domingo, janeiro 25, 2009

“A arte de tapar o sol com uma peneira”

“Morreu recentemente um professor universitário e economista português por quem nutria simpatia. Não uma simpatia forjada no convívio pessoal ou na afinidade ideológica mas, antes, pelo culto da irreverência e da incomodidade que ele sempre soube manter.
Morreu vítima de atropelamento, não estando confirmado que tenha sido a mando do Prof. Cavaco Silva, seu colega de Faculdade, e alvo preferencial das crónicas de crítica económica que fez publicar durante os últimos anos.
Soube já depois da sua morte que fora militante do PPD, senão mesmo sócio fundador. A confirmar-se essa circunstância mais relevada sai a sua memória num tempo em que na Universidade sobressai o culto do cinzentismo e da mediocridade.
Da derradeira conferência do Prof. Alfredo Sousa a que assisti recordo uma frase que dá bem conta da forma como estava na vida e na política.
Estava-se então em 1993. Haviam-se esgotado os fundos postos ao dispor de Portugal pela Comunidade Europeia no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio 1989/93, e o Governo não cessava de publicitar o lançamento de novos programas de apoio a que chamava «pacotes». A dado passo da sua intervenção, o Prof. Alfredo Sousa reportar-se-ia a estas políticas nos termos seguintes: «os pacotes, que como sabem são conjuntos vazios…». A plateia rompeu em riso aberto.
Antes e depois, por múltiplas ocasiões, teve o citado economista oportunidade de reclamar doutras políticas do Prof. Cavaco que, similarmente, não passavam de tentativas de tapar o sol com a peneira, como é uso dizer-se. Terá sido pouco ouvido ou, melhor, pouco lido, o que também não espanta: os jornais têm cada vez menos leitores e o Prof. Cavaco faz questão que se saiba que, pela sua parte, não despende mais de 10 minutos (ou serão cinco?) do seu tempo diário com a leitura da imprensa.
Talvez seja por isso que o Primeiro-Ministro está em via de completar o seu décimo ano à frente do Governo do país. E talvez seja por ter compreendido isso que tem nomeado para o Ministério da Educação quem tem nomeado.
A dúvida maior que me assiste, entretanto, reside em saber se é o mesmo propósito que o move no projectado regresso à Universidade.
Os desígnios de «Deus» são verdadeiramente insondáveis.”

J.C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 94/12/03, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

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