sábado, dezembro 30, 2006

Desespero

E o momento da morte funde-se com o da vida formando uma camada de desespero incompreensível.

José Pedro Cadima

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Carente de ti

Em cada momento
que te abraço
sinto-me mais forte,
mais perto de ti,
mais perto até de mim.
Grito por ti
quando estás longe
porque me sinto perdido
e fraco, muito fraco,
carente de ti.

José Pedro Cadima

quarta-feira, dezembro 27, 2006

O medo

O medo sente-se
como nada sentido:
a respiração;
os nervos aos saltos...

A consciência dos erros,
a certeza da inconsciência;
o medo de tudo;
o medo que te apanhem.

Será que o medo teme algo?
Se temer,
será o próprio medo.

José Pedro Cadima

segunda-feira, dezembro 25, 2006

O parque

Lembraste do parque?
Aquele com vista para o Tejo?
Nós os dois,
num banco sentados,
trocando beijos,
com tanto amor.
Só quero reviver
esse doce momento.

José Pedro Cadima

sábado, dezembro 23, 2006

Coração falante

Ahahahaha!
Apanhei-te outra vez,
e neste meu poder
sempre te vou apanhar.
Não sou fraco.
Não sou como tu.
Tenho a quem fazer sofrer.
Sei matar-te sem morrer.
Sou o coração
que te prende à dor.

José Pedro Cadima (2005)

Querido Pai Natal

Queria pedir-te alguma sanidade, pois é isso que mais me falta. A paz no mundo não me aquece nem me arrefece. É apenas uma utopia que muitos desejam sem sequer saber porquê. A guerra não é aqui; não vai cá chegar.
Quereria pedir-te alguma noção de tudo o que se passa. Sinto-me perdido; sinto-o de verdade. Não vejo dia em que não anoiteça, nem noite em que não veja o sol nascer. Todo o meu corpo suporta este cansaço, queixando-se apenas da saudade dos lençóis e não da cama.
Não te peço nada disso, por mais poder que tenhas. Não fui suficiente bom menino e castiguei o meu corpo com todas estas penosas noções. Em breve emergirá a verdade de tudo. Em breve perderei o resto da sanidade que me resta.
Não sei em que ano estamos. Talvez seja o ano dois mil ou o quatro mil. Pouco importa. A esperança média de vida não chega a um século e o ano faz apenas parte de uma data marcada para efeitos gerais. Também não me lembro do dia em que faço anos e já lá vão tantos que nem a minha idade sei. Pouco me importa se sou adolescente, adulto ou idoso. Continuo a ser eu. Pouco me importa se faço anos em Janeiro ou Agosto. Continuo a ter a mesma mãe.
Talvez o Pai Natal me pudesse dar a entender todas estas coisas e porque é que as marcamos. Talvez, nessas circunstâncias, também me possa dar a vontade de saber as datas que realmente importam: em que dia e mês nasci; em que ano estamos; entre outras. Talvez, quando lho perguntar, mo possa dizer.
Tamanho foi o meu desinteresse para com a vida que já não sei se isto é viver. Sei que se parece com tal: respiro, mexo-me, alimento-me, vejo, oiço e agora até escrevo à sua pessoa, que tão pouca gente sabe porque nos visita duas vezes por ano, uma vestida de velho outra de coelho.
Já lhe pedi tantas coisas. Sei que foram mais aquelas em que me deu algo. Ter tanto fez-me mal. Talvez a culpa seja sua. Mas também outros têm tanto e ainda lhes dão mais e não perdem o interesse em receber. Talvez tudo isto seja apenas fraqueza minha.
O meu desinteresse arrasta-se tanto que além das datas do meu nascimento, o ano em que estamos, a idade do senhor que ninguém conhece, não sei também identificar muitos dos feriados patrióticos que se avizinham aí. Serei por isso um traidor da pátria? E se o for? Serei traidor de mim mesmo por não me lembrar do dia em que nasci? Que importa!? Talvez não importe. Não tenho datas. Não sei o nome das pessoas que conheço, e escrevo uma carta à única pessoa que ainda me visita.
Já não sei as datas e confesso-lhe que se não tivesse ouvido um passarinho cantar que amanhã era dia vinte cinco, e feriado, nunca lhe escreveria esta carta interesseira a pedir que neste Abril me traga um pouco de sanidade.

José Pedro Cadima (2006)

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Sinto paixão

Sinto paixão
e enrolo sentimento.
Fico parado a olhá-los.
Vejo o tempo passar
mas, no amor,
faço eu o tempo andar.

José Pedro Cadima (2005)

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Silêncio

O silêncio
funde-se
com os meus ruídos:
os do papel
e do lápis,
enquanto escrevo.
E, mais tarde,
o que escrevo
é lido,
e, sendo-o, ao silêncio,
juntam-se doces
ou pálidas
emoções.

José Pedro Cadima (2004)

domingo, dezembro 17, 2006

Beijar-te

Era capaz de beijar o teu corpo todo,
e depois voltar a fazê-lo.
Era capaz de te olhar nos olhos,
e contemplar a beleza que deles irradia, durante horas.
Era capaz de te abraçar,
e sonhar que esse momento durasse para sempre…

José Pedro Cadima (2004)

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A tua beleza

Escrevo poemas sobre ti
pois a tua beleza
me inspira,
e dá-me força
para continuar
a sorrir e a sonhar.

Escrevo
na expectativa do teu amor,
ansiando que não me enganes
com mentiras,
mas me encantes com verdades.

Escrevo pois tenho o dom da palavra,
tal como o dom de amar
e admirar
quem ama.

Escrevo como sinal de vida,
buscando a realidade
e almejando a imaginação libertar.
Escrevo como rejeição de amarras
outras que não sejam as do amor.

José Pedro Cadima (2004)

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Onde se esconde o amor ?

E como um tiro
furou o meu peito
e meu coração.

Como uma lança
trespassou-me,
vazando a fonte da minha inspiração.

Como um canibal
comeu o meu sentimento,
que se esconde no último verso de cada terceto.

José Pedro Cadima (2005)

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Minha Querida Helena

Já percebi a tua mensagem! Não precisas mais manter-te incomunicável com o mundo para não correres o risco de ouvir a minha voz do outro lado da linha. Não o queres, não o farei! Para mais, sei-te acompanhada por quem gostas muito, o qual, seguramente, te saberá dar o conforto que sei que te é necessário.
A esta distância, ganhou toda uma outra clareza a insistência que punhas na pergunta que me dirigiste na última ocasião em que estivemos juntos, em fim de jornada. O “agora, para onde é que me levas?”, que eu não percebi, não queria significar outra coisa senão a despedida que tinhas planeado e que imaginaste à medida da derradeira refeição de um condenado. Daí a tua recusa em acompanhar-me no jantar. Por isso, a tua tristeza, mesmo quando, acompanhando as pombas e as gaivotas, por alguns instantes, esvoaçaste ao longo da margem do rio.
Confesso-te que não sinto mágoa por não ter entendido o alcance do teu aceno de naufrago. Nunca gostei de despedidas. Evito-as sempre que posso. Se noutras ocasiões fui cúmplice de outros rituais de despedida, fui-o na ânsia de eternizar esses momentos de comunhão e porque, no fundo, sempre me recusei a creditar que fossem os últimos de uma entrega intima que, embora tu o recuses, foi muito profunda. Falo no passado, para invocar esses instantes, embora se apresente mais adequado usar o presente, querendo reportar-me ao amor que te tenho e que é agora alvo de expressão de recusa tão violenta da tua parte.
Com esse íntimo, questiono-me por quanto tempo mais aceitarás receber estas minhas cartas; quanto tempo passará até que, simplesmente, te recuses recebê-las ou lê-las. Aí, tens sempre a solução simples das rasgares antes de as abrires. Porventura, se isso te dá maior sossego exterior, toma as minhas cartas como correspondência de duas pessoas que cultivam o hábito e o gosto da escrita; dois velhos amigos de saudosas lides literárias.
Para mim, desde que as não tenha de volta, fica-me sempre a esperança que as tenhas lido e o conforto resultante de pensar que continuo a ter alguém com quem posso comunicar e a quem posso transmitir emoções e sensações provindas do fundo do coração.
De mim, meu amor não correspondido, terás todo o carinho e incentivo para que percorras um caminho mais feliz do que o que trilhaste comigo, e a certeza, que gostaria que désseis por certa, de um ombro onde sempre podes repousar.

