Minha Querida Helena,
Falava-te eu, na minha última
carta, dos beijos que gostava de receber. Finalmente, concedeste-me o especial
favor de uns, poucos, beijos. Não foi fácil nem podes alimentar ilusão que
tenham saciado, de perto que seja, a minha sede de beijos. Não esqueças a
mingua a que me votaste semanas a fio. Ultrapassados os receios de não saborear
mais os teus carinhos, questionava-me, aliás, que sensação me provocariam o
enfrentamento dos nossos olhos e o contacto com o teu corpo: levantaria eu as
defesas que ergui em semanas de abandono?
Não te adiantarei nada sobre
esta matéria nesta data. Nem saberia dizer-te já que, resultado das caricias
com que me presenteaste ou, mais verosivelmente, consequência do abandono a que
estive votado, tudo conjugado com trabalho e esforço, não me sinto ainda menos
confuso e cansado que antes. Talvez, antes pelo contrário. É caso para me perguntar
se a morte virá mais depressa do mal ou da cura. Em todo o caso, a cura
configurar-se-á sempre mais doce.
Depois de um dia quase inteiro
a tentar ganhar energia e coragem, voltei ao trabalho. Descrente, primeiro,
preso de movimentos, depois, lá fui avançando no texto e na análise. À medida
que fui progredindo, a confiança foi-me acompanhando e quando parei quase me
havia esquecido das dificuldades do arranque. Uma vez mais, o trabalho
conseguira transportar-me para fora da minha essência. O problema é que, de
quando em quando, é preciso parar e, nessa hora, tudo volta a ser como antes,
isto é, cansaço, insegurança, desalento. Logo após, retomar o trabalho volta a
ser tão penoso quanto fora na ocasião precedente. Passo a passo, há que
percorrer o mesmo caminho: descrente, primeiro; preso de movimentos, se
conseguir lá chegar. Talvez amanhã seja diferente, quiçá?
Sonhando com esse amanhã que
cantará, decido-me mesmo a tomar o rumo do meu quarto, interrogando-me sobre
que insónias a noite me trará. Preferia que me trouxesse sonhos; preferia que
me levasse até ti e, enlaçados, ganhássemos asas e, ao sabor de vento ameno,
esvoaçássemos, esvoaçássemos...
José Cadima
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