Minha Querida Helena,
Volvidas que são as
conferências e outras urgências, tento voltar para ti. Tento, digo, porque
retomar o “romance” não é apenas uma questão de querer; é muito mais uma coisa
que releva do ser.
Nessa busca do íntimo, recordo
primeiro a troca de palavras sem sentido que ontem mantivemos. Odeio falar
contigo ao telefone e, sabendo-o, tu pareces querer que eu odeie cada dia mais:
explica-me lá porque misteriosa razão, conhecendo eu alguém, não posso deixar
de conhecer a tia desse alguém, a sobrinha e, ainda, o enteado? Não fazendo
sentido que essa ideia releve de qualquer encadeado razoável de circunstâncias,
quando me atiras com esse arrazoado só poderás estar a querer gozar comigo ou,
o que vai dar no mesmo, a pretender irritar-me - sabendo-me ao telefone. É mais
um incentivo para que não te ligue. De tanto insistires, acabarás por ser
sucedida no teu intento de pôr termo a esse tipo comunicação entre nós.
Do telefone, volto para os
meus pensamentos e deles para a sede que me ficou de soltar a raiva resultante.
Nessas alturas pode-se fazer qualquer coisa: até achar que não há mais espaço
para o romance. Ganhar distância, remeter para o domínio do ficcional palavras
trocadas que nunca deveriam tê-lo sido é a outra opção. Não é nunca fácil, não
obstante. Só dando tempo ao tempo se viabiliza que o romance se sobreponha à
raiva e a saudade emirja, leve, primeiro, com intensidade maior, depois.
Nessa altura, nesta altura já
te sinto o rosto pousado sobre o meu colo, já sinto a tua pele sedosa nos meus
dedos enquanto a minha mão percorre as tuas costas, encalhando nas costuras das
tuas roupas. Estou de volta para ti, mas nem por isso deixo de me questionar se
não será hora de partir para sempre de cada vez que a minha mão encalha nas
costuras das roupas (ou as minhas palavras trocadas contigo ao telefone na tua
obsessão de transformar cada telefonema que te faço num abismo sem fundo). A
mão vai fazendo caminho pela pele sedosa; para lá das costuras insinua-se um
estremeção de excitação e a resistência quebra-se. Estou de volta ao romance,
estou de novo contigo, aconchegando-me no teu peito.
Porque não dura sempre este
nosso romance, meu amor?
José Cadima
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