“A semana de 10 a 16 de Outubro foi dominada, em termos informativos, pela negociação do acordo de concertação social para o próximo ano, entre o governo e os parceiros sociais.
Estava-se na véspera da apresentação do orçamento de Estado para 1995 na Assembleia da Républica e o governo entrevia nesse acordo a oportunidade de recuperar algum fôlego, após alguns percalços dos últimos meses. A um ano das eleições legislativas, um acordo em matéria salarial era, também, meio caminho andado para a vitória eleitoral.
Contava para isso, como vem sendo usual, com a cooperação do patronato e do Sr. Torres Couto. Uns e outros, CIP e UGT, encenariam amuos, proclamariam o radicalismo das outras partes mas, no último minuto antes da ruptura, lá assinariam. Prevaleceriam os interesses dos portugueses.
Obviamente, o PSD e o Prof. Cavaco Silva tinham justificação para estarem confiantes que isso pudesse voltar a suceder este ano. Afinal, o Sr. Torres Couto era (é) um verdadeiro patriota. E, mesmo que não fora, era certo que os 4 ou 5% em questão não acrescentariam nada ao bem-estar material dos Srs. Ferraz da Costa e Torres Couto. Que se saiba, o segundo é mesmo deputado europeu, e portanto pago por Bruxelas.
Escutando os comentadores, desde o primeiro dia da semana se entendia a inevitabilidade do desenlace: não era inquestionável que 3,5% eram mais que 0% (os tais com que o governo presenteara os funcionários públicos no ano de 1994)? Não era verdade que a inflação estava a baixar e as expectativas mais pessimistas para o próximo ano se quedavam pelos 4,5%? De tão óbvio que era, colocar a hipótese do desacordo cheirava a heresia, quer dizer, coisa forjada pelos inimigos da democracia e do bem-estar dos trabalhadores.
Assim era, tanto mais que se anunciou o aligeiramento da carga fiscal, a nível de imposto de selo e descontos para a segurança social (a subida igualmente anunciada na taxa do IVA não era relevante para o caso, pois aquele imposto é aplicado no momento do uso dos rendimentos e não no da sua angariação, e existe mais mérito na poupança que no consumo).
Pois bem, contra toda a racionalidade, ao arrepio de toda a razoabilidade assistiram os portugueses no termo da semana em causa, já na noite de Sábado, 15 de Outubro, à divulgação de que o almejado acordo não fora conseguido.
Inacreditável! E os portugueses, empresários e trabalhadores assalariados, como iriam (irão) eles poder entender que os seus interesses tivessem (tenham) sido menosprezados?
Como diz o povo, e é bem certo, lá virá o dia em que os culpados terão a paga merecida. Entretanto, enquanto isso não sucede, parece razoável que sejam os pobres a pagar a crise.”
J. C.
Estava-se na véspera da apresentação do orçamento de Estado para 1995 na Assembleia da Républica e o governo entrevia nesse acordo a oportunidade de recuperar algum fôlego, após alguns percalços dos últimos meses. A um ano das eleições legislativas, um acordo em matéria salarial era, também, meio caminho andado para a vitória eleitoral.
Contava para isso, como vem sendo usual, com a cooperação do patronato e do Sr. Torres Couto. Uns e outros, CIP e UGT, encenariam amuos, proclamariam o radicalismo das outras partes mas, no último minuto antes da ruptura, lá assinariam. Prevaleceriam os interesses dos portugueses.
Obviamente, o PSD e o Prof. Cavaco Silva tinham justificação para estarem confiantes que isso pudesse voltar a suceder este ano. Afinal, o Sr. Torres Couto era (é) um verdadeiro patriota. E, mesmo que não fora, era certo que os 4 ou 5% em questão não acrescentariam nada ao bem-estar material dos Srs. Ferraz da Costa e Torres Couto. Que se saiba, o segundo é mesmo deputado europeu, e portanto pago por Bruxelas.
Escutando os comentadores, desde o primeiro dia da semana se entendia a inevitabilidade do desenlace: não era inquestionável que 3,5% eram mais que 0% (os tais com que o governo presenteara os funcionários públicos no ano de 1994)? Não era verdade que a inflação estava a baixar e as expectativas mais pessimistas para o próximo ano se quedavam pelos 4,5%? De tão óbvio que era, colocar a hipótese do desacordo cheirava a heresia, quer dizer, coisa forjada pelos inimigos da democracia e do bem-estar dos trabalhadores.
Assim era, tanto mais que se anunciou o aligeiramento da carga fiscal, a nível de imposto de selo e descontos para a segurança social (a subida igualmente anunciada na taxa do IVA não era relevante para o caso, pois aquele imposto é aplicado no momento do uso dos rendimentos e não no da sua angariação, e existe mais mérito na poupança que no consumo).
Pois bem, contra toda a racionalidade, ao arrepio de toda a razoabilidade assistiram os portugueses no termo da semana em causa, já na noite de Sábado, 15 de Outubro, à divulgação de que o almejado acordo não fora conseguido.
Inacreditável! E os portugueses, empresários e trabalhadores assalariados, como iriam (irão) eles poder entender que os seus interesses tivessem (tenham) sido menosprezados?
Como diz o povo, e é bem certo, lá virá o dia em que os culpados terão a paga merecida. Entretanto, enquanto isso não sucede, parece razoável que sejam os pobres a pagar a crise.”
J. C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 94/11/05, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)
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