sábado, janeiro 11, 2025

Minha Querida Helena (33)

Minha Querida Helena,

O telefone toca. Era a segunda vez que tocava neste dia, agora que toca muito menos que há uns meses. Atendo. És tu. Inesperadamente, do outro lado da linha ouço a tua voz sem ter imediatamente percebido que eras  tu ou, talvez melhor dito, sem ter querido acreditar que eras tu que me falava.

Não soube reagir. Fiquei a escutar o que me dizias. Também, que poderia dizer-te que não te tivesse escrito nestes 40 dias de ausência? Ocorreu-me primeiro perguntar-te se tinhas estado doente, onde e que resultados tinham revelado os exames médicos que fui levantar contigo. Fiquei contente que me dissesses que os exames não tinham revelado nada de grave. Fiquei contente, sim, embora talvez não o tivesses entendido do tom da minha voz. Tenho agora a sensação de nunca te ter falado com uma voz tão inexpressiva. Surpreendido pelo telefonema, fiquei sem palavras e quase sem emoções ou, pelo menos, incapaz de as expressar.

Dizes que me escreveste. Mencionas três cartas e aludes ao João Miguel e à atenção que as notícias que dele te dei te mereceram. Quis dizer-te quanto sensível estou para o momento que atravessa o João Miguel, de modo idêntico ao que procurei estar para a fase de maior fragilidade que o José Pedro atravessou há uns meses. Do que interpretei do que me disseste, não terás pensado assim. Felizmente, digo-te, não têm ciclos emocionais concertados porque, se os tivessem, não saberia como acudir-lhes em simultâneo. Ocasiões há em que nem as minhas próprias emoções sou capaz de gerir, quanto mais as dos miúdos, de ambos, a par das minhas. Sei hoje quanto os miúdos se me assemelham emocionalmente; de forma diferente, mas com idêntica sensibilidade emocional. Tanto pior para eles. Tanto pior para mim.

Confessas-te magoada com o que te escrevi na última carta que recebeste, datada de 1 de Setembro, conforme explicitas. Uma vez mais não sei que te dizer nem entendo a que te queiras referir. Escrevi-te tantas cartas. Como poderia eu lembrar-me de uma, em particular? Para mais não havia sido a última. Tinha bem presente que eram cartas de amor, todas. Deduzi que tinhas tomado essa pela derradeira e te tinha incomodado a crueza de sentimentos que expunha. Mas tinha bem presente ter-te escrito outras após aquela. Uma, pelo menos, tinha colocado no marco do correio há pouco mais de duas horas. Recordava-me disso muito bem. Eram todas cartas de amor, estava seguro. Como poderiam então ter-te magoado?

Descobri mais tarde, antes de te escrever esta, que a diferença daquela é que se tratava de uma carta de despedida. De despedida, digo, não a última. Não deixava, por isso, de ser uma carta de amor. Era talvez mesmo a mais intensamente vivida carta de amor das que te escrevi. Era essa a diferença. Percebi, relendo-a, porque a destacaste.

Falaste doutras coisas. De algumas não entendi a oportunidade, doutras ficou-me uma ideia muito ténue. Procurei escutar-te ou, se calhar, só ouvir a tua voz e, escutando-te, convencer-me que eras tu, a minha Helena que ousara partir. Não soube que dizer-te. No meu intimo, não estou certo ainda agora se cheguei a crer que eras mesmo tu. Seguro, seguro só sei que regressei confuso e cansado. Não te sei dizer se o cansaço me vem da jornada de trabalho, se da emoção da tua inesperada chamada, se de ambas. Achar-me confuso isso só pode ser resultado do turbilhão de pensamentos que me acodem.

Minha querida Helena: ainda bem que telefonaste! Gostei de ouvir-te. As cartas eram todas cartas de amor.


José Cadima 

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