Silhuetas aos milhares, de homem ou mulher, mas sempre evidenciando-se pelo contorno, pela sua delicadeza, passam nestas ruas.
“Feita para aqui estar, para te seduzir”, disse uma delas. “ Muitas mãos me tocaram e me tentaram domar mas minha mestra, lá em cima, soube ter lábios para aceitar muito poucos dos que tentaram e rejeitar muitos que não me chegaram sequer a tocar”, disse a de cintura mais estreita que por ali passava.
A sua mestra tinha cabelo ondulado, que encaracolava à medida que descia dos seus ombros até meio das costas. Eram pretos. Os seus olhos eram castanhos-claros, com uma leve mistura de mel. Não o percebia bem ao longe, mas que tinham brilho tinham. Percebia-se-lhe juventude e paixão no que fazia, mas o que seria que fazia? Confiarei nas palavras da sua silhueta.
Sua cara apresentava um tom rosa leve, muito leve, aproximando-se do bege. Suas sobrancelhas não eram finas nem grossas; tinham a largura de um lápis ou de um pau de um gelado, se assim preferirem. Consegui cheirar o seu perfume, brevemente, quando passou por mim. Fiquei arrebatado. Fiquei parado a olhar para a frente enquanto a deixava passar por mim e, mais adiante, passava por outros que não faziam como eu. Eu ficara paralisado, com medo de olhar para trás, com medo de me apaixonar, com medo de ver algo que me fizesse corar. A beleza fazia-me corar.
O medo afastou-se. Deve ter percebido que ela já há muito tinha esse efeito em muitos homens. Fiz então o que o resto das pessoas que por ali passavam já tinham feito, que era voltar a olhá-la do ângulo que fosse possível.
Muitos homens a olhavam, muitos a contemplavam, muitos a desejavam. Percebia-se nalguns a paixão que os assaltava. Muitos reteriam a sua imagem para lembrá-la em noites solitárias. Ela era a mais bela figura que alguma vez tinham visto. “Não se vê disto todos os dias”, retorquiu a silhueta de um homem ao pensamento do mesmo.
Também muitas mulheres a olhavam e muitas a odiavam. Comentavam entre elas ser a outra falsa. Invejavam-na e tentavam convencer-se da respectiva superioridade. Outras, por contraponto, retinham a imagem para dela se recordarem em noites solitárias…
José Pedro Cadima
(excerto de texto inédito de 2006, intitulado “Ano de abertura”)
“Feita para aqui estar, para te seduzir”, disse uma delas. “ Muitas mãos me tocaram e me tentaram domar mas minha mestra, lá em cima, soube ter lábios para aceitar muito poucos dos que tentaram e rejeitar muitos que não me chegaram sequer a tocar”, disse a de cintura mais estreita que por ali passava.
A sua mestra tinha cabelo ondulado, que encaracolava à medida que descia dos seus ombros até meio das costas. Eram pretos. Os seus olhos eram castanhos-claros, com uma leve mistura de mel. Não o percebia bem ao longe, mas que tinham brilho tinham. Percebia-se-lhe juventude e paixão no que fazia, mas o que seria que fazia? Confiarei nas palavras da sua silhueta.
Sua cara apresentava um tom rosa leve, muito leve, aproximando-se do bege. Suas sobrancelhas não eram finas nem grossas; tinham a largura de um lápis ou de um pau de um gelado, se assim preferirem. Consegui cheirar o seu perfume, brevemente, quando passou por mim. Fiquei arrebatado. Fiquei parado a olhar para a frente enquanto a deixava passar por mim e, mais adiante, passava por outros que não faziam como eu. Eu ficara paralisado, com medo de olhar para trás, com medo de me apaixonar, com medo de ver algo que me fizesse corar. A beleza fazia-me corar.
O medo afastou-se. Deve ter percebido que ela já há muito tinha esse efeito em muitos homens. Fiz então o que o resto das pessoas que por ali passavam já tinham feito, que era voltar a olhá-la do ângulo que fosse possível.
Muitos homens a olhavam, muitos a contemplavam, muitos a desejavam. Percebia-se nalguns a paixão que os assaltava. Muitos reteriam a sua imagem para lembrá-la em noites solitárias. Ela era a mais bela figura que alguma vez tinham visto. “Não se vê disto todos os dias”, retorquiu a silhueta de um homem ao pensamento do mesmo.
Também muitas mulheres a olhavam e muitas a odiavam. Comentavam entre elas ser a outra falsa. Invejavam-na e tentavam convencer-se da respectiva superioridade. Outras, por contraponto, retinham a imagem para dela se recordarem em noites solitárias…
José Pedro Cadima
(excerto de texto inédito de 2006, intitulado “Ano de abertura”)
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