabia o que era: era tudo o que se tinha passado lá dentro, em revolta. Estava confuso.

Acordei na mais pura das dores, uma dor psicológica forte que se fazia sentir deste lado. Tive vómitos e, cá dentro, o corpo apertava-se para sobreviver. Estava assim fisicamente. Psicologicamente estava pior.

Imagina agulhas debaixo das unhas, vidros estilhaçados nas gengivas e olhos perfurados. Imagina só a dor de tudo isso. Entenderás a analogia se imaginares um corpo desencontrado da respectiva alma. Apenas, assim, fisicamente te posso transmitir a dor que sinto a cada palavra que ousas pronunciar sobre um passado teu tão recente que chega a parecer presente. Porque foi o que tu disseste que germinou cá dentro e agora cresce, agora ganha vida, alimentando-se da minha.

José Pedro Cadima

quarta-feira, outubro 31, 2007

Tens medo de sair à rua?

Lá fora chovia e trovejava desmesuradamente. Uma jovem atada e amordaçada tremia numa pequena arrecadação escura e fria. Pouco conseguia fazer senão respirar e imaginar o seu destino doloroso. A arrecadação tinha uma forma rectangular que, talvez felizmente, a jovem, de nome Sílvia, não conseguia ver. As paredes estavam manchadas de sangue e na porta estavam escritos os nomes de vários infelizes.

Do outro lado da porta, completamente livre, estava um homem que se divertia com a sua faca: desde pequeno que abria ratos ao meio e, desde há pouco tempo, que o fazia com pessoas…

Todas as quartas, quintas, e sextas, a Sílvia saía à noite e ele olhava-a; traçava o padrão e a rotina. Ambicionava apanhá-la e, quando o fizesse, mostrar-lhe-ia que não devia sair à rua só.

Na arrecadação, a Sílvia tremia. Por vezes, sentia os peludos e gordos ratos e ratazanas que comiam migalhas deixadas em volta dos seus pés. O coração dela disparava e o suor escorria-lhe pelo corpo. Os ruídos metálicos arrepiam-na na espinha e os pêlos eriçavam-se-lhe instintivamente. Havia dezenas de ratos que guincham em seu redor, com as caudas pegajosas a roçarem-lhe os tornozelos. Ela tentava gritar, sem sucesso: saiam-lhe sons miseravelmente abafados pela mordaça.

Devagar e com extrema perícia, o vizinho predador pegava num rato e abria-o. Sacodia o animal de maneira a que as tripas cedessem e, com a gravidade, tudo se fundia numa mistela esmagada no chão. Dava-lhe prazer fazer aquilo, mas não tanto como lhe dava abrir alguém a meio, enquanto esse alguém respirava, e, de seguida, deixar os ratos alimentarem-se dele.

A Sílvia saiu pelas 23 horas, levando uma mini-saia e estava decidida a percorrer o seu caminho habitual, mas o predador gostou dela. Fazia-lhe lembrar a mãe, que à noite também saía, deixando-o sozinho nos piores dos pesadelos. Devagar, tal como aos ratos, o vizinho apanhou Sílvia a dez metros da saída de casa, numa curva onde aquela hora ninguém costumava passar e levou-a para a sua arrecadação. Descalçou-a e amordaçou-a, deixando-a com os ratos famintos - as migalhas eram só para impedir que os ratos a mordessem.

Largou o resto do rato no chão e enquanto abria a porta imaginava a pobre Sílvia a urinar pernas abaixo, tentando libertar-se das cordas, ao ouvir o ranger dos seus passos.

Não aconteceu! Fez-se meia-noite e, ao abrir a porta, deparou-se com Sílvia, de frente para a porta, enforcada nas próprias cordas que outrora a amarravam. O predador urinou pernas abaixo e, do fundo do corredor, escondido nas sombras onde o luar não conseguia chegar, ouviu uma voz:

- Não tens medo de ficar sozinho em casa?

José Pedro Cadima

domingo, outubro 28, 2007

“Ainda há esperança”

“Há algum tempo, um colaborador do «Notícias do Minho» despedia-se dos seus leitores alegando falta de objecto de análise ou, melhor, de combate. Na ocasião, cheguei a considerar seguir-lhe o exemplo, não tanto porque as nossas crónicas convergissem no objecto mas, antes, porque este apontamento jornalístico (Crónicas de Maldizer) se aprestava para fazer um ano.
O simbolismo da data tornava-a particularmente indicada para uma despedida em beleza. Havia, no entanto, o inconveniente da coincidência a que atrás me reporto e, para minha desgraça, o dito ex-colaborador tinha tomado a iniciativa. Por outro lado, se o momento de celebração de um ano de maldizer, salvo seja, era uma boa ocasião para procurar novos rumos, muito melhor oportunidade teria sido a comemoração do primeiro mês ou dos primeiros quinze dias. Aliás, se bem que não me recorde quem seja o autor do dito, comungo em grande parte da ideia que «não há como a primeira vez» (ou será «não há amor como o primeiro»?).
Assim sucedendo, qualquer ocasião posterior era tão boa como qualquer outra para dizer, portuguesmente, «bye, bye». Chateava-me, entretanto, a perspectiva que alguém pudesse tirar gozo pessoal do termo das minhas crónicas: conforme deixei expresso algures, os meus escritos sempre tiveram por propósito primeiro o prazer que tiro deles e só a ideia de alguém retirar daí mais gozo que eu era bastante para incomodar-me.
Tomada a decisão de permanecer no activo, permaneceu a eterna dificuldade de encontrar assunto. A verdade é que, apeado Cavaco, a análise política e jornalística ficaram, apesar de tudo, mais pobres. Realmente, há que convir que não é fácil imitar no disparate, na arrogância, na falta de bom senso, os protagonistas maiores da vida política da última década.
Se a ocasião era já de pasmaceira e escasseavam os motivos para a análise e para a crítica social até Outubro pp., depois dessa data então entrámos em período de crise aguda, e há o receio que à crónica de opinião volte a não sobrar outro tema que não seja o percalço da Sra. Etelvina no outro dia em que foi ao mercado comprar cebolas (ou tomates, já não tenho bem presente).
Resta-me, todavia, a expectativa que o Eng. Guterres e os seus doutos ministros rapidamente se ajustem às cadeiras do poder e, na boa tradição dos que os precederam, encetem a senda da asneira. Por exemplos passados, acredito que há razão para manter acesa a esperança. Muito me desiludiria o governo do Eng. Guterres se isso não viesse a suceder a curto-prazo.”

J.C.

(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/11/25, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quinta-feira, outubro 25, 2007

Minha Querida Helena

Por vezes, é tão difícil falar contigo. Há ocasiões em que tenho a sensação que só te escutas a ti. Digo-o não no sentido figurado - de que o teu pensamento prevaleça sobre o de outrem (o meu) - mas no exacto sentido em que, pura e simplesmente, ignoras o que te procuro transmitir, e fico a repetir palavras, a exprimir emoções crescentemente irritado e tentando controlar a vontade de bater com o telefone. Nessas ocasiões, concluo sempre, e algumas vezes digo-to, que não devia ter telefonado. O problema é que não sou capaz de antecipar quando não te devo ligar e, uma vez entrados nessa conversa de surdos, é tarde de mais para recuar, se bem que o devêssemos fazer. Cortando, estabelecendo a ligação a partir do início, a possibilidade de sucesso da comunicação é inquestionavelmente outra.
Curiosamente, isso acontece mais em ocasiões em que procuro exprimir-te a preocupação que tenho com a tua saúde ou com a tua estética, o que configura a ideia, que já te tenho repetido, de que essas são peças da tua estratégia de auto-flagelação, sendo certo que, magoando-te, me magoas também, embora as consequências desse gesto sejam bem mais gravosas para ti.
Quando finalmente consigo que me ouças, dizes-me amiúde que sou eu que sou incapaz de julgar a tua ordem das prioridades: a prioridade de alguém que chega e que espera atenção sobre a prioridade de agendar uma consulta médica; a prioridade de arrumar a sala sobre a prioridade de realizar um tratamento no hospital; a antecedência absoluta de uma visita ao café da D. Felismina, de um cigarro, sobre a visita ao cabeleireiro.
Não entendes tu que essa tua ordem de prioridades me confunda e me contraria? Porque não aceitas tu, minha querida, que eu queira ver-te fresca e bonita? Onde está a irrazoabilidade deste meu querer?
Helena querida, fico a ansiar o teu sorriso.

Braga, 14 de Julho de 2004


José Cadima

terça-feira, outubro 23, 2007

Tenho medo

Caminho pela estrada escura e suja
procurando chegar a algum lado,
sem certeza do conseguir.

Enquanto caminho, questiono-me
sobre o que se me oferecerá no horizonte que prescruto,
receoso do que o futuro me reserva.

O medo assalta-me,
mesmo que para a morte se sugira ser cedo.
Sobretudo, tenho medo de ser como quem odeio,
na insegurança sobre ser quem tu amas.

José Pedro Cadima
(reescrito por José Cadima)

domingo, outubro 21, 2007

Porque me desfaço eu em lágrimas?