Braga, 6 de Agosto de 2004


José Cadima

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Felicidade...

As minhas mãos ardem
só da vontade de escrever
e desabafar tudo aquilo
que sinto e relatar tudo o que vejo.
....
(O silêncio; o choro;
o amor; o ódio...)
Quem sabe se um dia
serei capaz de ser feliz...
Tudo o que sinto parece trazer-me mais infelicidade!
E tudo o que procuro não encontro!
Alguma vez serei feliz?
(Choro. Que mais posso fazer?
Que mais farias tu no meu lugar?
Pois é, nada senão chorar...)

José Pedro Cadima (2005)

domingo, dezembro 10, 2006

Mortos…

“Eu morro;
tu morres;
ele morre;
nós morremos;
vós morreis;
eles morrem.”
A vida termina sempre assim.
E mesmo enquanto vivos,
de certa forma, não estamos senão mortos:
mortos de desejo;
mortos de vontade.

José Pedro Cadima (2005)

sábado, dezembro 09, 2006

Cinco dias até lá

Apenas daqui a cinco dias
poderei gozar a tua companhia.
Até lá…
Serão cinco dias sem ti…
Serão cinco dias sem ver a luz,
cinco dias sem ver o sol,
cinco dias de completa escuridão.

José Pedro Cadima (2004)

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Amor que me prende

O teu olhar
prendeu-me,
tal como
o teu amor.

Só tu me fazes feliz.
Só o teu amor,
só o teu carinho
me fazem sorrir.

José Pedro Cadima (2004)

terça-feira, dezembro 05, 2006

Escrevo com sangue

Escrevo com sangue
linhas nunca escritas,
coisas tão certas,
com letras tão ternas.
Na beleza do sangue
acho a beleza da vida.

José Pedro Cadima (2005)

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Melancolia...

Quero algo melancólico...
Não! Quero algo risonho,
para destroçar.
Quero algo espantoso,
para amedrontar.
Na melancolia desta vida,
não há ninguém a quem rezar,
não há nenhum deus
a quem os pecados contar.
Só existo eu.
Só existes tu.
Mais do que isso não há.

José Pedro Cadima (2005)

sábado, dezembro 02, 2006

Respirar a teu lado

Desde que te conheço,
tenho outro tipo de felicidade,
outro sorriso,
outro sofrimento,
outra tristeza,
outra dor.
O desespero é maior,
mas também o é a luz.
Até a minha forma
de respirar é diferente.

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Aliviado?

Sim, aliviado.
De certa forma, sinto-me…
Não! Não me sinto…
Oh! Não sei…
Talvez…
Talvez tivesse sido preferível
não lhe dizer,
não me expor,
e, simplesmente, olhá-la
de longe.

José Pedro Cadima (2004)

quinta-feira, novembro 30, 2006

Fases da vida

Na vida há muitas fases;
tantas, que nem imaginamos
que irão acontecer.

Num dia pensamos
que a nossa felicidade dura para sempre;
no outro pensamos como nos afundámos
em tanta miséria.

Estamos condenados a sofrer
e a sorrir sem grandes razões.
Estamos condenados a viver
e a padecer de muitas ilusões.

José Pedro Cadima (2004)

terça-feira, novembro 28, 2006

És má!

És má, muito má
pois, quando estás triste,
mostras todo o teu
pesado sofrimento,
mas, quando estás feliz,
não és capaz de mostrar
a tua felicidade,
e compensar
quem te ajudou a conquistá-la
e, por isso, deveria merecer a tua gratidão.

José Pedro Cadima (2004)

segunda-feira, novembro 27, 2006

Passeio por arribas

Passeio nas bermas
das arribas,
a tentar não cair
num sítio onde não me apanhes.
Se cair,
quero que me agarres,
quero cair nos teus braços.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, novembro 26, 2006

A vida

Para alguns,
a vida é uma brincadeira
e deve ser vivida a brincar.
Mas neste jogo não há regras
e a brincar perde-se a vida.

Tanto se atrasa por brincar
que se perde o que se quer,
tal como eu perdi
e no coração senti
o ardor da dor.

Quem não perceber,
que não o tente,
pois estou arrependido
de o ter percebido.

José Pedro Cadima (2004)

sábado, novembro 25, 2006

Conhecer-me melhor

A sede de conhecimento
leva-me a tentar conhecer-me melhor.
Mas é sempre perigoso
entrar em sítios reservados,
que nem mesmo eu conheço,
isto é, penetrar nos meus ideais,
escrutinar as minhas ideias.

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, novembro 24, 2006

Minha Querida Helena

Depois de muita ansiedade, cedendo a um impulso, resolvi ligar-te. Procurava o conforto da tua voz, na dúvida sobre o desconforto das palavras que me dirigisses. Sinto-me reconfortado por esse gesto, pese embora as notícias de abandono que me veiculaste.
Permaneço na dúvida sobre se a tua desistência reiterada é fruto de um momento menos bom da vida (que todos temos, de quando em quando) ou a forma que encontraste de me penalizar. Nota porém que, a ser esta última a tua motivação, estás a admitir a força do laço afectivo que me prende a ti.
Gostei que tivesses admitido que me ligaste – para escutar a minha voz - disseste - se bem que pareça estranho que, querendo ouvir-me, tenhas desligado logo que atendi. Se me permites que o diga, acho isso mais auto-flagelação que qualquer outra coisa, mas talvez seja isso mesmo que pretendas. A tua recusa em cuidares da tua saúde, a tua insistência em descuidares o arranjo dos teus cabelos, o teu fecho para o mundo – que procuras activamente, embora depois, do nefasto que isso te é, reclames - vão nesse sentido.
Não precisavas ter-te posto incomunicável depois disso. Não precisas, aliás, recear denunciar a tua insegurança. Eu não receio fazê-lo. Antes, junto de ti a minha insegurança esvai-se. Tu és a minha segurança e a minha insegurança!
Amor meu, que posso eu fazer para te arrancar de novo um sorriso? Amor meu, que podemos nós fazer para que o sonho volte a ser possível?
Fala comigo, meu amor! Faz de mim o teu confidente, o teu refúgio, tanto quanto tu és o meu – quero dizer, tanto quanto eu preciso que voltes a ser o meu ... amor...

Braga, 9 de Julho de 2004


José Cadima

quinta-feira, novembro 23, 2006

O meu amor é...

O meu amor
é aquilo que faz arder o fogo,
é aquilo que molha o mar.
- Mas o fogo e o mar
não tinham já essas qualidades quando nasceste?
- Não. Eu desejo-te há muito mais tempo!

José Pedro Cadima (2005)

terça-feira, novembro 21, 2006

Amo-te tanto

Olha: não durmo à noite...
Passo o tempo a olhar para o tecto branco
e a pensar como te conquistar.
Sabias que te amo tanto que até as estátuas choram?
Sabias que te amo tanto que a torneira pinga água salgada?
Sabias? Claro que não sabias!

