quinta-feira, agosto 30, 2007

Biografia de um apaixonado

Levei algum tempo a percebê-lo.
Estive a ler poesia
e o que li em tudo se assemelha
à história da minha vida:
porque é que a felicidade
se sugere tão esquiva
a quem só é capaz de pensar a vida
com paixão?

José Pedro Cadima

segunda-feira, agosto 27, 2007

É assim que as coisas da vida são

Há coisas que não programamos,
que acontecem, simplesmente.
Algumas são boas,
outras não desejamos que aconteçam,
cedo ou tarde.
Nalguns casos, boas ou más, sabemos como lidar com elas;
noutros casos nem por isso.
É assim que as coisas da vida são:
por mais que se planeie,
por mais que fujamos dos desencontros da vida,
poucas vezes temos aquilo que desejamos muito,
e, tratando-se de afectos, de amor,
menos seguro é alcançá-los à medida da nossa carência imensa
e ser capaz de conservá-los.
É assim que as coisas da vida são,
para nosso infortúnio.

José Cadima

(adaptado de José Pedro Cadima, Poemas 2004, "As coisa que acontecem")

Apatia

Não tenho apatia.
Na verdade, tudo sinto,
mas engano bem.

É falta de alegria!
Quando se tem quase tudo
o que se ambiciona num certo momento
(noutras alturas, por contraponto,
temos a sensação que tudo nos foge),
não há que mostrá-lo.

José Pedro Cadima

sexta-feira, agosto 24, 2007

quarta-feira, agosto 22, 2007

Escrever

Tornei-me escritor dos meus pensamentos
desde a primeira vez que peguei no lápis.

Aquele “a” nos primeiros tempos da “primária”
mudou o rumo da minha vida.

José Pedro Cadima

segunda-feira, agosto 20, 2007

Minha querida Helena

Escrevo-te esta mensagem esmagado. Estava-o antes, interpretando a rudeza das tuas palavras, e estou-o muito mais agora, após ler a mensagem sofrida, em forma de poema, que me dirigiste.
É bonito o poema. Transpira emoção e dor, a dor que se perceberia mesmo que a tua mão não se sugerisse trémula e as lágrimas não ameaçassem irromper a cada instante, ao escrevê-lo. É bonito o poema, este poema de amor que escreveste para denunciar o nosso amor de sempre, porque existiu mesmo antes de nos encontrarmos, como bem se percebe quando os nossos olhos se cruzam ou quando dávamos as mãos.
Confrontado com as tuas palavras doridas, pergunto-me porque desembocámos neste lugar que não parece ligar com lugar algum e interrogo-me sobre a possibilidade de denunciar uma relação suportada num amor assim. Sobre as emoções não me questiono, porque tenho por seguro que este carinho que nos liga só se esgotará quando a vida se esgotar em nós. Falo por mim, mas pressinto que posso falar por ti.
Porquê meu amor? Porquê?
Disse-te múltiplas vezes que, se o custo de algum conforto de que possas beneficiar fosse perder-te, o aceitaria. De lágrimas nos olhos, reafirmo-to agora, se bem que, minha querida, não seja capaz de te garantir que o consigas, por mais que o mereças. De felicidade não te falo. Felizes foram os breves instantes em que pudemos sonhar juntos. Momentos como esses acontecem, pura e simplesmente.
Parecendo de despedida, esta carta é-o apenas no sentido que digo antes, isto é, de compromisso com a tua procura do sossego, do conforto físico e espiritual que não fui capaz de garantir-te, para minha infelicidade. Nesse sentido, é muito mais um até já, porque permanecerei como o refúgio em que sempre poderás recolher-te e porque conservo à vista aquele pequeno “ajulezo” que me ofereceste em data incerta, em que continua a poder ler-se: “Envelhece comigo, o melhor ainda está para vir”. Os pássaros que aí estão figurados, em que num deles te reconheço, assegura-me que assim será.
Perdoa-me por não ter sabido poupar-te a estes momentos de grande dor. Oxalá a dor da perda te possa soar pequena, na medida inversa da minha. Oxalá, meu amor, este passo que agora te propões dar não te conduza a um novo lugar que não leve a sítio algum.
Recebe um beijo e um grande xicoração deste infeliz que não foi capaz de levar-te a felicidade que não devia ser-te negada.

José Cadima

domingo, agosto 19, 2007

Choro de saudade

Contorço-me, choro,
engulo em seco.
Fecho os olhos e deixo correr as lágrimas.
Nunca senti tanta falta de alguém
como sinto hoje, aqui, só.
E ainda não passaram sequer dois dias desde que partiste...
Mesmo que estivesse acompanhado,
sentir-me-ia só e desolado de igual modo,
já que este vazio que me assola
apenas pode ser preenchido por ti.

José Cadima
(adaptado de José Pedro Cadima, "Faço isto regularmente", Poemas 2004)

sexta-feira, agosto 17, 2007

Escritor sonhador

Contaram-me mil histórias.
Não ouvi nenhuma;
o escritor tinha sido eu.

Os meus sonhos?
Já os conhecia.
Haverá quem tenha lido alguns.
Outros estarão por escrever.

José Pedro Cadima

quarta-feira, agosto 15, 2007

Um futuro ...

A pior coisa do mundo
é acreditar num futuro;
quero dizer, só acreditar,
não lhe dando nem forma nem cor.

José Pedro Cadima

domingo, agosto 12, 2007

Chorar

Só consigo amar-te e chorar,
beijar-te e chorar, acariciar-te e chorar…
Mas, por fim, percebo:
tu estás longe
e a única coisa que eu posso fazer é chorar
de saudade.

José Pedro Cadima

sexta-feira, agosto 10, 2007

Uma realidade real

As histórias estão erradas
(também as dos outros).
Só cada um sabe a (sua) verdade.

Escondida está a realidade.
Não se mostra;
é preferível ser-se falso.

Escondida dos outros,
todos o fazem,
está uma história igual por contar.

Para todos existe uma realidade real,
que é diferente da que se conta.
Todos têm uma vida que é tal como é.

José Pedro Cadima

quarta-feira, agosto 08, 2007

Abraçar-te, qual naufrago

Abraço-te
como me agarro à ideia de depender de algo exterior.
Será esse, talvez, o consagrar da minha ruína.

Faço-o do mesmo modo que outros se entregam à sua fé.
Fica-me a esperança
que os meus medos mais profundos se não confirmem
e tu sejas mesmo só a doçura
que aparentas ser
e que me induz a abraçar-te,
qual naufrago.

José Pedro Cadima

domingo, agosto 05, 2007

Relógio do amor

Tic-tac, tic-tac,
pequeno som que faz o relógio,
pequena máquina de destruição
que me destrói por dentro,
pois és tu que me dizes
há quanto tempo estou sem ela,
sem a minha musa,
sem o meu amor,
sem o meu tudo.

Se tens pena de mim,
faz-me um favor, um pequeno favor:
pára quando eu com ela estiver.
Pára para toda a eternidade.

José Pedro Cadima

sexta-feira, agosto 03, 2007

Sementes

As sementes da humanidade
são, pois claro, os olhos.
Plantamos olhares
e depois colhemos os frutos.

José Pedro Cadima

quarta-feira, agosto 01, 2007

Sentimentos

Nunca conheci a felicidade.
Também não lhe chamo tristeza.
Fico-me pelo tédio;
mas que é uma miséria de tédio, isso é!

José Pedro Cadima