Choro. Desfaço-me em lágrimas.
Olho-me ao espelho e sinto-me ridículo.
Reparo, então, na ironia de me ver chorar
e questiono-me sobre o sentido, o absurdo desse meu gesto.
Porque hei-de eu chorar?
Porque me é tão penoso amar alguém?
Por alma de quem me auto-flagelo?
Pela minha própria alma, que não sei viver a vida sem entrega?
Por alma de quem amo e me faz padecer deste modo?
Mas, se me quer tanto quando diz querer,
porque há-de desejar este meu choro?
Vendo vem as coisas, talvez a dificuldade resida aí mesmo,
na sua insensibilidade para o amor
e, se assim for, o choro perde todo o sentido;
o meu choro não passará de auto-flagelação.
Porque me desfaço eu em lágrimas?

José Pedro Cadima

sexta-feira, outubro 19, 2007

O inferno como sentença

Muitas das situações que vivemos são absurdas. No entanto, esta, depois de morto, ganha um valor para além do absurdo em si: mesmo agora, no inferno, penso em ti.

A vida depois da vida tem destas coisas. Ando perdido por entre o sentido de um mundo cheio de respostas onde, horrivelmente, falho em compreendê-las. A verdade, vista de tão perto, causa-me incompreensão! Talvez se a minha penitência não fosse esta e tu tivesses vindo comigo para aqui, eu me comportasse como o homem que era e sentisse que a verdade era diferente da mentira vivida em terra.

Quando cá cheguei, notei depressa o calor nauseante e espesso que me obriga a contorcer de dor. As almas penadas dos assassinos ouviam-se por entre as paredes do meu novo lar. Percorrendo passeios paralelos à lava, encontro submersos os tesouros perdidos de quem, pela ambição, não se soube controlar.

O inferno em nada se compara à visão que a sociedade mantinha dele. Não há demónios a empurrarem-nos para calabouços ou a enfiarem-nos em enormes caldeirões que fervem sem parar. O inferno reserva-nos a todos algo pior: quem por natureza é mau, terá, tal como um bom, algo que nunca quis perder. Assim, a pena de cada um é cumprida tirando-lhe aquilo que mais deseja.

Os bons nem sempre recebem aquilo que desejam, mas os maus perdem-no sempre. Os maus que querem paz, nunca a irão ter. Gritam e mutilam-se, querem ficar num estado em que nada mais importe, mas importa: ficam com a paz, a paz que nunca lhes chega e nunca os deixa verdadeiramente descansar.

Alguns dos maus são quase bons; queriam, a seu modo, fazer algo pela sociedade. Não fizeram e aqui estão. A sua condenação é feita porque no momento de escolher entre o bem e o mal escolheram não fazer nada e o mal venceu. O assassino que mata é atormentado todas as noites pelo espírito da vítima. O cúmplice é atormentado pela sua consciência. Os que têm um peso na consciência, procuram respostas que já têm. Querem-nas diferentes e afundam-se ao tentar atravessar os canais de lava, pensando que do outro lado a resposta será melhor.

Tanto eu, mau, como tu, boa, fomos condenados. E tu também sofres pela minha penitência, mesmo aí no céu. Sei que assim é. Aqui no inferno, verdade seja dita, existem mais mulheres do que homens. Todas sedentas de mimos e de um companheiro, mas como posso eu desejá-las se só em ti penso?

Quem me dera ter sido um assassino, para perder a paz, ou um cúmplice, para procurar respostas frustrantes. Era mau, mas só às vezes: enxotava o gato e as pessoas, porém, nunca te enxotei a ti. Tinha mesmo a minha pena que ser o teu paraíso, sendo tu quase tão má como eu? Foste para o céu e aqui me deixaste, só para que perdesse o que mais desejava.

José Pedro Cadima

quarta-feira, outubro 17, 2007

Somos todos o mesmo

Somos todos o mesmo:
o mesmo sangue,
a mesma ideia.

Somos todos o mesmo:
o que aprende,
o que ensina.

Somos todos o mesmo:
o que sofre, o que chora;
o que desilude, o que ignora.
Somos todos o mesmo!

José Pedro Cadima

segunda-feira, outubro 15, 2007

Faz de mim o teu herói

Diz-me que escrevo bem.
Diz-me que sou o melhor.
Chama a Camões e Torga amadores.
Faz de mim o teu herói.

Diz que choro,
que escrevo,
que abraço,
que amo
melhor que toda a gente.
Diz que sou o teu herói!

José Pedro Cadima

sábado, outubro 13, 2007

Quero sonhar

Quero sonhar,
mas a mesquinhez do quotidiano
continua a tolher-me.
Quero viver,
mas o sonho permanece irrealizável.
Quero construir,
mas a vida e tu, na tua desesperança, estão a destruir-me.
Desespero por romper este circulo vícioso
de angústia e descrença.
Quero ser sonhar.
Quero recolher-me nos teus braços
e viver o seu aconchego.

José Cadima

sexta-feira, outubro 12, 2007

Criar ímpeto - 2ª parte

Neste momento, são dez horas e o Eduardo faz ecoar os seus passos no corredor. Sei que vai haver reunião na minha hora de almoço e ninguém me disse nada mais uma vez. Ouvi na casa de banho, enquanto estava na retrete. - Gabriel, sempre a ouvir a mesma porcaria! Vou fazer queixa se não baixares esse barulho! – Diz-me o Eduardo e continuou a andar.
- Eduardo…- Chamo por ele. Ele olha para trás. Na minha mão está uma pistola, a Beretta 92FS.
- Que estás a fazer Gabriel?
- Barulho!
Disparo. Nunca nada me tinha feito sentir tão bem. Era a terceira vez que tomava a iniciativa de reagir nesta empresa. Tinha prometido a mim mesmo que seria a última e, de uma forma ou de outra, tinha de resultar.
- Que se passou aqui?! Ouvi tiros!!
- Olá Roberto…
- Ga…briel?! - Gagueja Roberto exteriorizando o medo que o assaltou.
- Toma um curto.
Disparo sobre Roberto. A sensação de alívio sobe-me à cabeça. Corro até à sala de convívio e mato três tipos que estão lá sempre; nem o nome deles sei, mas sei que não fazem nada e recebem mais do que eu.
Vou em direcção ao Ricardo. Está debaixo de uma cadeira com as calças molhadas.
- Por favor Gabriel, não me mates…
- É o meu novo programa de gestão. Tenho de ser rápido a pô-lo em prática antes que me roube a ideia.
Sexta bala num sexto idiota. A um metro de distância, não falho.
Vou pelas escadas até ao piso de cima. A Leonor está no gabinete do director dos Recursos Financeiros. Estão os dois num namorisco.
- Não acredito que recebem mais por fazer isto…
- Gabriel?! – Gritam os dois em simultâneo.
- Eu também namoriscava a Leonor e não recebia mais por isso…
- Seu… - A sua frase foi interrompida pelo aparecimento da minha arma.
- Se fosse preciso eu namoriscava o Sr. director só para receber o que recebe a Leonor.
Foram duas balas pelos dois cornos.
Matei primeiro o director para poder ver Leonor chorar, não pelo director, pelo medo da morte.
O André Martins mandava o elevador subir desesperadamente. Nem olhava para trás: o medo era demasiado. Deve ter ficado ainda com mais medo quando sentiu o metal frio na nuca.
- Estive agora com o director dos Recursos Financeiros e ele disse-me que tem de haver uma redução no pessoal.
Mijou-se de medo. A arma justificou o medo. Sinto-me bem, sinto-me aliviado. Penso agora que estou a ser incompetente pois a escolha da arma talvez safe o meu bem amado director dos Recursos Humanos e uma bomba tinha-me poupado todo este trabalho.
O elevador ia a descer e abriu-se no meu piso. Era o meu querido, amado, sacrificado director! Quem poderia imaginar que o André iria ajudar-me no meu melhor projecto!
- Olá Sr. director! – Sei que os meus olhos reluziram de tanta alegria.
- Que vem a ser isto?
- O cheiro no elevador é do senhor. Não me culpe disso também a mim!
A cara do Sr. director adquiriu uma expressão pouco feliz e a arma largou as restantes balas no seu corpo.
Entrei no elevador e fui até ao rés-do-chão. As portas abriram e o Jorge ficou a olhar para mim com ar misto de medo e de estupefacção.
- Bom dia Jorge…
- Sr. Gabriel…
Apontei a arma à minha própria cabeça.
- Jorge… Não te preocupes. Vim cá abaixo dizer-te que foste promovido.
A polícia chegou ao local. Levaram o Jorge para interrogar. Os jornalistas cercaram o local. Aquilo era o novo holocausto. Aquilo era e vai ser durante muitas semanas o título dos jornais.
A empresa acabou, o Jorge ficou sem emprego. Felizmente, um jornalista pagou-lhe para que ele falasse do incidente e o Jorge ficou rico.
Ele foi até à minha campa e agradeceu a promoção.