José Pedro Cadima (2005)

segunda-feira, novembro 20, 2006

O que chorei por ti

Preciso que me batas,
me batas com toda a força;
preciso que me faças sangrar.
Necessito que a dor me possua
para dar sentido
às lágrimas que por ti derramei.
Na minha alma
não há nada mais poético
que o teu nome,
nada mais amado
que o teu ser.

Doces são os momentos
que passo contigo.
Doces são as horas
que me vejo passar a teu lado.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, novembro 19, 2006

Estranho

Algo feliz para variar?
Nem pensar!
É... não é... não foi, foi, nunca aconteceu…
Não sei o que hei-de pensar...
Festejar? Lamentar?
Só sei que te quero.

É estranho
o que acontece entre nós.
Estranho... mas...
Viva o estranho e o absurdo,
pois são eles que me fazem feliz!

José Pedro Cadima (2005)

sábado, novembro 18, 2006

O tempo que passo sem ti

As horas passam,
o tempo voa,
e eu continuo aqui
sem amor,
sem ti.

Só no meu coração
te vejo,
te beijo
e te abraço.

José Pedro Cadima (2004)

quinta-feira, novembro 16, 2006

Não durmo

Olho-te.
Passo o tempo todo a olhar-te
e depois não durmo à noite.

Toco-te.
Passo o tempo todo a desejar tocar-te
e depois não durmo à noite.

Beijo-te.
Passo o tempo todo à procura de um beijo teu
e depois não durmo à noite.

O sono é tanto,
mas não me passa o sonho
que é poder amar-te.

José Pedro Cadima (2005)

quarta-feira, novembro 15, 2006

Liberdade

Quero que a morte me leve
para um lugar bem longe do céu.
Quero uma viagem breve
que me leve para um mundo só meu.

Quero que as chamas
da liberdade se acendam,
num festim coberto de lendas
daqueles que ainda são livres.

Quero ser,
e não apenas existir.
Quero viver
e não apenas sorrir!

José Pedro Cadima (2005)

terça-feira, novembro 14, 2006

Na idade dos porquês

Estou outra vez
em mutação,
quer dizer, na idade dos porquês;
se bem que pareça questionar-me em vão.

Não acho resposta para nenhuma pergunta
que coloco a mim.
Sabes: as folhas no Outono? Eu sinto-me assim!
Nada resulta!

As perguntas ficam por responder
e eu sinto medo das respostas procurar.
Só me apetece esconder…
… e chorar.

José Pedro Cadima (2005)

segunda-feira, novembro 13, 2006

Lua

De uma noite escura,
de um céu repleto de nuvens
nasceu um luar
tão grande, tão belo e feroz
que as nuvens mandou afastar.

Ai lua, que teu brilho
é tão bonito
que jamais poderá ser representado
por algo dito ou escrito.

É como o sorriso
que sai de um choro.
É como o beijo
de um qualquer namoro.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, novembro 12, 2006

A carícia

Ele e ela encontravam-se no mesmo quarto: o quarto dela. Ela tinha-o convidado para ir lá a casa ver onde passava grande parte da sua vida; onde ela se escondia, onde ela se refugiava e, assim, ficava em grande medida protegida de tudo que se passava lá fora.
Eles eram velhos conhecidos. Tinham andado nas mesmas escolas e, mais tarde, integrado a mesma turma. De facto, estiveram até sentados apenas a uns metros um do outro por um certo número de anos e, mesmo vendo-se todos os dias, não trocavam palavras. Certo dia aconteceu trocarem; aconteceu verem que estavam diferentes e que precisavam de alguém com quem conversar. Nessa ocasião, acabaram por conversar, brevemente. Ficaram amigos, até.
A amizade é uma daquelas coisas que não se pode definir com explicações simples. É um gesto de carinho para quem gostamos ou simpatizamos. É o convívio diário. É o acto de apoiar; é sentir falta de alguém; é fazer alguém rir-se, divertir-se, até. Eles tinham isso tudo. Até tinham mais, se calhar, amor.
Eles tinham-se amado. Tinham mostrado esse amor mas, depois, ficou tudo mais complicado e a relação desfez-se. Agora tentavam ser amigos, apenas. De certa maneira, ainda se amavam, mas tinha sido tão difícil chegar ao ponto a que chegaram que havia neles também o medo de que tudo voltasse a repetir-se.
Coitados, forçados a rejeitar o que sentiam, em vez de serem rejeitados um pelo outro. Dá-se valor aos sacrifícios das pessoas. Devia, talvez, dar-se mais valor a estas ... Ou, talvez, devêssemos aprender a dar valor a toda a gente. Mas parece impossível. Talvez o seja mesmo.
Ambos sabiam que era complicado aquele encontro. Ambos sabiam que ia ser um momento. Mas fingiram-se desentendidos do que realmente queriam. Vi-os até fechar a caixinha de desejos para se sentarem e conversarem apenas como coitados.
- E este é o meu quarto…
- É maior que o meu…
- Tem um ar confortável…
- Pois é, vieste quando eu estava quase a adormecer. Estou cheia de sono.
- Tu é que me mandaste vir aqui ter.
- Pois foi… Vou dormir! – deitou-se e sorriu.
Como ela é bela; como é espantosa. Pudesse uma deusa vê-la deitar-se e sentiria tanta inveja que a amaldiçoaria.
Ele olhou-a. Desfez-se em amor. Para além do que sentia agora, relembrou-se do que tinha sentido anteriormente; não nestes dias, mas na altura em que lho declarava abertamente. O pobre pasmava, parecia hipnotizado. “Diz-lhe o que sentes” - gritava eu aos seus ouvidos. Mas parecia não querer ouvir. Aproximou-se dela, encostou-se a ela, beijou-lhe o pescoço, deixou-se cair encostado a ela, abraçando-a, sentindo-a, como já tinha feito antes de lhe declarar o amor, mesmo que ela já o soubesse. “Não o queres?” - perguntava-lhe a ela, que nunca parecia responder aos seus apelos carinhosos.
De repente, sem dar aviso, ela circundou-o com seus braços e apertou-o contra si. Pensei estar a assistir ao retorno do amor deles. Não estava. Ela virou-se ao de leve para ele e ele para ela, parcialmente; noutra parte, ficou virado para o tecto, vendo e sonhando com as estrelas que lá estavam coladas. Rezava para que uma caísse e, ao ver a sua estrela cadente, pedir-lhe, talvez, que lhe atendesse um desejo ou, melhor: o desejo.
Ele acariciava-a. Ela fingia-se calma, serena da sua decisão de apenas serem amigos; fingia concordar que tudo aquilo seria o melhor. Ele mexia-lhe no cabelo, fazia-lhe como que festas, beijava-lhe o pescoço e o cabelo, admirava-a. Eu gritava ao ouvido de ambos. A ele dizia: “vais ter medo de avançar? Vais ter medo de lhe mostrar o que sentes?”. A ela aconselhava: “serás mais feliz se o tentares do que se ficares com medo”. Não valia a pena. Nenhum se mexia; nenhum avançava. Sentia-me inútil, confontado com o que estava a acontecer. “Sente o desejo” - murmurava, por fim, ao ouvido de cada um deles.
Ela levantou-se. Deu uma pequena volta pelo quarto; balbucionou algumas palavras, que não percebi. Há demasiado tensão naquele quarto. Os meus sentidos estão distorcidos e baralhados. Por isso, não percebo as palavras que me chegam, e não lhes dou importância.
Ele, depois de se ter inclinado um pouco para a ver e seguir atentamente a conversa dela, deitou-se e ficou de novo a pedir algo às estrelas. Ela deitou-se de novo na cama e pôs a cabeça sobre o seu peito. Riu-se de algo que ele disse, algo pensado, porque se saísse tudo o que ele queria dizer não teria saído um sorriso mas sim um choro, dos dois.
Ele tocou-a; acariciou-a levemente. Sentiu amá-la intensamente, porque amar nunca é demais. Concentrou-se em senti-la; pareceu-lhe não haver outro prazer assim. “Vai em frente rapaz. Tens que lutar…”. Ela levantou-se novamente. Queria mostrar-lhe algo; algo não sentimental, apenas uma futilidade material. Ele interessou-se apenas por ela se interessar. Para ele passou a ser uma das coisas mais importantes de todo o universo, apesar de ser a ela que ele queria e não ao objecto. “Mostra-lhe o que tens dentro de ti.” – implorei-lhe.
Voltaram para a cama. Deitou-se ele, e ela a seu lado. Deitou-se de costas para cima e ele acarinhou a sua espinha e, devagar, desceu, meteu as mãos por dentro da camisola e foi acariciando as suas costas. Quando ela se virou de costas para ele e, também, a ele se encostou, suas mãos acariciaram sua anca e sua barriga.
O toque, o simples toque estava a remexê-lo por dentro. A sua barriga sentia cócegas, como se borboletas o roçassem. O seu corpo sentia arrepios ao tocar-lhe. Ela era uma doença para ele. As voltas da barriga, os apertos no peito, tal como quando algo estava mal, as tonturas de quando estava confuso, era o que experimentava naquela altura. O toque, o simples toque estava a fazê-lo mais feliz do que algum dia tinham feito os seus beijos.
A felicidade pode ou não derivar do amor. Ele não assistia à felicidade, apenas se sentia bem; sentia-se meio feliz mas, quando o momento acabasse, não o seria mais. Sentiria vontade de ter feito mais, de ter ido mais longe. “Avança, senão vais arrepender-te” - gritei-lhe, a ele, que já tinha ido tão longe.
Ela deixava-se estar, deixava-o acarinhá-la, deixava-o mostrar o seu amor, não por palavras ou declarações, mas apenas pelo simples toque. De certa forma, até parecia que ela estava a ser cobarde ou, mesmo, que ela o estava a gozar; deixava-o ir tão longe e, agora, não fazia nada; não parecia querer que fizesse.
“Age… por favor” - implorei-lhe. Ela tinha que agir…“Rapaz, filho, irmão, Romeu, seja qual for o título que te der, vais finalmente actuar? Vais dizer-lhe que a amas? Ou só a vais continuar a amar, em silêncio?”. “ Rapariga, moça, deusa de Romeu, Julieta…, vais algum dia voltar para os braços de teu Romeu? Vais sujeitá-lo a amar-te tanto sem lho dizer? Ele bem to mostra mas tu não queres ver. E tens medo de ouvir… Saboreia-o, pelo menos, que na tua vida poucas vezes irás ter quem te dedique tanto amor.”

