Minha Querida Helena,
Retomo hoje o tema da carta que era para te ter escrito há dois ou três dias e que a conjugação do cansaço, primeiro, com a urgência de finalizar um relatório, depois, impediram que te tivesse escrito na devida altura, isto é, a quente. O tema é, nem mais nem menos, quanto eu detesto conversar contigo ao telefone; especialmente contigo.
Explico: uma coisa é poder comunicar contigo via telefone, poder questionar-te sobre o teu estado de saúde e/ou o teu humor, ou acertar contigo a que horas te vou ou não ver, outra é conversar; sendo certo que tu pareces tomar como substitutos uma conversa frente a frente ou através do telefone. Assim me parece a atender quer ao tempo que usualmente tomam as tuas ligações telefónicas quer à facilidade com que tu assumes tratar nessa instância qualquer tema. Cumpre que te diga que nunca fui grande amante do telefone. Todavia, a minha vivência contigo levou-me a odiar as conversas ao telefone. Terás presente que essa foi a via que preferiste sempre que me quiseste maltratar; e fizeste-o algumas vezes.
As conversas ao telefone parecem ter a conveniência de te permitirem abstrair que do outro lado da linha está alguém igualmente com emoções, e a vantagem de viabilizar que interpretes o que te dizem como te apetecer na ocasião, sem o risco da verificação da legitimidade da leitura feita do que disse o outro. Curiosamente, em conversa pessoal directa és muito menos levada a tomar essa atitude, embora as circunstâncias não pareçam claramente distintas, se descontarmos a presença física do interlocutor e a suposta maior liberdade em termos do tempo da conversa. Admito que a força da presença do interlocutor (neste caso, eu) faça toda a diferença.
Diferentemente,
eu prefiro as palavras escritas. Também são passíveis de ser interpretadas mas
a liberdade de leitura que viabilizam é muito menor, além da existência do
próprio registo. Dizer que te amo, desse modo, só pode querer dizer isso mesmo.
Dizer que detesto conversar contigo ao telefone quer dizer que me causa
desconforto, me suscita as piores apreensões, e quer dizer que guardo recordações
sombrias de outras conversas telefónicas. Tu podes pretender o contrário, podes
até prometer que não voltas a repetir situações infelizes passadas, mas eu
desconfiarei e terei sempre para te mostrar as letras com que, adiante do teu
nome, escrevi a palavra amor.
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