José Pedro Cadima

quarta-feira, outubro 10, 2007

Criar ímpeto - 1ª parte

Entrava no edifício da empresa e cumprimentava a única pessoa minimamente educada:
- Bom dia Jorge!
- Bom dia Sr. Gabriel – Responde-me amavelmente o porteiro.
Mando descer o elevador, as portas abrem-se e o Presidente do Departamento de Recursos Humanos olha para mim. Nunca é bom, nunca é agradável quando alguém me olha assim; foi algo que entendi desde o primeiro dia que aqui entrei.
- Está atrasado Gabriel!
- Não entendo, no meu relógio são 9 horas.
- Bem, é que no meu já são 9 horas e 10…- realça ainda num tom mais intimidatório-. Suponho que adiantar o seu relógio 10 minutos não lhe faça mal.
- Obrigado. – Baixo a cabeça mais uma vez.
Ontem acertei o meu relógio pela televisão e confirmei as horas via Internet. Um dia tem 23 horas 56 minutos 4 segundos e 9 centésimos e há um relógio via Internet que me dá a capacidade de ser a pessoa mais certa de sempre, mas pouco importaria se me dissessem que um dia tem 25 horas. Eu mandaria fazer um relógio para me orientar por ele, do mesmo modo.
O meu querido presidente do Departamento de Recursos Humanos largou-se no elevador e levei então comigo o seu cheiro para o piso 4. Saí do elevador e respirei ar quase fresco. Um ambientador irrespirável está ligado algures num gabinete, longe do meu, felizmente.
- Olá Gabriel! – Diz-me a minha bela ex-namorada.
- Olá Leonor… - Preciso que depois me faças uma pesquisa sobre o projecto do Sérgio. Ele quer investir um monte de dinheiro numa empresa com a qual nunca trabalhámos. Italiana, percebes?
- Vou primeiro ao meu gabinete e já trato disso.
- Obrigado.
A Leonor afasta-se com o belo balançar de ancas. Éramos namorados mas, a certa altura, ela traiu-me com o director de Recursos Financeiros e foi promovida. As minhas insónias já não me deixam dormir, daí que, para me manter acordado no meu gabinete, ponha a minha máquina de café a funcionar e ligue o leitor de CDs.
Ás dez horas, o Eduardo tem por costume passar no meu gabinete para mandar a única pessoa de bons gostos musicais existente na empresa desligar o leitor de CDs. Diz que é barulho. Eu respondo-lhe que é “punk-rock” e ele volta a dizer que é barulhento. Desligo então o leitor de CDs.
Segue-se a visita do idiota do Roberto, que por aqui passa para pedir-me café pelas dez e meia. Na primeira vez, dei-lho com muito gosto. Pareceu-me uma pessoa simpática e com dava para falar. Descobri depois que era um ser falso que apenas me vinha pedinchar café todos os dias.
Nunca nenhum projecto meu passou nesta empresa mas sei que todos os meus projectos fazem dinheiro para esta empresa. A única diferença é que quem recebe a comissão pela autoria do projecto é o recentemente promovido a director de Marketing, o André Martins.
Nesta empresa todos se tratam mal. Dificultar a vida aos colegas é a regra. Não têm vida pessoal satisfatória e quem paga são os funcionários com as posições inferiores na hierarquia da organização.
De tarde, sou obrigado a apresentar contas por algo que não fiz. O sacrificado presidente do Departamento de Recursos Humanos dá um sermão aos seus peixes enquanto eu tento perceber do que fala ele. A Leonor, muito sagrada, para os Indianos, por sinal, consegue sempre deixar-me trabalho para fazer cinco minutos antes de eu pretender ir-me embora. Assim sucede mesmo que eu tenha ficado duas horas a perguntar-lhe se havia algo que era preciso concluir.
Ás vezes, resolvem marcar reuniões para a hora do almoço. Comem todos mais cedo e só me avisam na hora. Passo fome até às seis horas da tarde.
Na quinta-feira passada, tomei ímpeto: apresentei ao Ricardo, director do serviço, um programa de gestão que faria o nosso departamento ter mais peso dentro da empresa, ao permitir passarmos a ter acesso a mais recursos e viabilizar o aumento do volume de vendas da empresa em vinte porcento. Como resposta, fui ameaçado de despedimento. O programa vai passar a ser aplicado na empresa no mês que vem, altura em que serei transferido para outro departamento. Provavelmente, “Limpezas”.
Também já tomei a iniciativa de tornar todo o local mais agradável: passei a ser mais educado com todos meus colegas, mais participativo, isto é, tentei quebrar o gelo. Eles vingaram-se mandando a Internet do meu gabinete abaixo, enquanto eu estava ocupado com um importante projecto. Só recebi metade do meu salário nesse mês…
(continua)
José Pedro Cadima

segunda-feira, outubro 08, 2007

"O perfil do candidato"

"Tome-se 250 gramas de bacalhau seco, alho, colorau, azeite e vinagre; desfie-se o bacalhau em pedaços pequenos e polvilhe-se bem com colorau; regue-se de seguida com azeite e vinagre…
Perdão! Tinha na ideia tratar o tema «perfil do candidato» e fugiu-me a esferográfica para a receita das punhetas de bacalhau.
Dizia eu, então, o assunto que me proponho desenvolver nesta crónica é o «perfil do candidato» ou, melhor dizendo, dar uma pequena contribuição metodológica para a questão sempre candente do perfil do candidato ideal; candidato ideal aos mais altos cargos do aparelho de estado mas, também, à liderança de um qualquer partido político ou de uma associação recreativa dos amigos do chinquilho, por exemplo.
Parecendo complexo o processo, é bem simples afinal, como adiante poderão constatar. Tudo está no uso da metodologia adequada. Metodologia, aliás, esta que não apanhará desprevenido quem, labutando num organismo público ou afim, já foi confrontado com a necessidade de abrir concurso de recrutamento de pessoal, impondo-se-lhe, simultaneamente, a obrigação moral de encontrar emprego para uma sobrinha, um afilhado ou outro qualquer aparentado.
Pois bem, a coisa passa-se assim:
1º) tira-se retrato de corpo inteiro do marmanjo ou moçoila que se tem em vista. Convém que seja a cores e o aparelho obedeça aos melhores requisitos em matéria de qualidade de reprodução;
2º) com recurso a material identicamente apropriado, rasura-se o bigode, dá-se-lhe uma tesourada na guedelha, endireita-se-lhe a coluna, eventualmente, veste-se-lhe fato apropriado à função. Pode-se, também, disfarçar a coloração do cabelo e dos olhos e arredondar o formato do nariz;
3º) agita-se tudo muito bem e dá-se-lhe a necessária publicidade, não descurando a oportunidade de uma intervenção na televisão, em horário nobre, ou a convocação de uma conferência de imprensa;
4º) arrebanha-se o primeiro grupo de pacóvios que estejam à mão e encarregam-se os ditos de publicitar o perfil encontrado do candidato.
Aqui está! Tão simples quanto isto. Está encontrado o perfil ideal do candidato para o lugar a preencher.
Obviamente, em razão da relevância do lugar importa fazer crescer o grupo de arregimentados.
Conforme poderá verificar, com um bom uso da metodologia que lhe proponho é bem mais fácil chegar ao perfil do candidato ideal para presidente da agremiação local, para Primeiro-Ministro ou Presidente da Republica e, até mesmo, presidente do PSD."

J. C.

(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/02/18, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sexta-feira, outubro 05, 2007

Fazer da vida uma ideia

Não usarei a minha vida
como se usasse o palco de um teatro.
Recuso-me!
Viver tudo de novo,
repetir gestos, esperanças, desilusões.
Sobretudo, repetir desilusões.
Recuso-me!
Quero viver mais.
Quero descobrir novos caminhos.

Passou-me pela cabeça essa ideia.
Um pensamento, enquanto for pensamento,
não faz mal a ninguém.
É como o fogo:
o que dói é cair nele.

Não usarei a minha vida
como se usasse um palco!

José Pedro Cadima

quarta-feira, outubro 03, 2007

Sobrevivente

De noite
As águas do Cávado não têm cor,
Só ao nascer do dia esta volta
E com ela a coruja do mato
Vem visitar-me

No seu voo borboleteante,
Penetra no jardim da escola

Orgulhosa, disciplinada,
Agarra a sua presa
E rapidamente esgueirada
Se recolhe naquela árvore caducifólia.

De costas,
Asas ligeiramente voltadas para baixo,
Quietando o estado do seu corpo,
Olha a margem do Cávado,
Parece rir
Da confiança...
De ter pousado
Na minha mão.

Sobrevivente, flagela a rã.

Helena, MC

terça-feira, outubro 02, 2007

Escrever algo belo

De costume,
padeço bastante quando escrevo.
Doí-me em razão das emoções que me acodem
e dói-me porque fico com o sentimento
de que é muito mau o que escrevo,
tal qual algo que tivesse sido regurgitado.
Isso sucede-me mesmo quando escrevo bem,
se a modéstia me permite dizê-lo deste modo.
Só muito depois do texto ter sido escrito,
quando está já esquecido,
é que sou capaz de voltar a lê-lo e perceber-lhe a forma.
Então, leio com certo prazer,
e a dúvida maior
de ter sido o seu autor.