José Pedro Cadima (2006)

sábado, novembro 11, 2006

O Decreto

Um cabelo liso e brilhante
no cimo de minha secretária.
É, certamente, de minha amante,
minha face contrária.
Teu cabelo, meu amor,
é mais que loiro ou preto;
é algo que funciona como um decreto:

“Não me amarás;
não me beijarás;
não me tocarás;
nem sequer me verás!”

Mas o teu cabelo, como tudo o que é teu,
invoca amor, invoca paixão.
É como um drama, cheio de emoção:
tu és Julieta; eu sou Romeu!

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, novembro 10, 2006

Diz-me que choro melhor

Diz-me que escrevo bem.
Diz-me que sou o melhor.
Chama a Camões e Torga amadores.
Faz isso por mim.
Faz de mim o teu herói.

Diz-me que choro bem.
Diz-me que sou o melhor.
Sempre que alguém chora,
chama-lhe amador.

Diz-me que choro,
que escrevo,
que abraço,
que amo,
que me lamento
melhor que toda a gente.
Diz-me que sou alguém!

José Pedro Cadima (2005)

quarta-feira, novembro 08, 2006

Até à maldita curva

Desci para me despedir. Cheguei contigo à rua e olhei-te. Ias-te embora; ias para longe de mim. Os meus braços circundaram-te e puxaram-te para mim. A minha cabeça inclinou-se e meus lábios foram ao encontro aos teus. Belo este momento; bela a despedida.
Acreditamos que apenas na morte temos milhões de momentos da nossa vida a passar à nossa frente. Acreditamos, realmente, que isso acontece quando morremos? Poderá ser apenas um aproximar da morte que depois negamos… Será? Será que cada momento que vemos nessa hora é mais um momento que iremos reviver? Ou morre de facto uma parte da nossa vida? Uma parte nós? Se morremos… Quantas vezes se pode morrer numa vida?
Se morri, não era a primeira vez, já me tinham passado inúmeras imagens pela frente em questão de segundos em múltiplas outras ocasiões. Já me tinham passado tantas que até desacreditava que fossem minhas e, em razão dessa repetição, começava a acreditar, até, que a vida era nada mais nada menos que uma repetição por ciclos, isto é, que tudo, tudo voltava a acontecer, e a cada ciclo juntava-se algo novo.
Morri uma primeira vez num momento em que te vi com outro da mesma espécie; com o mesmo olhar; com o mesmo sexo que o meu, mas que não era eu. Vi cada momento que te tinha cortejado, cada um mais infinitamente pequeno que o outro, cada um mais infinitamente inacreditável. Até com o meu respirar eu te parecia cortejar.
Morri uma segunda quando soube, pelas tuas próprias palavras, que, um dia, tiveste a coragem de te entregar não a mim mas a outro. Nessa ocasião, passaram à minha frente milhares de milhões de porquês, milhares de milhões de lamentações, milhares e milhões de choros meus.
Morri cada vez que me rejeitaste, cada vez que o teu olhar me reprovou, cada vez que me viraste as costas e, sem perceberes que, apesar de tudo isso, te amava, fugiste. Passaram biliões de imagens, triliões de momentos, quatriliões de ideias que foram minhas, tantas que nelas me reconheci.
Agora, voltava para trás. Tu seguias em frente, determinada em ir para longe. Sei que não era pelo desejo de te veres livre de mim. Tinhas algo a fazer, mas teria que ser hoje? Teria que ser no momento que eu estava mais embalado no amor? Pois parecia que sim. Teria que me embalar no amor que deixei hoje, a chorar por mais, noutra altura.
Fechei o portão atrás de mim e enquanto tu te distanciavas eu decidi parar e encostar-me ao portão. Ainda te via. Foi essa a última vez que me senti morrer. As imagens começaram a passar, sentia-te minha mais do que tudo, sentia-te tanto. As imagens eram de nós os dois, abraçados, aos beijos, a trocar um monte de carícias. E se já tinha tido momentos destes, momentos em que vejo muitas imagens, em que relembro muitos momentos, este tinha ultrapassado todos e duplicava, triplicava, quadruplicava, todo esse número de momentos que tinha visto da última vez.
Os teus beijos eram sinceros, os teus olhos fechavam-se, a tua boca abria-se lentamente, a tua língua molhava os meus lábios, os teus braços agarravam o meu cabelo. Eu, eu limitava-me a imitar, a tentar ser tão sincero quanto tu, apenas porque acreditava que, se os teus beijos eram tão bons por serem sinceros, então eu seria mais sincero ainda por retribuir todo o carinho que recebia.
O teu corpo era como um altar, aquele local belo a que todos desejariam chegar. Vejo momentos em que lhe chego, sinto-os até. Empurro mais o portão para trás. Ele não mexe. Já está fechado. Vejo-te ao longe, a distanciares-te ainda mais. Na verdade, estarás apenas a alguns passos de distância. Eu é que sinto, vejo, saboreio, oiço, tudo tão rápido que parece que passou tanto tempo.
Se a morte é ver todas os momentos da nossa vida a passar à nossa frente, então o que é o ouvir cada momento? O saborear, o sentir…. Atrever-me-ia, talvez, a pensar que estaria a renascer. Atrever-me-ia, ainda, a admitir que nem Cristo sentiu tanto ao renascer.
Que sentia eu? Que via eu? Que saboreava eu? Que tocava eu? Porque sim, eu tocava, eu parecia tocar-te, eu pedia que me deixasses tocar-te. Era o relembrar integral de cada momento da minha vida, de cada momento em que a partilhei contigo.
Empurrava o portão, ele parecia ganhar vida e responder na mesma moeda. Parecia mais forte e resistente do que o costume. Eu fazia mais força e com mais força parecia ele resistir. Tu? Tu ias-te afastando, ao de leve, com um pé à frente do outro, a mexeres-te exactamente como uma rapariga se deve mexer, mas de uma maneira que fazia com que tu fosses a única que realmente eu apreciava ver. Afastavas-te com determinação e eu, encostado ao portão, ainda só tinha visto metade das imagens, saboreado metade dos momentos, ouvido metade das palavras.
A rua era longa, o teu percurso ainda era grande, mas não maior do que a quantidade de imagens que eu tinha pela frente. Quem me visse, diria coisas perversas sobre mim pela forma como te olhava ou faria pior: dar-me-ia como apaixonado o suficiente para cometer loucura. Todos ficariam com a ideia que te observava, que te contemplava; e talvez até o fizesse, mas era nos momentos em que a minha cabeça relembrava e não neste em que te via ir embora. Relembrar não. Reviver, porque quando algo é tão intenso uma lembrança passa a ser uma vida.
A razão pela qual podemos morrer tantas vezes é porque revivemos tanto que, aos poucos, alguns sentidos, de alguma vida, acabam por morrer, e assim morre uma vida para nos deixar com aquela que realmente temos. Porque é feio chorar por algo que já não faz sentido. Porque é horrível lamentarmo-nos por momentos já substituídos. Porque, depois de muita asneira, depois de muitos erros, acabamos por crescer e ser algo mais que a vida que temos.
É certo que neste momento passo de novo as cenas em reflexão. É verdade que em muitos momentos não soube amar-te. Mais verídico é ainda que, mesmo naquelas ocasiões em que soube, sinto que podia ter feito mais e podia, a cada momento que revivo, esforçar-me mais. Aliás, de cada vez vou mais além daquilo que fui da última e, mesmo que não o notes, eu sei que aquele beijo, aquele toque, foi mais verdadeiro…
Estás a três passos de me fazer perder-te de vista. Três passos de realmente estares longe de mim. Sinto o sabor dos teus lábios, começo a sentir a palavra “finalmente” e vejo-me encostado a ti a dar-te aquele beijo de, mais do que tudo, saudade…
Dois passos… As cenas passam tão rápido que não as consigo acompanhar. Sinto-me numa orgia de sentimentos, visões, palavras. Os meus lábios distanciam-se dos teus trazendo um sorriso. Dizes que te vais embora. Amuo; faço-te a vontade; dou-te outro beijo.
Último passo… Desci para me despedir. Cheguei contigo à rua e olhei-te. Ias-te embora, ias para longe de mim. Os meus braços circundaram-te e puxaram-te para mim. A minha cabeça inclinou-se e meus lábios foram ao encontro dos teus. Belo este momento, bela a despedida.
Morri. Renasci. Completei mais um ciclo.
Desapareceste da minha vista naquela maldita curva.

José Pedro Cadima (2006)

Algo que só tu sabes

Quando estamos juntos,
sinto que dançamos,
sinto algo no ar,
sinto que algo nos junta.

Quando estamos juntos,
sinto algo que me faz assim,
algo que te faz assim,
algo que...
Sinto algo que só tu sabes.

José Pedro Cadima (2005)

Minha Querida Helena

Não encontrando outra forma de comunicar contigo, virei-me para a escrita desta carta. No desespero da tua ausência, a possibilidade de te ter ao telefone converteu-se para mim num refúgio seguro, por mais efémero e etéreo que se ofereça. Quando mesmo isso me escapa, resta-me esta pobre consolação do desabafo, na incerteza de alguma vez ser lido.

Dirás tu que tudo podia ser diferente. Digo eu que sim, se soubéramos conviver na sociabilidade quotidiana da mesma forma que convivem os nossos olhos, as nossas mãos entrelaçadas... Se soubéramos estar, digo, para além das amarras que a vida nos tece, chamem-se elas filhos, parentes, colegas ou conveniências e convenções.

E o amor? Questionarás tu. Minha querida, o amor é a componente mais frágil da relação humana dos nossos tempos. Tão frágil que nos faz definhar em cada dia que não estamos juntos – e cada vez são mais dias - mas não sensibiliza os que assistem ao nosso esgotamento.

Quisera estar contigo. Quisera alcançar a paz que a tua voz me trás. Quisera... Meu amor! Meu amor.


Braga, 24 de Junho de 2004


José Cadima

segunda-feira, novembro 06, 2006

Estranho

Estranho ser assim contigo.
Estranho seres assim comigo.
Estranho, muito estranho
sermos assim um
para o outro,
como estranhos que somos.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, novembro 05, 2006

Um sitio distante de mim

Desejaria partir
em busca de isolamento
num lugar bem longe daqui,
num sitio distante de mim,
onde pudesse encontrar
resposta para tudo,
no relativismo absoluto
dos teus e dos meus sentimentos.

Nem em tudo eu meto sentimentos.
Eles é que se metem em mim!
Queria encontrar resposta para problema assim.

José Pedro Cadima (2005)

sábado, novembro 04, 2006

Amputo os sonhos

Amputo os sonhos
e com eles toda a imaginação;
paro de ser criador,
passo a ser criação.
E procurando por eles,
não os acho;
o carrasco já levou
todos os meus sonhos.

Maldita guilhotina esta
que é crescer.
No fim de tudo,
amputa os nossos sonhos,
faz-nos sofrer!

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, novembro 03, 2006

Meu peixe...

As aventuras são uma monotonia.
Só as tem quem não as queria!
Em parte, estão já despedaçadas as imagens
de meu último momento heróico:
subi montanhas, saltei vales,
nadei com piranhas e outros males.
Um peixe quase me comeu!
Era grande, era forte, era meu!
A minha vontade de amar,
até os ossos me roeu.
Nem bocado quis deixar…

José Pedro Cadima (2005)

quinta-feira, novembro 02, 2006

Que nos resta?

Por vezes, mais do que as que gostaria, vejo tudo perdido. Visualizo, ainda que na minha cabeça, cenas de destruição, a destruição do que me é mais querido: a nossa relação.
Se nos zangarmos, se um de nós vir algo no outro que lhe seja tão perturbador que derrube toda a “nossa” magia, que nos restará?
Restar-nos-á aquela flor que um dia te ofereci, que nela levou alguma da minha devoção, uma prova de que a nossa magia seria eterna. Mas a verdade é que nada é eterno. A flor murchou e com ela murchou uma parte da minha devoção. Não é que me não me devote; é só que que fica a faltar uma razão.
Poderá, então, restar-nos aquele poema que um dia te escrevi, e que chorei e sorri ao escrevê-lo. Pela minha parte, talvez nunca nada tinha sido feito com tanta entrega, nunca nada teria sido feito para durar tanto tempo. O poema até inteiro está e aposto que repousa. Mas mais nada faz a não ser repousar. Será que te lembras dele, sequer? Será que ainda te diz alguma coisa? Que nos resta?

