Minha Querida Helena,
Depois de ter
tido este fim de tarde uma visita que me incomodou, chegou a ocorrer-me a ideia
de ir procurar nos teus braços o conforto de que me sinto carente. Desisti
depois de me lembrar que tinha jantado ontem contigo e nem por isso me tinha
sentido especialmente confortado. Como não fazia sentido fugir daqui à procura
de refúgio e, de seguida, retornar na busca de refúgio aqui, abandonei a ideia
e optei por me recolher na escrita. Conforme tive de oportunidade de te dizer,
as tuas cartas trazem-me alguma acalmia e, na hora que corre, preparam-me para
o sono.
Não digo que
tenha havido ontem algum incidente. Simplesmente, atravessara um dia com algum
mal-estar físico, a juntar a alguma tensão sobrante dos dias anteriores, e não
fui capaz de me mostrar insensível à falta de acerto com que lidaste comigo:
insististe tu em preparar-me um jantar cuidado, quando eu apenas o queria
prático e, sobretudo, rápido; fizeste tu questão de me tratar como aprendeste a
tratar os teus irmãos e anteriores relações, quando eu queria que te
relacionasses comigo a partir dos meus próprios parâmetros; fizeste, outra vez,
questão de me excluir de questões do teu quotidiano onde eu, sem hesitação,
poderia apoiar-te.
Nesta última
vertente, dá-se ainda a agravante de mas omitires ou, o que é pior, me passares
inverdades quando a elas te tens que referir. Disso tens exemplo bem recente na
deslocação que terás feito à Povoa, de que me falaste à posteriori; deslocação
que se revelou inútil por o médico não te ter permitido fazer o exame em razão
dos resultados das tuas análises ao sangue – como tu me dizias – ao invés de
ter resultado inútil por te teres deslocado só – como finalmente fiquei a saber
ouvindo a conversa que a esse propósito mantiveste com o teu filho, perante
mim. Descuido teu, talvez. Deslize voluntário, é possível. Como quer que seja,
mau princípio para quem quer fazer as coisas certas, desta vez.
Situação bizarra
esta, convirá, sabendo que questionas o meu empenho na nossa relação pelo pouco
acompanhamento pessoal que te dou. E mais estranha se se atentar nas tuas
reclamações frequentes - justas, de um modo geral - sobre o grau de solidão em
que te encontras.
Pois é, querida.
É como te digo: cheguei a equacionar bater-te à porta esta noite. Na dúvida
sobre se te iria incomodar e, também, se, aí chegado, me apeteceria ficar,
acabei por me refugiar nas tuas cartas. É um fraco substituto de ti mas, pelo
menos, não me traz surpresas (a não ser quando o computador decide boicotar-me
o trabalho) e acalma-me.
A bem dizer, não
sei porque me acalma: se é a escrita ou és tu. O que interessa, neste caso, é
mesmo que me acalme. Vou acreditar que és tu, Helena querida.
José Cadima
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