José Pedro Cadima

domingo, setembro 30, 2007

Loucura

A multidão cercava o local. Aproximei-me lentamente para ver o que se passava. No cimo de uma varanda, um homem gritava ao seu público:
- Não podem ver!? É a cegueira! Todo o vosso trabalho, todo o vosso sofrer… Para nada! É o que vos digo! Para nada!
A meu ver, aquele era um homem sozinho, alimentando rancor em relação à vida que teve.
- Pensem na vida que tiveram, nas pessoas que amaram, no que elas vos fizeram sofrer. Pensem! Façam de vocês homens e mulheres com algum orgulho!
A multidão olhava-o sem perceber o sentido das suas palavras, sem entender a razão da sua loucura.
Levantou um frango ainda pequeno com uma mão. Ele piou baixinho e as pessoas gritaram e suspiraram. A polícia, em baixo, fazia o homem enervar-se ainda mais, ao mesmo que o povo tentava acalmá-lo. Nunca se havia dado semelhante situação. Eu continuava, no meio do público, a olhar, interessado, tanto para o público como para o homem na sua varanda.
- Este são vocês, cada um de vocês sem excepção alguma!
Empunhava agora o frango no ar, sentia-se na voz dele a esperança de que a multidão o percebesse. Sentia-se também o desespero de uma vida. Que poderia abalar um homem de tal forma? Que poderia magoar alguém até à loucura?
- Aqueles de quem gostamos, demoníacos seres, que nos levam à loucura, que nos criam dependência e nos atraiçoam, tanto antes como depois do desejo... Sim! São eles quem nos mata! – a sua agitação reduziu-se levemente, esperando resposta da multidão. Essa, porém, continuava sem perceber. Não via o sofrimento do velho, não compreendia a sua mensagem.
O pobre homem continuava à espera da atenção que julgava merecer, procurando a resposta da multidão, mas nada. Todos merecemos o reconhecimento do nosso sofrimento, no entanto, no entanto, presumia-se que ninguém se lembrasse do reivindicar.
- Pobre homem, a mulher traiu-o e agora está assim – comentava um outro homem também já com uma certa idade, amigo do que estava na varanda, por certo.
- Este frango – recomeçava o velho da varanda – foi criado com amor e ama aquele que lhe dá a água para beber, aquele que lhe dá o milho para comer… - percebeu-se então um leve suspiro, seguida do trespassar do pescoço do frango por uma faca.
-Não tinha nada que amar! Se fiz com que me amasse foi para vos mostrar que não há que amar seja o que for!
- Triste, é uma sensação triste… - o público revoltava-se. A cena fora desnecessária para aqueles que ainda não a entendiam, que eram quase todos os que a ela assistiam. A complexidade que envolve o sofrimento de quem ama, isso ditava.

José Pedro Cadima

sexta-feira, setembro 28, 2007

Hora da escrita

Certo dia,
comecei a escrever os meus textos
com horas de registo.
Não interessa, não importa
em que dia foi.
Não importa os dias já que são iguais,
um após outro.
Interessa-me sim a hora
porque, assim, lembrar-me-ei
aonde se situava o Sol e a Lua
no momento da escrita,
especialmente da Lua.

José Pedro Cadima

quarta-feira, setembro 26, 2007

Sentimentos mistos

Dói-me um pouco
por todo o lado.
Ninguém diria que vivo
em pleno paraíso, no lugar de Miguel.
Na minha cabeça,
o inferno, o centro da terra.

Chamas que ardem cá fora
em forma de silêncio.
E, por dentro, um vulcão que ameaça explodir
em cinzas e chamas.

Anseio deixar entrar a paz
mas a pressão interior
persiste forte,
no limite da minha capacidade de controlar
as emoções que me assaltam.

José Pedro Cadima

sexta-feira, setembro 21, 2007

Eu senti

Ela chegou. Olhou-me. Terá talvez procurado também o meu olhar. Eu escondi-lho. Se ela o visse, veria demais. Ela sentiu-o. Eu senti-o.
As palavras que saíram de minha boca pareciam ter saído da boca de outro, pareciam ter saído da boca de alguém zangado. Ela procurou resguardar-se daquilo que eu sentia.
As palavras saíram da sua boca, mas as lágrimas antecederam-nas e desceram o seu rosto até, por fim, pinga a pinga, caírem sobre os meus pés mesmo antes da primeira palavra ser dita. Ela sentiu-o. Eu sei que o sentiu.
Eu levantei-me e fiz o que julguei que era apropriado fazer: abracei-a. Fiz de conta que não era aquele alguém zangado que antes parecera. Ela sentiu-o. Eu senti-o.
Ela envolveu-me em seus braços, passando-os por baixo dos meus. Apertou-me com força. Encostámos nossos corpos. Estávamos muito próximos um do outro. Percebê-mo-lo, ela e eu.
Beijei seu pescoço. Cheirei seu cabelo. Apertei-a contra mim, como me habituei e queria fazer e desejei poder fazer para sempre.
Já nos tínhamos sentido assim…
Acariciei a sua cara. Sua pele era mais suave que seda. Acariciou-me também. Sentiu a minha barba, o áspero tocar seus dedos. Sim, já nos tínhamos sentido assim.
Cheguei a sorrir. Cheguei a desenhar muito ao de leve em minha cara um encaracolar de meus lábios nos seus extremos. Percebia-se, agora, na sua face o arrependimento de me ter feito zangar. Ela sentiu-o. Eu senti-o.
Percebi, então, mais uma vez, que estava perante a minha musa. Ela, por contraponto, disse-me que, de todos os seus admiradores, eu seria sempre o seu preferido. Eu acreditei. Ela sentiu-0. Eu senti-o.
Cruzei o meu olhar com o dela. Peguei-a pelos braços, puxei-a mais para mim e dei-lhe um beijo que quis que fosse carinhoso e eterno.

Eu senti-o… Tu sentiste-o?

José Pedro Cadima

Um Beijo

Estão cem pessoas na sala. No entanto, o seu olhar está colocado em mim. Os meus passos percorrem o longo percurso que me leva ao destino. Passa alguém à minha frente mas fica transparente. Consigo ainda vê-la, consigo ainda sentir o seu olhar sobre mim. Não ando; rastejo até ela. Como um caracol, sou lento mas sei que lá vou chegar.
A sua respiração denuncia o seu medo. Apesar de rápida e forte, tenta esconder-se, como um soldado preparado para tudo mas com uma arma apontada à sua cabeça. Eu sou a arma!
O seu olhar e o meu confrontam-se e a cada passo que eu dou na sua direcção ela dá um atrás. Bastaram três passos para ela estar de costas encostadas à parede, três míseros passos para sair do esconderijo e perceber que a arma não a vai matar. O amor é mais forte que o ódio!
Minha cabeça inclina-se para baixo. Ela é mais baixa, mais frágil. Tenho que estar ao seu nível. Tenho de me redimir perante a deusa. Será ela a minha deusa? Agora é a minha respiração que acelera, que sente medo, mas não o escondo. Quero estar com a respiração dela. Quero harmonia!
Morde os lábios. O meu olhar descai-se do seu olhar para os seus lábios. Fui eu que cedi. Apanhado na armadilha de quem tinha medo, afinal sou eu a presa. Ela é a caçadora. Inclino a cabeça para a direita e aproximo meus lábios. Sinto um arrepio.
Nossos olhos semi-cerram-se. No entanto, não paramos de olhar um para o outro. É dos arrepios certamente. Meus braços aproximam-se da sua cintura e, devagar, minhas mãos pousam no seu corpo, como num gesto de baile cuja bailarina quer ser levantada. Mas, no entanto, isso só se faria com os lábios.
Minhas mãos, aos poucos, contornam seu corpo. Uma mão faz o seu corpo contorcer-se enquanto me aproximo para que o meu corpo toque o dela. As suas mãos sobem pelos meus ombros e agarram o meu cabelo com força. Nada as faria largá-lo. Nada!

Ela fecha os olhos. É o momento…

José Pedro Cadima

quinta-feira, setembro 20, 2007

O sabor de uma nova paixão

Em mim, já só sinto amor,
já só sinto paixão.
Em mim, já pressinto o sabor
de uma nova desilusão.

Como se não fosse bastante cruel
este invenerável mundo,
vieste tu com asas de papel,
qual fada de meus sonhos, tocar-me bem fundo.

José Pedro Cadima

terça-feira, setembro 18, 2007

Nestes dias penosos ...

Nestes dias penosos, questiono-me se vale a pena...
Na falta de resposta conclusiva, procuro a mais forte das alienações que conheço: o trabalho; o trabalho esgotante, que não me deixa espaço para que continue a questionar-me sobre o vazio que me assiste.
Mau, mau mesmo são as pausas!

José Cadima

sábado, setembro 15, 2007

Água…

A vida veio da água
e para a água há-de voltar,
nas tristes lágrimas
acabadas de libertar...
No meu ouvido continua a soar o teu "amo-te",
mas é apenas o passado a ecoar.
As lágrimas escorrem, copiosamente, dos meus olhos.

José Pedro Cadima

quinta-feira, setembro 13, 2007

Solto no escuro

Ser solto no escuro, sem lugar para onde ir.
Ter medo de olhar para trás
e saber que também à frente não verá aquilo
que receia não poder alcançar.

Respirar devagar,
escondido no negro de um perigo inexistente.
Ter medo de um nada
que nos arrepia a espinha.

Olhar para um lado e para o outro.
Ter medo de descolar do objecto
com que nos procuramos confundir.
Sentir que ficando quieto ninguém nos apanha,
porque talvez o perigo passe ao lado.

Depois, para fugir,
é preciso ainda mais coragem,
mesmo que seja preciso dar só um passo.
É que o medo do escuro pode correr mais do que nós.

José Pedro Cadima

terça-feira, setembro 11, 2007

Reconhecer

Incapaz de reconhecê-lo,
a confusão instaura-se.
Andava antes à procura de uma saída
e recuso-me agora a sair.

Vendo embora a entrada,
recusava-me na altura a entrar.

Nada disto faz sentido.
Nunca fez sentido.
Era um pensamento condenado.

