Minha Querida Helena,
A noite passada sonhei
contigo. Sonhei que tinhas recusado outros amores e tinhas voltado para mim. A
ironia que encontro neste sonho (de que me lembro, ao contrário do que é comum)
é que teve lugar numa altura em que não preservo quase gota de esperança que o
sonho venha a antecipar a realidade. Eu, vê lá tu, que me tinha por um lutador!
Eu que me arrastei até aqui cruzando selvas, transformando dor em raiva e raiva
em forças para prosseguir caminho.
Por coincidência ou talvez
não, essa foi igualmente a noite em que, pela primeira vez desde que me lembro,
pude conversar, sem gritos, sem manifestações de histeria, com a mãe dos meus
filhos sobre a infelicidade que se me espelha nos olhos e a solidão que me
rodeia. Ainda por cima, por sua iniciativa, já que eu havia desistido de
acreditar que essa conversa pudesse resultar noutra coisa que não em gritos,
histeria, ameaças de chantagem emocional e material e mais gritos e mais gestos
de histeria. Também ela se dera conta da infelicidade que me aparecia espelhado
nos olhos e, finalmente, admitia que não se resumia tudo a má-vontade em
relação a si e às suas expectativas e aspirações ou espírito endémico de
traição.
Saí dessa conversa mais
sereno, mais capaz de enfrentar o dia seguinte, embora incapaz de antecipar o
que esperar do dia seguinte. Gostaria que o retomar da conversa (se/quando o
houver) fosse tão sóbrio e franco quanto o foi a conversa finalmente mantida.
Não sei se o será. Custar-me-á que o não seja.
Obviamente, os projectos
constróem-se com ambições, expectativas, suor, respeito pela ambição e
expectativas dos demais parceiros de empreendimento, e cortesia. Dou tudo isso
por válido e custa-me tremendamente o sofrimento e frustração dos que são
atingidos pelo insucesso; para mais quando sou parte do problema. Mas, e eu?
Sou suposto não falhar? Sou suposto não ter os meus próprios projectos? Sou
suposto ser apenas um ser animado, sem espaço para frustações, impermeável a
emoções?
Porventura, devia sê-lo:
sofreria muito menos; não transportaria a infelicidade que carrego. Para
desgraça minha, não o sou!
Querida Helena: desculpa-me o
tom de confidência que esta mensagem transporta, e desculpa-me o que te
penalizo com o sofrimento que dela transborda.
Um beijo grande, grande para
ti.
José Cadima
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