Nossos beijos são quentes. As línguas entrelaçam-se tal qual o sentimento que temos um pelo outro, chegando ao pontos até de se ser só um, o único e o mesmo. A gentileza dos nossos toques chega até a transmitir preocupação pelo bem-estar do nosso único ser. Se algo nos separasse; se a saliva secasse e nossas línguas não se pudessem unir; se algo nos provocasse o contrário da preocupação e todo o contacto fosse inexistente; que nos restaria?

Hoje algo correu mal e a magia não apareceu para nos salvar. Eu disse uma frase. Tu disseste duas. Eu tive que dizer mais uma para igualar-te, e de ti saíram tantas que lhe perdi a conta. Viraste-me as costas. Eu caí sobre os meus joelhos. Correste para longe; não vi para onde foste. Encostei a cabeça baixa aos meus joelhos e chorei. Sei que foste em busca de refúgio para chorares. Que nos resta?
Restam-nos os nossos corações, mas já partidos.

José Pedro Cadima (2006)

quarta-feira, novembro 01, 2006

Não sou o teu amor

Odeio-me!
Não sou o ser magnífico
que procuras.

Odeio-me!
Não sou o sonho
que buscas!

Odeio-me,
por não me amares.

José Pedro Cadima (2005)

terça-feira, outubro 31, 2006

Bocados de coração

Existe em cada um de nós
uma semente, que abre, fecha, parte-se…
Chamamos-lhe, coração.

Interessa-nos esse algo
que se há-de partir, em vão?
Pois sim! Pois não!

Quando se partiu,
seus bocados não foram!
Preferiram assim ficar.

Restaurar-se….
Ser arranjados, um a um, para quê?
Todos outra vez se partirão!

J0sé Pedro Cadima (2004)

segunda-feira, outubro 30, 2006

Na cela

Ela era tão saborosa, tão doce, tão difícil de rejeitar. O seu corpo pedia-me que a quisesse. Não sei… Eu acariciava-a. Sentia-a!
Um toque na sua pele deixava-me arrepiado, deixava-me até excitado. A adrenalina corria nas minhas veias, apetecia-me agir.
Quando nos apetece agir, tudo fica diferente; até o mais trabalhador nos parece um preguiçoso. Viste? Viste? Viste? Não viste… Estavas desatento. Tanta coisa que eu vi passar, porque eu quero agir, eu quero interferir! Ela olha-me a pedir que eu aja, que lhe faça alguma coisa… Queres, não queres? Também quero.
Os constantes abraços e aproximações de sua pele deixam-me louco, louco como um louco, capaz de fazer loucuras. Sabem o que são loucuras? Eu não sabia. Beijo sua pele, parece-me algo divinal, algo que desejo tanto. Desejo tanto esta sua camada, como será ela sem ela? Como serei eu com sua pele? Como será tudo isto?
Vejo-a todos os dias, todos os dias beijo sua cara. Toco sua pele, seu pescoço e, quando a toco, fico simplesmente louco, louco como um louco. Apetece-me arrancar algo, apetece-me tocar mais, por dentro e por fora. Apetece-me.
Noutro dia, vi teu corpo a olhar para mim; tua pele suave dizer-me baixinho, para que tu não ouvisses: “leva-me contigo”.
Então, um dia, quando estava contigo, num momento mais calmo, num lugar mais escuro, mais escondido, onde ninguém nos podia ver, eu levei-a comigo. Levei-a para longe de ti.
Desculpa o que te fiz. Alguém tinha que o fazer. Se ao menos a tua pele não tivesse pedido. Se não tivesse pedido, estarias agora aqui comigo; mas pediu-me e, se não fosse a mim, seria a outro qualquer. E como eu tinha o desejo de agir... Quando queremos agir, não somos capazes de estar parados. Lembraste quando te disse que até o mais trabalhador quando quer agir é um preguiçoso? Provei-to não foi?
A pedido da tua pele, a pedido do meu desejo, e porque ninguém mais parecia estar disponível para to fazer, eu tirei-te a pele, e deixei-te a carne viva, ali a morrer.
Agora estou na parede da cela a escrever isto, porque eu sou um assassino.

José Pedro Cadima (2006)

O amor sou eu

O que é o amor?
O amor sou eu,
uma maré de sentimentos,
um monte de violentos impulsos,
que é o amor.

O que é o amor?
O amor sou eu,
num violento impulso
e num enorme sofrimento,
que é amor.

O que é o amor?
O amor sou eu,
em sofrimento.

Sentir…amar… para quê?
Poucos são aqueles que não o fazem,
e quem não o faz
sobe mais alto,
vai mais longe.
Enfim, é mais feliz que o amor.

J0sé Pedro Cadima (2004)

domingo, outubro 29, 2006

Minha Querida Helena

Olá! Espero que estejas bem. Espero, inclusive, que tenhas tido ocasião para ires ao cabeleireiro e te cuidares, de um modo geral, agora que não me tens a tomar o teu tempo. Nota que, se comigo não precisavas ter essas atenções, doravante é diferente.
Escolhi esta manhã de Domingo para este instante de intimidade contigo. Imagino-te em casa, atarefada nas tuas arrumações e desarrumações mas, porventura, estarei bem errado. Talvez seja esta chuva que se faz sentir em Braga que me traz a melancolia que pressentirás nas minhas palavras escritas. Daí, talvez, digo, a fuga para a intimidade a que aludo antes. Como seria se estivesse calor, não te sei dizer.
Sabes: tenho usado parte do meu tempo para dar substância ao projecto de produção do livro do meu filho mais velho, de que te falei. Definitivamente, resolvi assumir o trabalho de editor dos seus textos. Aguardava que me pudesses ajudar mas, circunstâncias que tu bem conheces, inviabilizaram contribuição que eu tinha por preciosa. Assim são as coisas, e momentos há em que não nos resta senão admitir a nossa impotência.
É um trabalho que ora se me sugere gratificante ora me é penoso. A penosidade não releva do esforço, em si, mas dos conteúdos com que vou deparando, demasiado sofridos, denunciando uma violência de sentimentos que me surpreende. Sobretudo, na dimensão desesperança da mensagem. Repara: são só catorze anos; catorze anos de uma vida a que eu fui sempre dando o amparo que fui capaz. Podia ter sido mais, consinto, mas eu, que o não tive maior, não me recordo de ter escrito mensagens de tamanha mágoa e desapontamento, nessa idade. Os tempos são outros, sem dúvida, e talvez daí venha a diferença entre duas personalidades íntimas que eu pressinto tão próximas. É bem certo que, nessa idade, eu não tinha ainda uma namorada, no sentido comum do termo, pese embora as Helenas que se foram cruzando na minha vida. Teria sido mais feliz se a tivesse, especulo eu, agora. Mas as Helenas, tu bem o sabes, sempre me foram esquivas. E quanto eu as amei! Nem tu nem ninguém são capazes de avaliar.
As Helenas, meu amor não retribuído, têm sido a minha razão de vida e a fonte dos meus maiores desencantos. É o meu fado!

Braga, 8 de Agosto de 2004


José Cadima

sábado, outubro 28, 2006

Procura de um esconderijo

Eu esmago quando beijo;
eu enforco quando abraço;
procuro meu esconderijo,
onde me desfaço.

E à procura dele já fui longe,
para um sítio distante;
atrás dele fui longe,
não olhei para trás nem um instante.