Agora penso nos teus erros,
enquanto me recuso a acreditar
que alguma vez tenha errado.

Assim se demonstra uma outra vez
quanto o amor é capaz de nos confundir.

José Pedro Cadima

domingo, setembro 09, 2007

A vida é um pecado

Há quem diga que tenho a mania do pessimismo.
Pois bem, dir-vos-ei: sou irónico!
Irónico e não pessimista, pois neste tempo histórico,
quando deito a mão ao meu coração
e tento agarrar a paixão
de viver e te ter a meu lado,
só sou capaz de concluir
que a minha vida sem ti é um pecado.

José Pedro Cadima

quinta-feira, setembro 06, 2007

Vida monótona

Porquê eu?
Porquê todos os dias?
Estarei destinado a ter esta vida
monótona e repetitiva?
Como se fosse um clone,
cada dia parece clonado do dia precedente,
mostrando um sorriso que cobre a minha tristeza,
as minhas mágoas,
os meus choros e o meu tédio.

José Pedro Cadima

terça-feira, setembro 04, 2007

Sabia lá eu ...

Sabia lá eu o que era o amor.
Não desconfiava mesmo o que seria
mergulhar no amor, de corpo inteiro.
Sabia o que eram palavras doces
e isso foi-me bastando.
Nunca imaginei quanto o amor me iria fazer padecer
e questiono-me, agora, se não teria sido melhor
permanecer na ignorância,
caso isso fosse possível.
Sabia o que eram versos
mas imaginei-os cultura da beleza e da forma
e não gritos de amor ferido.
Sabia lá o que era o amor.

José Pedro Cadima

sábado, setembro 01, 2007

Fotografias

Estive a ver fotos tuas,
tentando escrutinar as razões
pelas quais me apaixonei por ti.
Esse percurso levou-me até possiveis definições de beleza
e ao que me pode inspirar sensações de bem-estar.

São múltiplas as definições de beleza
que agora tenho,
tantas quantas as expressões de doçura
que descortinei em cada foto tua
que tenho em minha posse.

É certo que não sei se os traços que aí encontrei
são originariamente teus
ou se foram os meus olhos
que os desenharam no teu rosto,
mas isso pouco importa.

José Pedro Cadima

quinta-feira, agosto 30, 2007

Biografia de um apaixonado

Levei algum tempo a percebê-lo.
Estive a ler poesia
e o que li em tudo se assemelha
à história da minha vida:
porque é que a felicidade
se sugere tão esquiva
a quem só é capaz de pensar a vida
com paixão?

José Pedro Cadima

segunda-feira, agosto 27, 2007

É assim que as coisas da vida são

Há coisas que não programamos,
que acontecem, simplesmente.
Algumas são boas,
outras não desejamos que aconteçam,
cedo ou tarde.
Nalguns casos, boas ou más, sabemos como lidar com elas;
noutros casos nem por isso.
É assim que as coisas da vida são:
por mais que se planeie,
por mais que fujamos dos desencontros da vida,
poucas vezes temos aquilo que desejamos muito,
e, tratando-se de afectos, de amor,
menos seguro é alcançá-los à medida da nossa carência imensa
e ser capaz de conservá-los.
É assim que as coisas da vida são,
para nosso infortúnio.

José Cadima

(adaptado de José Pedro Cadima, Poemas 2004, "As coisa que acontecem")

Apatia

Não tenho apatia.
Na verdade, tudo sinto,
mas engano bem.

É falta de alegria!
Quando se tem quase tudo
o que se ambiciona num certo momento
(noutras alturas, por contraponto,
temos a sensação que tudo nos foge),
não há que mostrá-lo.

José Pedro Cadima

sexta-feira, agosto 24, 2007

quarta-feira, agosto 22, 2007

Escrever

Tornei-me escritor dos meus pensamentos
desde a primeira vez que peguei no lápis.

Aquele “a” nos primeiros tempos da “primária”
mudou o rumo da minha vida.

José Pedro Cadima

segunda-feira, agosto 20, 2007

Minha querida Helena

Escrevo-te esta mensagem esmagado. Estava-o antes, interpretando a rudeza das tuas palavras, e estou-o muito mais agora, após ler a mensagem sofrida, em forma de poema, que me dirigiste.
É bonito o poema. Transpira emoção e dor, a dor que se perceberia mesmo que a tua mão não se sugerisse trémula e as lágrimas não ameaçassem irromper a cada instante, ao escrevê-lo. É bonito o poema, este poema de amor que escreveste para denunciar o nosso amor de sempre, porque existiu mesmo antes de nos encontrarmos, como bem se percebe quando os nossos olhos se cruzam ou quando dávamos as mãos.
Confrontado com as tuas palavras doridas, pergunto-me porque desembocámos neste lugar que não parece ligar com lugar algum e interrogo-me sobre a possibilidade de denunciar uma relação suportada num amor assim. Sobre as emoções não me questiono, porque tenho por seguro que este carinho que nos liga só se esgotará quando a vida se esgotar em nós. Falo por mim, mas pressinto que posso falar por ti.
Porquê meu amor? Porquê?
Disse-te múltiplas vezes que, se o custo de algum conforto de que possas beneficiar fosse perder-te, o aceitaria. De lágrimas nos olhos, reafirmo-to agora, se bem que, minha querida, não seja capaz de te garantir que o consigas, por mais que o mereças. De felicidade não te falo. Felizes foram os breves instantes em que pudemos sonhar juntos. Momentos como esses acontecem, pura e simplesmente.
Parecendo de despedida, esta carta é-o apenas no sentido que digo antes, isto é, de compromisso com a tua procura do sossego, do conforto físico e espiritual que não fui capaz de garantir-te, para minha infelicidade. Nesse sentido, é muito mais um até já, porque permanecerei como o refúgio em que sempre poderás recolher-te e porque conservo à vista aquele pequeno “ajulezo” que me ofereceste em data incerta, em que continua a poder ler-se: “Envelhece comigo, o melhor ainda está para vir”. Os pássaros que aí estão figurados, em que num deles te reconheço, assegura-me que assim será.
Perdoa-me por não ter sabido poupar-te a estes momentos de grande dor. Oxalá a dor da perda te possa soar pequena, na medida inversa da minha. Oxalá, meu amor, este passo que agora te propões dar não te conduza a um novo lugar que não leve a sítio algum.
Recebe um beijo e um grande xicoração deste infeliz que não foi capaz de levar-te a felicidade que não devia ser-te negada.

José Cadima

domingo, agosto 19, 2007

Choro de saudade

Contorço-me, choro,
engulo em seco.
Fecho os olhos e deixo correr as lágrimas.
Nunca senti tanta falta de alguém
como sinto hoje, aqui, só.
E ainda não passaram sequer dois dias desde que partiste...
Mesmo que estivesse acompanhado,
sentir-me-ia só e desolado de igual modo,
já que este vazio que me assola
apenas pode ser preenchido por ti.

José Cadima
(adaptado de José Pedro Cadima, "Faço isto regularmente", Poemas 2004)

sexta-feira, agosto 17, 2007

Escritor sonhador

Contaram-me mil histórias.
Não ouvi nenhuma;
o escritor tinha sido eu.

Os meus sonhos?
Já os conhecia.
Haverá quem tenha lido alguns.
Outros estarão por escrever.

José Pedro Cadima

quarta-feira, agosto 15, 2007

Um futuro ...

A pior coisa do mundo
é acreditar num futuro;
quero dizer, só acreditar,
não lhe dando nem forma nem cor.

José Pedro Cadima

domingo, agosto 12, 2007

Chorar

Só consigo amar-te e chorar,
beijar-te e chorar, acariciar-te e chorar…
Mas, por fim, percebo:
tu estás longe
e a única coisa que eu posso fazer é chorar
de saudade.

José Pedro Cadima

sexta-feira, agosto 10, 2007

Uma realidade real

As histórias estão erradas
(também as dos outros).
Só cada um sabe a (sua) verdade.

Escondida está a realidade.
Não se mostra;
é preferível ser-se falso.

Escondida dos outros,
todos o fazem,
está uma história igual por contar.

Para todos existe uma realidade real,
que é diferente da que se conta.
Todos têm uma vida que é tal como é.

José Pedro Cadima

quarta-feira, agosto 08, 2007

Abraçar-te, qual naufrago

Abraço-te
como me agarro à ideia de depender de algo exterior.
Será esse, talvez, o consagrar da minha ruína.

Faço-o do mesmo modo que outros se entregam à sua fé.
Fica-me a esperança
que os meus medos mais profundos se não confirmem
e tu sejas mesmo só a doçura
que aparentas ser
e que me induz a abraçar-te,
qual naufrago.

José Pedro Cadima

domingo, agosto 05, 2007

Relógio do amor

Tic-tac, tic-tac,
pequeno som que faz o relógio,
pequena máquina de destruição
que me destrói por dentro,
pois és tu que me dizes
há quanto tempo estou sem ela,
sem a minha musa,
sem o meu amor,
sem o meu tudo.

Se tens pena de mim,
faz-me um favor, um pequeno favor:
pára quando eu com ela estiver.
Pára para toda a eternidade.

José Pedro Cadima

sexta-feira, agosto 03, 2007

Sementes

As sementes da humanidade
são, pois claro, os olhos.
Plantamos olhares
e depois colhemos os frutos.

