terça-feira, janeiro 14, 2025

Minha Querida Helena (36)

Minha Querida Helena,

Falava-te eu, na minha última carta, dos beijos que gostava de receber. Finalmente, concedeste-me o especial favor de uns, poucos, beijos. Não foi fácil nem podes alimentar ilusão que tenham saciado, de perto que seja, a minha sede de beijos. Não esqueças a mingua a que me votaste semanas a fio. Ultrapassados os receios de não saborear mais os teus carinhos, questionava-me, aliás, que sensação me provocariam o enfrentamento dos nossos olhos e o contacto com o teu corpo: levantaria eu as defesas que ergui em semanas de abandono?

Não te adiantarei nada sobre esta matéria nesta data. Nem saberia dizer-te já que, resultado das caricias com que me presenteaste ou, mais verosivelmente, consequência do abandono a que estive votado, tudo conjugado com trabalho e esforço, não me sinto ainda menos confuso e cansado que antes. Talvez, antes pelo contrário. É caso para me perguntar se a morte virá mais depressa do mal ou da cura. Em todo o caso, a cura configurar-se-á sempre mais doce.

Depois de um dia quase inteiro a tentar ganhar energia e coragem, voltei ao trabalho. Descrente, primeiro, preso de movimentos, depois, lá fui avançando no texto e na análise. À medida que fui progredindo, a confiança foi-me acompanhando e quando parei quase me havia esquecido das dificuldades do arranque. Uma vez mais, o trabalho conseguira transportar-me para fora da minha essência. O problema é que, de quando em quando, é preciso parar e, nessa hora, tudo volta a ser como antes, isto é, cansaço, insegurança, desalento. Logo após, retomar o trabalho volta a ser tão penoso quanto fora na ocasião precedente. Passo a passo, há que percorrer o mesmo caminho: descrente, primeiro; preso de movimentos, se conseguir lá chegar. Talvez amanhã seja diferente, quiçá?

Sonhando com esse amanhã que cantará, decido-me mesmo a tomar o rumo do meu quarto, interrogando-me sobre que insónias a noite me trará. Preferia que me trouxesse sonhos; preferia que me levasse até ti e, enlaçados, ganhássemos asas e, ao sabor de vento ameno, esvoaçássemos, esvoaçássemos...


José Cadima

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