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, outubro 27, 2006

Arquivos do passado

Vasculhando em arquivos,
encontrei algo de muito precioso,
que me fez sentir saudades não de ti
mas do que tu eras.

José Pedro Cadima (2005)

quinta-feira, outubro 26, 2006

Escritor

O escritor é, de todos, o maior drogado. Ele não inala, não ingere, não bebe, não fuma, não se injecta. Ele pensa e escreve.
Uns falam de alucinações, outros de cheiros, imagens, dores e, até, do nada. A adrenalina é imensa. Qualquer papel, máquina de escrever ou até computador é usado. Não interessa que seja apenas um guardanapo. O cérebro é de imediato consumido. Não há hipótese.
É pensador, mas não filosofo; se o fosse, era um filósofo drogado. São definitivamente os que mais consomem, uma, duas, três páginas, na maioria. Outros conseguem chegar até às catorze ou mais! Esses, é a toda a hora! Podem estar a dormir, quando a ideia chega acordam só para a apontar. Os viciados fazem dela uma história na noite em questão.
Quando a ideia é demasiado grande para ser toda escrita num só dia, fazem uma directa. Se for demasiado grande e ocupar uma semana, então, a cada noite, vão para a cama com a ideia atravessada, na expectativa da retocar e melhorar.
Se uns perdem dez minutos do seu dia nas drogas, o escritor é capaz de perder toda a sua vida. Parece recusar-se a viver depois de se dedicar a essa causa. Enquanto para os outros consumidores o aceitar que se está mal é o início, para um escritor é pior: isso apenas quererá dizer mais noites em claro, mais distância dos amigos, mais prazer em escrever, mais facilidade das ideias que brotam.
Quando se aprende algo, uma nova maneira de consumir as ideias, o vício torna-se insuportável para os outros. O escritor, por sua vez, quer mostrar que sabe, quer mostrar que escreve e parece afundar-se no vício cada vez mais.
Há horas que já devia estar a dormir. De facto, já estou até na cama, mas o vício foi mais forte.

José Pedro Cadima (2006)

Em teus olhos eu mergulho

Deixei-me apaixonar por ela,
buscando um amor verdadeiro.
Olha só como é bela;
impossível seria preservar meu coração inteiro.

Em teus olhos eu mergulho
para achar a razão
de meu coração se sentir entulho
se de ti ouvir um não.

Em teus lábios os meus querem mergulhar,
tão belo e doce é seu contorno.
Mais doce deve ser seu paladar.
Em teus olhos eu mergulho…

José Pedro Cadima (2005)

terça-feira, outubro 24, 2006

Dizer tudo o que sinto

Aproveito esta caneta
para escrever
tudo o que sinto.

Amo-te!
Isto dizendo, fica tudo dito,
porque o amor
é o conjunto de todos os sentimentos.

José Pedro Cadima (2005)

Guerra de culturas

O Forte estava cercado. Estavam em minoria de cinco para um. Os bárbaros avançavam e na torre de comando o comandante olhava tudo em redor, os acampamentos bárbaros, as suas maneiras, os seus costumes e, para com o seu conselheiro, comentou:
- Já reparaste como aqueles bárbaros agem? Podíamos ter-lhes ensinado tanta coisa.
- Nunca quereriam saber – respondeu o conselheiro.
- Disparate… Um dia, podiam ser gente como nós...
- Eles não quereriam ser gente.
- Disparate. Só dizes disparates. Foste para aqui mandado para dizer isso? Para dizer disparates?
- Apenas tenho a minha opinião. Desculpai-me, mas eu penso saber do que falo.
- Não achas que estes homens podiam ter sido ensinados a ser mais como nós? Ter o nosso nível, quem sabe… Viver num mundo mais sábio.
- Eles sentem-se contentes com a maneira como vivem. Não os podemos forçar.
- Mas já forçámos tantos.
- Eram fracos.
- Ficaram fortes.
- E agora cedem perante a força dos bárbaros?
- Podemos ser menos, mas cada homem nosso vale mais que mil bárbaros! Seremos sempre mais!
- Disparate!
- Não és, definitivamente, bom conselheiro. Nunca chegarás a nenhum lado. Pensas que é de homens como tu que o nosso povo precisa? Não consideras a superioridade da civilização sobre a barbárie?
- Chama a isto ser civilizado?
- Chamo. Porque não haveria de chamar?
- As próprias terras não eram nossas. Eram do povo bárbaro. Nós não lhas comprámos. Nós roubámo-las…
- Nós trouxemos-lhe a civilização!
- Acha?

Os bárbaros desencadeam o combate. As muralhas são atacadas. Voam flechas em todas as direcções. São milhares no ar, mas não é isso que espanta. O que espanta é como não chocam umas com as outras, em vez de chegar a um corpo em terra, perfurá-lo e deitar por terra um soldado, um guerreiro, um amigo, um lutador, um pai, um irmão, um filho.
- Avancem para a muralha oeste e desfaçam os batedores que se aproximam! – grita o comandante para os seus soldados.

Os bárbaros pegam fogo às estruturas. Por mais que os soldados matem, mais parecem aparecer. É como um humano coberto de milhões de formigas com fome, que se alimentam dele.

- Façam subir os arqueiros para a torre noroeste! Eles precisam de um sitio mais alto! Depressa! – grita o comandante a um dos seus de menor hierarquia.
- Ainda acha que vamos ganhar esta guerra? – pergunta o conselheiro.
- A civilização vencerá sobre a barbárie!
- Chama a isto civilização? Um povo que nunca está em paz? Que faz guerra para que um qualquer ganancioso chegue ao poder?
- Preferias lutar pela tua comida? Lutar por diversão?
- Cada um vê as coisas como quer.
- Vês de uma forma estranha.
- Apenas vejo o que é obvio.
- Obvio é que a civilização é superior à barbárie!
- Apenas uma palavra dita por eles tem mais lá dentro que um discurso dito por qualquer general ou senhor poderoso que está hoje a governar o nosso povo.
- Talvez, já são tantos… Os melhores estão aqui em combate!
- Então também vês o que vejo?!
- Vejo que os fracos estão a tomar conta do que construímos. É preciso mentes fracas. Os bons, os realmente bons estão aqui a lutar contra os bárbaros, porque o acham certo! Porque é o que os realmente bons fazem.
- Mas morrem e ficam os fracos. É isto civilização?
- É, e sinto pena destes bárbaros.

- Comandante! Comandante! Eles mandaram abaixo as muralhas do lado Sul. – grita um soldado.

- Não sentiria pena deles agora. – diz o conselheiro.
- Sinto pena porque preferem viver num mundo bárbaro, sem civismo, porcos, nojentos, violentos, sem qualquer perspectiva, nem mesmo a de ver que era melhor viverem numa sociedade como a nossa.

O conselheiro tirou um punhal das suas vestes e aproximou-se do comandante, passo a passo, enquanto o comandante gritava para os seus soldados:
– Para a frente com os batalhões! – clamava.
Chegando atrás dele, não pareceu intimidar-se, e quando o comandante se virou para o conselheiro ele enfiou-lhe o seu punhal pelo ventre a dentro.
- Sinto eu pena de vocês que perderam esta guerra apenas por não terem sido capazes de nos compreender.
/...
José Pedro Cadima (2006)

segunda-feira, outubro 23, 2006

Pedra para diamante

Está um sol tão brilhante
que seria capaz de converter pedra
em diamante.

Mas, para mim,
apenas anoitece
enquanto choro
e perscruto o que acontece…

Bate dentro de mim,
com muita força,
meu coração,
à espera que o ouça.

Grita por ti,
como pela vida…
Grita por ti,
”minha querida”.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, outubro 22, 2006

Voltar ao amor

A necessidade de escrever
apodera-se de mim
como as chamas
se apoderam de palha seca.

Sem apelo,
sem dó nem piedade,
volto à escrita, como volto ao amor,
mesmo que isso possa parecer coisa de fracos,
coisa dos que amam uma, para sempre.

Apodera-se de mim uma força
que me prende a ti;
anseio tanto o teu amor
que, à força de desejá-lo,
creio que está aí a própria razão de mo recusares.
Resta-me, então, esta escrita desesperada.

José Pedro Cadima (2005)

sábado, outubro 21, 2006

Minha Querida Helena

Ter-te-ás dado conta que as duas mais recentes cartas que te dirigi iam com as datas gralhadas: em vez do que aparece, deveria estar 17 e 18 de Agosto, respectivamente. Vais ter que me perdoar isso, que outra coisa não é que expressão de uma mente cansada e baralhada. A gravidade da falta deverá ser compatível com o nível de tolerância que tu manténs em relação aos meus erros – assim o creio.
Na verdade, escrevi-te quase só para te transmitir isso e deixar este apelo. Não fora este pretexto, não querendo, por outro lado, repetir-me nos meus lamentos, não teria assunto para esta mensagem. Como bem sabes, não é assunto com que se mace quem quer que seja, muito menos alguém de quem muito se gosta, especialmente depois de um dia de trabalho cinzento, após outro de idêntico tom, num arrastar de pés, sem alegria nem esperança.
Assim sucedendo, dando corpo ao pensamento que me assiste, e também como forma de preencher esta página, ouso citar o meu filho num dos seus versos tão forte nos sentimentos que transmite quanto impressionante nos termos de que se socorre; a saber:

Demónio da minha paixão

Rio de sangue,
que transportas o meu demónio,
permite que eu aceda
ao favor de um beijo
que me faça sorrir.
Demónio de sangue,
demónio esbanjador,
faz-me um favor:
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio de escolta,
meu segurança
dos demónios à solta,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio da sorte,
transportador da minha felicidade
ou morte,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio alimentador
da minha paixão grande e assombrosa,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio sugador
de toda a minha atenção;
demónio que me arrebata o coração;
espeta-me um beijo e sorri.
Demónio do amor,
rainha da beleza,
só tu fazes a minha dor.
Por assim ser, espeta-me um beijo e sorri.

Demónio da minha vida
e da minha glória,
nem tu sabes o quanto
te quero arrancar um sorriso;
pois, meu amor,
tu és o meu demónio
e eu não sei viver sem ti.
(Cadima, José Pedro; 2004)

Sem mais palavras, quase sem palavras, despeço-me de ti, “demónio da minha vida”.


Braga, 19 de Agosto de 2004


José Cadima

sexta-feira, outubro 20, 2006

Teus olhos

Em teus olhos me afundo.
Em meus me vejo afogar.
Lágrimas me escorrem;
nelas não sei nadar.

Meu salva-vidas és tu;
só te peço que me venhas salvar.
Predadora de meus olhos,
comigo vem acabar.

José Pedro Cadima (2005)

quinta-feira, outubro 19, 2006

Luz...

Luz da minha paixão,
desce do céu,
vem iluminar meu coração,
sufoca-me com beijos,
enche-me de desejos.

Ah luz, como és bela.
Quão reconfortante
é olhar para ti.

Apetece-me abraçar-te,
beijar-te,
deixar-te penetrar
no meu coração.
Não sei, no entanto, se não me cegarias
de ilusão.

José Pedro Cadima (2004)

quarta-feira, outubro 18, 2006

Fases da vida

Na vida há muitas fases;
tantas, que nem imaginamos
que irão acontecer.

Num dia pensamos
que a nossa felicidade
dura para sempre;
no outro pensamos
como nos afundámos
em tanta miséria.

Estamos condenados a sofrer
e a sorrir sem grandes razões.
Estamos condenados a viver
e a padecer
de muitas ilusões.

José Pedro Cadima (2004)

terça-feira, outubro 17, 2006

Vampiro

Há sempre algo mais na noite do que aquilo que pensamos existir... Há sempre… mais escuro… mas também há sempre mais luz e há, entre outros, eu…
Há quem diga que os vampiros amam, para sempre e sempre, a sua primeira vítima. Eu não sou excepção, posso jurar ainda hoje a amar, mesmo depois de passados estes trezentos longos anos… Agora? Agora é de noite e eu caço. Procuro o meu alimento - sangue, doce sangue - ou apenas o prazer? Sou um vampiro. Procuro ambos!
Ao longe, vejo a minha vítima: uma fêmea, alta, esguia, cabelos loiros, encaracolados. Aproximo-me com o meu mais forte sentimento de fome. Antes que ela faça algo já minhas mãos se encontram em sua anca e meu queixo por cima de seu ombro. Sou um vampiro. Vou dizer palavras tão doces ao seu ouvido que ela deixar-se-á inclinar para trás, sobre mim. Sou um vampiro. Tudo o que digo fá-la-á ceder...
A vítima, meu eterno amor, deixa-se cair sobre meus braços. Beijo seu pescoço. Posso sentir a pele da minha primeira vítima, mesmo não sendo ela. Posso amar suas ancas enquanto se deixam cair sobre meu domínio, mesmo não sendo elas mesmas amadas de verdade. Não resisto: saio de seu pescoço para os seus lábios, tão suaves, tão fofos, com tanto sangue… iguais aos dela, aos que amei. Posso jurar sentir sua pele, mas não é ela; posso jurar sentir seus lábios, mas não são os dela; posso jurar sentir seu corpo, mas não é o dela.
Viro a minha preciosidade de frente para mim e rasgo-lhe a roupa. Encosto meu frio e morto corpo ao quente e vivo dela. Sinto o sangue escorrer… dentro dela, quente, minha refeição…
Mordo-a! Como é bom ouvi-la gritar. É como o eco dos meus gritos de solidão por estar sem ela, meus grandes, dolorosos, e convictos gritos. Os dela são apenas ecos dos meus. Tenho de admitir excitar-me com eles; tenho de admitir amá-los…
O sangue sabe a ferrugem. Como é bom saboreá-lo, tão quente, tão vivo, para algo tão morto… Se os gritos me excitavam, o sangue é o clímax, é o chegar ao céu. Ai o sangue! Que prazer me dá!
Já vão trezentos anos! Há trezentos anos está ela morta mas, a cada vitima, saboreio o mesmo sangue, toco a mesma pele, beijo os mesmos lábios e amo… como que pela primeira vez….


José Pedro Cadima (2006)

segunda-feira, outubro 16, 2006

O teu objecto

O que procuras,
procura-o em mim.
O que queres,
pede-mo a mim.

Que amas?
Ama-me a mim.
Que beijas?
Beija-me a mim.

Se queres alguém,
tens-me a mim.
Se queres algo,
faz de mim o teu objecto.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, outubro 15, 2006

Voltar a viver

Apetece-me saltar de tão alto
que voltar ao chão seja impossível.
Apetece-me correr tão rápido
que parar pareça um sonho.
Apetece-me entrar num sono tão profundo
que acordar seja voltar a viver.

José Pedro Cadima (2005)

sábado, outubro 14, 2006

Quero sonhar

Quero voltar a sonhar
e poder imaginar
que sou mais leve que o ar,
que sou maior que o mar,
que sou capaz de voar
ou o mundo inteiro saltar.
Quero ser capaz de sorrir
e libertar-me do sofrimento
que me atormenta a alma.


José Pedro Cadima (2004)