José Pedro Cadima

quarta-feira, agosto 01, 2007

Sentimentos

Nunca conheci a felicidade.
Também não lhe chamo tristeza.
Fico-me pelo tédio;
mas que é uma miséria de tédio, isso é!

José Pedro Cadima

domingo, julho 29, 2007

Riu-se de mim

Passou-me por cima;
não me viu.
- Pisei-te? Desculpa…
(Era a segunda vez).
Não se pôde conter;
riu-se de mim;
riu-se das palavras ocas,
dos sentimentos que fingia profundos;
riu-se de como me traía.

José Pedro Cadima

sexta-feira, julho 27, 2007

A Lua

Para onde foi a lua
que me passeou,
que me iluminou o espírito?

Terá ido, porventura, passear outro alguém,
encontrar-lhe um caminho
e, quem sabe, …
provocar também nele
saudades daquele passeio que fizemos juntos,
eu, a lua e tu.

José Pedro Cadima

quarta-feira, julho 25, 2007

Pérfido

Destituída minha alma,
ficou um vazio
que me penaliza mais a mim que aos outros.
Nenhum clarão me invade,
mas também nada me detém.
Fico um passo à frente.

Porque se dantes tudo era mentira,
agora também o é…
mas, agora, é-o
porque estou um passo à frente da verdade.

José Pedro Cadima

segunda-feira, julho 23, 2007

Outono…

As folhas têm tantas cores
e caem tão depressa…
Noutra estação,
vi-as cair mais devagar.
Talvez a gravidade
ache estas mais bonitas…

José Pedro Cadima

sexta-feira, julho 20, 2007

Também já tive catorze anos

"Prefácio
Podendo sugerir-se irónico assim dito, di-lo-ei na mesma: também já tive catorze anos; também já escrevi poemas. Se calhar, ocasionalmente, ainda os escrevo. Serão, todavia, mais amargos que os que escrevi então, cujo rasto perdi.
Sei de quem não os escreveu porque, simplesmente, nunca chegou aos catorze anos. A tristeza que me assiste hoje vai buscar muito do seu fundamento a essa história infeliz. Importa, entretanto, celebrar a vida. Essa oferece-se-me a forma mais nobre de honrar os nossos mortos, como suas memórias vivas que somos.
Como recusar então dar forma a um sonho? Como não me reconhecer no jovem que tem um projecto? O projecto de escrever poesia, de escrever um livro; muitos sonhos para o futuro (e, mesmo, já algumas desilusões - aos catorze anos).
Reflectindo sobre os termos da resposta a dar, buscando a ironia de que às vezes sou capaz, ocasionalmente ocorreu-me a trilogia popular do livro, da árvore e do filho. A permanecer próprio dos tempos que correm este conceito de realização pessoal, oferecia-se-me clara a precocidade do meu filho. Descansava-me, todavia, a pouca apetência que este vem revelando pelas práticas de jardinagem. Como dizer não a um projecto tão bonito na sua inocência, na manifestação de ousadia e de sentimento, de vida que transporta?
Não havia, de facto, forma de recusar a cumplicidade com este projecto. Isso mo disse, desde o primeiro momento, uma poetisa, de corpo inteiro, que por viver a poesia tão intensamente não é mais capaz de viver o quotidiano que a vida nos reserva, quase sempre tristonho e mesquinho; quer dizer, insensível à dor dos que sofrem em silêncio, dos que escolheram celebrar o amor em vez de tantas outras coisas que se celebram por aí nas curvas e esquinas da nossa sociedade, que não sei se classificar de pós-moderna ou “gótica”.
Sobre a obra, em concreto, direi que é um trabalho cuja leitura e revisão de textos ora se me sugeriram gratificantes ora me foram penosas. A penosidade não relevou do esforço, em si, mas dos conteúdos com que fui deparando, demasiado sofridos, denunciando uma violência de sentimentos que me surpreendeu. Sobretudo, na dimensão desesperança da mensagem. Reparem: são só catorze anos; catorze anos de uma vida a que eu fui sempre dando o amparo que fui capaz. Podia ter sido mais, consinto, mas eu, que o não tive maior, não me recordo de ter escrito mensagens de tamanha mágoa e desapontamento, nessa idade. Os tempos são outros, sem dúvida, e talvez daí venha a diferença entre duas personalidades íntimas que eu pressinto tão próximas. É bem certo que, nessa idade, eu não tinha ainda uma namorada, no sentido comum do termo, pese embora as Helenas que se foram cruzando na minha vida. Teria sido mais feliz se a tivesse, especulo eu agora. Mas as Helenas sempre me foram esquivas. E quanto eu as amei!
Também eu escrevi poemas, sabem!? Talvez ainda escreva, mas já não canto a vida como usava cantar. Exprimem a mesma carência de amor. Isso é certo!

Braga, 9 de Agosto de 2004"

José Cadima
(reprodução do Prefácio do livro "Poemas ou um grito de vida", de José Pedro Cadima; edição de autor, Braga, 2004)

segunda-feira, julho 16, 2007

Raios de sol

Abriste as janelas.
Entraram múltiplos raios de sol;
tantos quanto os homens da tua vida,
mas até estes irradiavam mais calor.

José Pedro Cadima

sábado, julho 14, 2007

Mudança de ares

De sorriso na cara,
com o meu livro na mão,
estou eufórico,
transbordo alegria.
Milhares de palavras
tenho escrito,
dando expressão do que sinto,
dando notícia de tudo
que me falta.

José Pedro Cadima

quinta-feira, julho 12, 2007

Figura feminina

Olha para ti…
Olha para a tua figura feminina!
As curvas…
A estrutura…
Ainda questionas a incontornável expressividade
do teu corpo de mulher?
Eu acho-te perfeita!

José Pedro Cadima

segunda-feira, julho 09, 2007

Segredo melancólico

Sendo eu um indivíduo melancólico, talvez agora não o seja tanto como já fui.
Fui um ser mais melancólico, capaz de chorar pelos cantos que nem um chorão, mas nunca deixei que alguém visse: escondia cada lágrima para depois a atirar à cara daqueles que, olhando-me ao longe, se questionavam sobre o que sentia.
Não lhes dei o prazer de ver uma lágrima que fosse, mas satisfaço-lhes agora a vontade de saberem se chorava em silêncio.

José Pedro Cadima

sábado, julho 07, 2007

quarta-feira, julho 04, 2007

Inspiração vinda de ti

A inspiração bate em mim
como o vento.
Levanta, até, folhas
à minha volta.
A inspiração bate em mim
e levanta folhas
com poemas de amor que eu teria escrito
se tu fosses minha.

José Pedro Cadima

segunda-feira, julho 02, 2007

domingo, julho 01, 2007

Luz…

Luz da minha paixão,
desce do céu,
vem iluminar meu coração,
sufoca-me com beijos,
enche-me de desejos.
Ah luz como és bela!
Quão reconfortante é olhar para ti.
Apetece-me abraçar-te, beijar-te,
deixar-te penetrar meu coração.
Não sei, no entanto, se não me cegarias
de ilusão.

José Pedro Cadima

quinta-feira, junho 28, 2007

Adorar e não adorar

Vi uns poucos, em acto de adoração,
a chamar de rei e senhor
a alguém em que apenas reconheci um homem comum.
Porquê esta necessidade de encontrar alguém a quem idolatrar?
Porquê esta necessidade de alguém que os guie?
Não saberão eles guiar-se a si próprios?
Sentir-se-ão fracos ou é essa postura que os torna fracos?
Eu? Nunca fui de adorações!

José Pedro Cadima

terça-feira, junho 26, 2007

O meu amor por ti

Se o meu amor por ti
fosse o responsável pelo girar dos planetas,
um ano duraria menos que um segundo.

Se o meu amor por ti
fosse aquilo que alimenta a luz das estrelas,
seria sempre dia.

Se o meu amor por ti
se exprimisse apenas por palavras,
então este poema não teria fim.

José Pedro Cadima

domingo, junho 24, 2007

O caminho do conhecimento

Conhecimento é riqueza.
Cada caminho percorrido
é algo mais que conhecemos,
que é suposto deixar-nos mais ricos.

Cada pessoa, cada opinião
dão-nos uma força diferente.
Nem sempre temos as que precisamos;
as que necessitamos, temos que procurar por elas!

Cada experiência acrescenta riqueza,
se bem que haja quem a encontre sem procurar por ela.
Eu preciso de ajuda para fazer o meu caminho.
Serás tu capaz de me ajudar a encontrá-lo?

José Pedro Cadima

sexta-feira, junho 22, 2007

A tua companhia

Sinto-me sozinho
e com falta de carinho.
Só a tua companhia
me acalmaria
e me faria sentir o carinho
que tanta falta me faz.
Por isso, anseio estar contigo;
por isso, anseio reencontrar-te
para me reencontrar.

José Pedro Cadima

quinta-feira, junho 21, 2007

Amores deste dia

A água quente está em falta.
Tenho as cuecas favoritas por lavar.
O pão da manhã estava frio
e, pior ainda, tinha chovido e estava molhado.
Morreu-me o cão!
Não me fujas tu também,
senão perco amores a mais, num dia…

José Pedro Cadima

segunda-feira, junho 18, 2007

Pensei que existisse!

Pensei que existisse.
Cheguei a ver em mim alguém.
Subitamente, percebi que não o era,
estava longe do ser;
o sentimento que de ti vinha
era mais por ele do que por mim. Não era?
Quis o demónio dar-me esta penitência
para ver quanto aguentava eu
sem renunciar à minha crença no amor.
Viverei, também eu, para lá dos cem anos?
Às vezes penso que sou inútil,
outras vezes aceito o facto…
Pensei que existisse.
Cheguei a ver em mim alguém.

José Pedro Cadima

sábado, junho 16, 2007

O amanhã de amanhã

Deito-me ainda com lágrimas.
Tento esquecer o meu dia
e procurar que o amanhã seja diferente,
seja melhor.
Mas nunca o é,
e, amanhã, irei, com lágrimas nos olhos,
pedir que o amanhã de amanhã
seja melhor do que o de hoje.

José Pedro Cadima

quinta-feira, junho 14, 2007

Os sonhos

Quando se tem muitos sonhos,
há que esperar ter muitas desilusões.
Onde eles se formam
crescem flores que as desilusões
fazem murchar.
Os rios dos sonhadores
são coloridos de vermelho:
o vermelho do sangue
de um coração ferido.

José Pedro Cadima

terça-feira, junho 12, 2007

Vejo-o em teus olhos

Em teus olhos vejo
a próxima resposta.
Nem precisas de falar;
já está tudo dito!

Vejo o que estás a sentir.
Sei-o até melhor que tu.
Vejo o que estás a pensar.
Incrível não é?

Dói-me ver a tua resposta,
e fico com medo de perguntar.
Dói-me saber em quem tu pensas;
dói-me saber que não é em mim.

José Pedro Cadima

domingo, junho 10, 2007

A minha explosão

Estoiro só mais uma vez.
Já estava farto de ter tanta coisa dentro de mim.
Destruo tudo à minha passagem,
como uma ogiva nuclear.
Caio em mim e expludo.
Uma nuvem de poeira faço
e tudo em minha volta desfaço.

José Pedro Cadima

sexta-feira, junho 08, 2007

Amor, mas não por mim

O mal-estar aproxima-se.
Apresenta-se mais forte que um vendaval.
Até as lágrimas se escondem.
Os momentos, esses, não valem nada,
pelo menos os meus.
És tu que me fazes sentir mal.
Falas de amor, mas não será por mim.
O mal-estar aproxima-se, célere.

José Pedro Cadima

quarta-feira, junho 06, 2007

Corre para mim!

Uma lágrima, duas lágrimas;
a luz, vejo a luz, ouço a tua voz
e o coração bate mais rápido.
É a felicidade a correr para mim!

Às vezes, sempre, preciso disto,
preciso sentir cá dentro algo,
algo grande e forte.
É a evidência, o sinal, de que o amor está de volta.

Penso, então, que a felicidade
volta a chamar por mim.
Aqui chegado, não dá mais para fugir.
Há que ir em frente, de coração aberto.

José Pedro Cadima

segunda-feira, junho 04, 2007

sexta-feira, junho 01, 2007

Descrença

Quem passa fome, tem fé,
fé num futuro melhor, num deus que o ajude.
Quem está à beira da morte, tem esperança,
esperança que deus lhe providencie saúde ou o céu.

Mas eu não tenho fé, não tenho fome,
nem vejo ao longe a morte;
não tenho fome mas preferia ter ou perscrutar a morte,
a ver-te nos braços de outro.

Não imaginas como, nessa altura, quis ser crente,
quis sentir fome, sentir a morte ceifar-me
e ter esperança de ir para outro lugar, para um lugar melhor.
Mas não, não me restou senão ver-te nos braços de outro.

José Pedro Cadima

quarta-feira, maio 30, 2007

Preciso de ti

Tinha eu tantos planos,
planos para toda a eternidade,
mas parece que tudo acaba amanhã.

Tenho tanto medo disso.
Tenho medo de,
quanto mais me aproxime de ti,
mais tu me faças chorar.

Preciso ouvir-te dizer que me amas.
Sei que é mentira
mas, mesmo assim, anseio as tuas palavras.

Preciso que o digas;
preciso que mo faças acreditar.
Preciso que me mintas,
como se da mais imaculada verdade se tratasse.

José Pedro Cadima

segunda-feira, maio 28, 2007

O Porto

Neste rio de água suja
dos crimes humanos,
vejo uma cidade de prédios velhos
ou de monumentos?
Neste rio, vejo uma cidade de pedra já podre
ou serão, apenas, os meus olhos a vê-la assim?
Pode dizer-se que é antiga
ou será mais uma velharia de um país velho,
que já foi grande
e agora é pequeno
e velho, como esta cidade?

José Pedro Cadima

sábado, maio 26, 2007

As quatro estações do ano

Tu és como as quatro estações:
és a minha branca
e linda neve do Inverno;
és a minha suave
e virgem flor de Primavera;
és o meu doce
e suculento fruto de Verão;
és o meu belo
e magnifico pôr-do-sol de Outono.

José Pedro Cadima

quinta-feira, maio 24, 2007

Um namoro de Abril

Foi dia dois de Abril,
porque tudo antes era mentira
ou desejava eu que fosse.

Foi dia dois de Abril,
porque eu te desejei
e tu me disseste que me desejavas mais, ainda.

Foi dia dois de Abril,
porque depois seria demasiado tarde,
que te fiz jura de amor eterno.

Foi dia dois de Abril,
porque tu assim quiseste
e eu loucamente desejei este namoro.

José Pedro Cadima

terça-feira, maio 22, 2007

O meu coração

Se me perguntarem
quem é que em mim manda,
responderei apenas “o meu coração”,
pois é ele e só ele
que escolhe quem amo.

José Pedro Cadima

domingo, maio 20, 2007

Gritei

Eu gritei, não ouviste?

Fizeste-me apenas ruído de mosca.
Quem me dera ser importante.

Pisaste-me, passaste-me por cima,
sobrepuseste o teu querer ao meu
(o meu sempre foi melhor, não duvides)
e, agora, como uma criança
imatura e com remorso,
questionas-me sobre o que quero.

Quem me dera ser importante para ti!

José Pedro Cadima

quinta-feira, maio 17, 2007

Podias ter tido a lua

A lua cheia acordou mais cedo
e a primavera correu para chegar a tempo
mas, mesmo assim, foi tarde:
quando chegou, já tu tinhas destruído tudo.

Para trás pouco ficou.
Eu gostava tanto, mas tanto de ti
que o que ficou foi um pouco de muito,
desse muito que, sendo tão pouco,
era, mesmo assim, demasiado.

Agora, tenho pouco para te dar;
agora, apenas como namorado me podes ter.
Podias ter-me tido como escravo, adepto e fanático.
Podias ter-me tido como teu adorador, dedicado e carinhoso.
Podias ter tido a lua, o sol e, até, o meu amor!

A lua cheia acordou mais cedo
e a primavera correu para chegar a tempo
mas, mesmo assim, foi tarde:
agora, tenho pouco para te dar!

José Pedro Cadima

terça-feira, maio 15, 2007

O tempo

Houve tempos em que o tempo
passava para de comer nos dar.
Passava do frio para o calor,
do calor para o frio, sempre a variar.

Havia alturas em que o tempo
passava para matar ou curar;
passava devagar, para nos ver sofrer.
É sádico, o tempo, o nosso tempo.

Houve tempos em o tempo saltitava.
Ás vezes, chegava até o tempo do amor.
Esclareça-se: não era o tempo que amava!

Agora, o tempo passa sem razão;
quer dizer, passa por passar,
dá passos em frente sem saber por onde caminhar.

José Pedro Cadima

domingo, maio 13, 2007

A vida pára

Não há nada que eu te possa dizer
para que te sintas melhor.
E seria estúpido dizer-te
que a vida continua,
pois tu sabes tão bem como eu
que a vida pára
naquele exacto momento
em que se deixa de amar alguém.

José Pedro Cadima

sábado, maio 12, 2007

O raiar do sol (2)

Cheguei à rua, irado com a vida, com as minhas escolhas, com as escolhas dos outros. Tinham sido feitos estragos na minha pessoa, no meu orgulho e coração.
- Toma atenção!
Não tomei, fingi não ouvir. As manchas de dor estragavam a camisa branca reflectora daquilo que não era digno. Eu não era digno.
Tombei por fim a cabeça para traz, aproveitando o sol que raiava.
- Vejo que te decides por fim a ouvir-me!
- Desde que me tires estas ideias da cabeça, ouço-te sempre que quiseres.
- Muito bem. Cumprirás essa promessa?
- E porque não?
- Está feito! Virás ouvir a minha mensagem de tempos a tempos, e verás que te faço sentir melhor – disse o sol raiando de felicidade.
- Que tal começar já hoje?
- As pessoas olham o chão – e começou, sem dizer se ia realmente começar. Sem explicação, começou de imediato embalado em minha pressa – cada uma delas preocupada com uma pedra, com o padrão dela.
“Olham uma flor e vêem o insecto que se alimenta dela. Faz-lhes nojo… e pena: nojo de ter um insecto a tocar-lhe, dai a nossa reticência em tocar-lhe, até mesmo quando o insecto já saiu; pena pela falta de escolha da flor que se viu obrigada àquela associação quando uma imatura semente se decidiu cair ali.”
Olhei o sol. Queimaram-se-me os olhos.
- Presta atenção ao que digo mas não ao que sou. O mesmo não deverás fazer com os que te rodeiam. Continuando a mensagem de hoje, podem até tocar na flor, acariciá-la, mas parecem-me piores que insectos. Tiram-lhe toda a vida ao arrancá-la, de uma só vez.
- A tua mensagem parece-me mais um julgamento!
- E é... Mas não passa de uma introdução, de um discurso entre o bem e o mal. Uma análise às más decisões. Todos temos que saber distinguir para, por fim, percebermos a individualidade de cada escolha. Como a da própria mensagem que te transmito aqui.
- Sol... Raia-me apenas silêncio na face!
José Pedro Cadima
(16 de Abril de 2007)

sexta-feira, maio 11, 2007

Tu e eu

Teu contacto era tão distante,
tuas palavras, afónicas,
teu toque, inexistente…

Meu pensamento, frustrado,
minhas lágrimas, dolorosas,
meu sentimento, tristeza…

Tu e eu!

