Minha Querida Helena,
O telefone toca. Era a segunda
vez que tocava neste dia, agora que toca muito menos que há uns meses. Atendo.
És tu. Inesperadamente, do outro lado da linha ouço a tua voz sem ter
imediatamente percebido que eras tu ou,
talvez melhor dito, sem ter querido acreditar que eras tu que me falava.
Não soube reagir. Fiquei a
escutar o que me dizias. Também, que poderia dizer-te que não te tivesse
escrito nestes 40 dias de ausência? Ocorreu-me primeiro perguntar-te se tinhas
estado doente, onde e que resultados tinham revelado os exames médicos que fui
levantar contigo. Fiquei contente que me dissesses que os exames não tinham
revelado nada de grave. Fiquei contente, sim, embora talvez não o tivesses
entendido do tom da minha voz. Tenho agora a sensação de nunca te ter falado
com uma voz tão inexpressiva. Surpreendido pelo telefonema, fiquei sem palavras
e quase sem emoções ou, pelo menos, incapaz de as expressar.
Dizes que me escreveste.
Mencionas três cartas e aludes ao João Miguel e à atenção que as notícias que
dele te dei te mereceram. Quis dizer-te quanto sensível estou para o momento
que atravessa o João Miguel, de modo idêntico ao que procurei estar para a fase
de maior fragilidade que o José Pedro atravessou há uns meses. Do que
interpretei do que me disseste, não terás pensado assim. Felizmente, digo-te,
não têm ciclos emocionais concertados porque, se os tivessem, não saberia como
acudir-lhes em simultâneo. Ocasiões há em que nem as minhas próprias emoções
sou capaz de gerir, quanto mais as dos miúdos, de ambos, a par das minhas. Sei
hoje quanto os miúdos se me assemelham emocionalmente; de forma diferente, mas
com idêntica sensibilidade emocional. Tanto pior para eles. Tanto pior para
mim.
Confessas-te magoada com o que
te escrevi na última carta que recebeste, datada de 1 de Setembro, conforme
explicitas. Uma vez mais não sei que te dizer nem entendo a que te queiras
referir. Escrevi-te tantas cartas. Como poderia eu lembrar-me de uma, em
particular? Para mais não havia sido a última. Tinha bem presente que eram
cartas de amor, todas. Deduzi que tinhas tomado essa pela derradeira e te tinha
incomodado a crueza de sentimentos que expunha. Mas tinha bem presente ter-te
escrito outras após aquela. Uma, pelo menos, tinha colocado no marco do correio
há pouco mais de duas horas. Recordava-me disso muito bem. Eram todas cartas de
amor, estava seguro. Como poderiam então ter-te magoado?
Descobri mais tarde, antes de
te escrever esta, que a diferença daquela é que se tratava de uma carta de
despedida. De despedida, digo, não a última. Não deixava, por isso, de ser uma
carta de amor. Era talvez mesmo a mais intensamente vivida carta de amor das
que te escrevi. Era essa a diferença. Percebi, relendo-a, porque a destacaste.
Falaste doutras coisas. De
algumas não entendi a oportunidade, doutras ficou-me uma ideia muito ténue.
Procurei escutar-te ou, se calhar, só ouvir a tua voz e, escutando-te,
convencer-me que eras tu, a minha Helena que ousara partir. Não soube que
dizer-te. No meu intimo, não estou certo ainda agora se cheguei a crer que eras
mesmo tu. Seguro, seguro só sei que regressei confuso e cansado. Não te sei
dizer se o cansaço me vem da jornada de trabalho, se da emoção da tua
inesperada chamada, se de ambas. Achar-me confuso isso só pode ser resultado do
turbilhão de pensamentos que me acodem.
Minha querida Helena: ainda bem que telefonaste! Gostei de ouvir-te. As cartas eram todas cartas de amor.
José Cadima
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