domingo, janeiro 11, 2009

“A derrota dos comentadores”

“Houve uma fase na história portuguesa recente em que a pugna política foi amiúde confundida com o desfiar de argumentos por parte dos comentadores políticos. Recordo-me, a propósito, de ter assistido ao caricato de uma contabilização de ganhos e perdas políticas em vésperas de sufrágio para a Assembleia da Republica a partir do alinhamento político dos comentadores de maior saída no panorama jornalístico e radiofónico nacional.
Escutando um destes dias um desses comentadores, veio-me à memória este episódio na precisa altura em que o personagem em questão admitia ter passado o mês precedente a pregar no deserto, isto é, admitia que o discurso que vinha mantendo se revelara inconsistente com a realidade. O que neste caso quer dizer que, posto o libelo de ingénuo político atirado ao Eng.º. Guterres, afinal o único anjinho tinha sido o próprio comentador.
Tratava-se da confissão da derrota poucas semanas após ter tido que engolir um sapo ou, melhor, um engenheiro vivo. Nesta última situação deparava-se, entretanto, com uma agravante: não tinha as sondagens eleitorais para se desculpar.
Isto dito, deduzirão os leitores que invoco aqui estes episódios para afirmar que os comentadores também são humanos, quer dizer, erram ou, noutro sentido, para lhes louvar a humildade que repassa de gestos como o que ilustro. Nada mais errado! Pelo contrário, o que quero aqui sublinhar é a indignidade de tais gestos, que os negam enquanto comentadores e arrastam para a lama toda a classe.
Sim, porque se o seu negócio é a mistificação, que sentido fará voltar atrás e admitir que a mensagem não passou? Em boa coerência, o que haverá que fazer é persistir no dislate, no exercício de retórica, no branqueamento da ideia que a imagem que se quis fazer passar não ia além de uma mistificação. Doutro modo, o que importa fazer crer é que não foi o analista que se enganou mas, antes, que a realidade estava possuída de comportamentais desviantes, sobre que urgia actuar.
É nesse sentido que me preocupa a viabilidade do exercício do comentário. É nesse sentido que falo na derrota, na morte definitiva, porventura, dos comentadores, e que faço bem presente a minha mágoa.
É uma mágoa profunda, que alguns dos meus leitores talvez não alcancem. Entendê-lo-ão, seguramente, aqueles mais assíduos na leitura destas crónicas que tenham por isso notado a sensibilidade ecológica que perpassa muitas delas. Alguns destes comover-se-ão comigo, mesmo, perante a perspectiva de uma perda irreparável, um atentado mais à diversidade faunística do nosso querido Portugal.
Fica-me a esperança que esta crónica não tenha chegado demasiado tarde.”

J.C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/12/31, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

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