José Pedro Cadima

quarta-feira, maio 09, 2007

A parede não chora

Não me encosto em ninguém.
Encosto-me à fria parede,
que me ensinou tudo o que sei.

Mas desonro seus ensinamentos
já que a parede não chora,
enquanto eu me desfaço em lágrimas.

Com ela, tudo aprendi:
a ignorar a passagem do tempo;
a achar o frio agradável.

Quero ser uma parede,
uma parede grande,
para que se encostem em mim,
e eu… em ninguém!

José Pedro Cadima

segunda-feira, maio 07, 2007

Choro o que tenho que chorar

Por momentos,
apago-me do mundo.
Não choro muito,
nem choro pouco.
Choro só o que tenho que chorar.

José Pedro Cadima

sábado, maio 05, 2007

O homenzinho cor-de-rosa

Existia um homenzinho cor-de-rosa
que reflectia uma luz esplendorosa.
Na medicina, do cancro achou a cura.
Na pastelaria, deu nome à doçura.

Um dia, encontrou o amor.
Ela era comparável à mais bela flor.
Então, a mais bela flor ele foi procurar;
no bosque mais escuro foi penetrar.

Enfrentou árvores monstruosas,
esquivou-se do maior gigante,
enganou bruxas horrorosas,
e saiu de lá com a flor, triunfante.

A ela lhe deu a flor, única e bela.
A flor era quase tão deslumbrante quanto ela.
Mas ela rejeitou-a, e no chão a flor caiu
e, desse gesto, o coração do homem se partiu…

José Pedro Cadima

quinta-feira, maio 03, 2007

Os deuses

Chorei toda a noite,
e hoje chove.

Incrível o que fazem os deuses
para que não me sinta só!

José Pedro Cadima

segunda-feira, abril 30, 2007

Momentos rosa

Momentos rosa,
pores-do-sol amarelos
e arco-íris brancos…
Onde se escondem?

As abelhas nas flores os procuram,
as toupeiras no solo
e as baleias no fundo do oceano.
O homem? Esse procura-os na lua…

José Pedro Cadima

sábado, abril 28, 2007

Não te sou nada

Eu a ti, não te sou nada;
nem amor, nem desconhecido,
nem ódio, nem amigo…
Eu a ti, não te faço chorar;
não sou chuva, nem neve,
não sou o dia, nem a noite.
Eu a ti, não te faço feliz;
não sou hábito, nem vicio,
não sou encontrado, nem procurado.
Eu a ti, não te sou nada,
nem o mais suave tocar de teus lábios…

José Pedro Cadima

quinta-feira, abril 26, 2007

Havia algo

Havia algo de errado:
era apenas o erro…
Havia algo de certo:
era apenas o sentimento…
Havia algo de fantástico:
eras tu!

José Pedro Cadima

terça-feira, abril 24, 2007

Estrelas no céu

Olha as estrelas no céu!
Parecem-me ser cada vez menos.

Serão elas os nossos sonhos?

José Pedro Cadima

Um certo mundo

Num mundo descoberto
por todos nós,
cada um descobre-o
à sua maneira.

Para uma honra
pouco vista,
com papel ou guitarra,
é necessária alma de artista.

Paradoxal que pareça,
se uma beleza
nos deixa quase sem fala,
é por ela que se chora e grita.

José Pedro Cadima

domingo, abril 22, 2007

Somos todos o mesmo

Somos todos o mesmo:
o mesmo sangue,
a mesma ideia.

Somos todos o mesmo:
o que aprende,
o que ensina.

Somos todos o mesmo:
o que sofre, o que chora;
o que desilude, o que ignora.
Somos todos o mesmo!

José Pedro Cadima

sexta-feira, abril 20, 2007

Exercício de escrita: o raiar do Sol

Em muitos momentos da minha vida fui levado a fazer “exercícios de escrita”. Primeiramente, para aprender a escrever; mais tarde, para dar sentido àquilo que escrevia. Depois do primeiro passo, aprende-se a andar, e na escrita acontece o mesmo. Fiz exercícios de escrita para me corrigir e aperfeiçoar; fi-los no sentido de me divertir. Cheguei a escrever para não deixar crescer desespero em mim.
Chegou a Primavera. Está sem sol e depressa o excesso de tempo livre da Páscoa me deu tempo para pensar e gerar ideias que, por sua vez, me fizeram desesperar. Recorri ao meu exterior, reordenei as ideias e continuei apoiado por algo que não era eu. Precisava de um exercício de escrita, mas algo novo. Fartara-me daquilo que eu no passado fazia: das desculpas momentâneas; das soluções temporárias.
Deu-se-me um furo no hórario escolar e aproveitei para ler (de novo o exterior). Fiz, então, um intervalo para o pensamento, o mesmo que me tinha feito desesperar, e fui para a rua. O sol raiava-me na cara. Sentindo assim os raios, veio-me à cabeça um novo impulso, ainda que narcisista.O sol transmitia-me paz, desejo de paz. O presente é de agora para a frente. O agora é tudo o mais que se possa controlar. O passado é o incontrolável. O futuro, aquilo que não deixamos escapar.
A mensagem só me chegou a mim. Provavelmente, não terá chegado aos outros em razão de simples falta de atenção. Sim, à minha volta ou do outro lado do mundo, estavam todos agarrados a circunstâncias fortuítas. Em nenhum caso, com a excepção do meu, a atenção se dirigiu para o imenso e belo sol que se decidiu a raiar-me com a sua mensagem.
Proponho então a todos os leitores (se, porventura, houver algum), que sigam o meu exercício de escrita, lendo, olhando, ouvindo, cheirando, tocando. Ficam também a saber que este exercício não está destinado a ter um fim (nem todos os textos precisam de um), pois só publicarei um quando tiver o seguinte completo, e assim sucessivamente.
O leitor terá de se ficar pelo penúltimo e fechá-lo com a própria visão de tudo o que ler. Eu farei o mesmo.

José Pedro Cadima

quarta-feira, abril 18, 2007

Odeio-te!

O mais belo poema que alguma vez fiz
procurava a perfeição.
Este que escrevo agora
foi inspirado na tua rejeição.

Uma vez (ou mesmo muitas)
disseram-me (como toda a gente costuma dizer)
que um poema é algo
para mostrar os sentimentos...
Pois bem, aqui está o meu poema:
odeio-te!

José Pedro Cadima

segunda-feira, abril 16, 2007

Lábios no cabelo

No cabelo estão as mãos;
nos olhares, os olhares;
nos lábios, os lábios.
Há beijos para dar.

É assim que deve ser.
É assim que se deve conservar.
Arde em mim
uma paixão.

Arde em mim uma paixão
que me faz beijar teus olhares,
que me faz com os lábios tocar teu cabelo;
uma paixão que me faz ter medo
de aproximar as minhas mãos do teu corpo.

José Pedro Cadima

domingo, abril 15, 2007

Onde se esconde o amor?

Como um tiro,
furou meu peito
e meu coração.

Como uma lança,
trespassou-me,
decepando a fonte da minha inspiração.

Como um machado,
cortou uma artéria
que bombeia o meu sangue.

Como um canibal,
comeu o sentimento
que se esconde no último verso de cada terceto.

José Pedro Cadima

quinta-feira, abril 12, 2007

Chamam-lhes histórias

Dizem eles que são histórias,
mas eu vi-a gerar uma luz na tempestade.
No solo, essa luz criou vida;
no céu, essa luz criou liberdade.

Dizem eles que são histórias,
mas eu vi-a! Como vejo escrever,
eu vi-a! Olhei para ela até doer.
Ainda dói, mas são saudades.

Dizem eles que são histórias,
e ninguém em mim acredita.
Fundam-se em velhas glórias.
Seja a sorte maldita!

Teimam eles serem histórias,
mas aquela luz era bela
e com ela vinha a mais bela donzela,
que até a lua fazia derreter.

Não! Não são histórias.
São desejos… São fantasias.
Mas havia luz.
Eram meus olhos a brilhar!

José Pedro Cadima

terça-feira, abril 10, 2007

Proibi-me de te amar

Sei que não te posso ter
mas...
Queres também proibir-me
de ter ciúmes?
Não podes!
Eu próprio me proibi
de te amar
e nada consegui...

José Pedro Cadima

sexta-feira, abril 06, 2007

Ódio que te sente

Ocasionalmente lembro-me de datar
aquilo que escrevo,
só para manter bem presente
aquilo que sinto.

Não há ódio
tão forte como o do presente,
o que te possui, o que te sente,
pois, em se tratando de ódio,
tu não sentes nada.

José Pedro Cadima