terça-feira, janeiro 21, 2025

Minha Querida Helena (43)

Minha Querida Helena, 

Depois de ter tido este fim de tarde uma visita que me incomodou, chegou a ocorrer-me a ideia de ir procurar nos teus braços o conforto de que me sinto carente. Desisti depois de me lembrar que tinha jantado ontem contigo e nem por isso me tinha sentido especialmente confortado. Como não fazia sentido fugir daqui à procura de refúgio e, de seguida, retornar na busca de refúgio aqui, abandonei a ideia e optei por me recolher na escrita. Conforme tive de oportunidade de te dizer, as tuas cartas trazem-me alguma acalmia e, na hora que corre, preparam-me para o sono.

Não digo que tenha havido ontem algum incidente. Simplesmente, atravessara um dia com algum mal-estar físico, a juntar a alguma tensão sobrante dos dias anteriores, e não fui capaz de me mostrar insensível à falta de acerto com que lidaste comigo: insististe tu em preparar-me um jantar cuidado, quando eu apenas o queria prático e, sobretudo, rápido; fizeste tu questão de me tratar como aprendeste a tratar os teus irmãos e anteriores relações, quando eu queria que te relacionasses comigo a partir dos meus próprios parâmetros; fizeste, outra vez, questão de me excluir de questões do teu quotidiano onde eu, sem hesitação, poderia apoiar-te.

Nesta última vertente, dá-se ainda a agravante de mas omitires ou, o que é pior, me passares inverdades quando a elas te tens que referir. Disso tens exemplo bem recente na deslocação que terás feito à Povoa, de que me falaste à posteriori; deslocação que se revelou inútil por o médico não te ter permitido fazer o exame em razão dos resultados das tuas análises ao sangue – como tu me dizias – ao invés de ter resultado inútil por te teres deslocado só – como finalmente fiquei a saber ouvindo a conversa que a esse propósito mantiveste com o teu filho, perante mim. Descuido teu, talvez. Deslize voluntário, é possível. Como quer que seja, mau princípio para quem quer fazer as coisas certas, desta vez.

Situação bizarra esta, convirá, sabendo que questionas o meu empenho na nossa relação pelo pouco acompanhamento pessoal que te dou. E mais estranha se se atentar nas tuas reclamações frequentes - justas, de um modo geral - sobre o grau de solidão em que te encontras.

Pois é, querida. É como te digo: cheguei a equacionar bater-te à porta esta noite. Na dúvida sobre se te iria incomodar e, também, se, aí chegado, me apeteceria ficar, acabei por me refugiar nas tuas cartas. É um fraco substituto de ti mas, pelo menos, não me traz surpresas (a não ser quando o computador decide boicotar-me o trabalho) e acalma-me.

A bem dizer, não sei porque me acalma: se é a escrita ou és tu. O que interessa, neste caso, é mesmo que me acalme. Vou acreditar que és tu, Helena querida.


José Cadima

Sem comentários: