quarta-feira, dezembro 17, 2008

O que é que quero ser quando for grande?

Cara Professora,
A sua pergunta é das mais introspectivas que tive nos meus, até agora, oito anos… não, quero dizer, nos meus nove anos de vida (oito anos e sete meses, arredondados para cima).
Quando, na minha jovem idade de dezoito dias e quatro horas, decidi que queria ser “respirador profissional”, não entendia ainda muitas coisas. Com a prática, respirar provou ser uma actividade para o qual eu tinha tanta aptidão que o fazia mesmo quando não estava a pensar nisso. Acontecia-me com a maior das naturalidades.
Ainda jovem, em tempos de, como se sabe, grande promiscuidade, decidi ser “mamador profissional”. Tinha então vinte e um dias e vinte e duas horas. Mantive o sonho e esforçava-me por praticar todos os dias, a quase toda a hora. Acordava durante a noite a horas pré-marcadas para chorar e mamar. Ás vezes, isso revelava-se um enorme desafio mas, talvez devido a essa emoção, fui insistindo. De facto, pelos meus trezentos e trinta e quatro dias, o desafio foi maior que a minha emoção: a patroa desmamou-me! Felizmente, dadas as compensações definidas na lei de pendor socialista, recebi em troca um biberão de chucha amarela.
Destroçado, impedido de continuar o sonho de quase toda uma vida, utilizei as minhas compensações de forma pouco digna: comecei a beber! Bebia tudo o que encontrava. Não achava sentido em preocupar-me com aquilo que me enfiavam no biberão. Enchia-me de leite magro, leite meio-gordo, leite gordo! Por vezes, em actos de pura inconsciência, chuchava sem que houvesse leite.
Lembro-me de num desses dias, depois de ter acumulado largas dívidas, vir o senhor meu pai penhorar-me o biberão. Desde esse dia que não tenho actividade fixa. Percorro este mundo sem sonhos.
Por vezes, discuto com a Rosa o assunto, ela diz-me sempre que já achou o sonho dela: “baloiçadeira”. Eu, sinceramente, não entendo este tipo de comunzisse que anda para aí. Neste meu entender, fazer algo tão fácil e com tantos praticantes é uma espécie de cobardia! Pelo menos, não tem a atitude o Ricardo, o rapaz não se enxerga. Tem a tola ideia de que quer se astronauta e andar na Lua. Esquece-se que para isso precisa de certas características que comprovem a sua aptidão para o trabalho. Primeiro, tem de ficar bem de branco, e não fica. Segundo, não consegue flutuar na água quando mais no ar! Uma verdadeira anedota.
Se fosse de minha exclusiva decisão aquilo que eu seria quando fosse grande, teria de reflectir as minhas bases de pensamento. Como não encontro profissão que se adeqúe, deixo-lhe aqui um conjunto de características que se enquadram no perfil:
- quero ter uma barba branca e sábia, um peso ligeiramente acima do normal e uma estatura normal;
- a minha roupa deverá ser escura, um fato, talvez um colete, sendo que tanto um como outro terão um conjunto de bolsos bonitos onde possa colocar um redondo e dourado relógio de bolso;
- desejo encontrar a minha paz ao som de música clássica;
- a minha voz deverá ser portadora de um suave sotaque britânico e eu dispor de um cachimbo em pinho castanho;
- no fim de todas as minhas frases, deverei fazer referência ao autor que citei;
- o meu rabo será suposto adaptar-se a um sofá de couro castanho claro, que estará eternamente virado para a mesa onde me deverá ser servido, pontualmente, o chá das três.

José Pedro Cadima

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