sábado, janeiro 04, 2025

Minha Querida Helena (26)

Minha Querida Helena,

A noite passada sonhei contigo. Sonhei que tinhas recusado outros amores e tinhas voltado para mim. A ironia que encontro neste sonho (de que me lembro, ao contrário do que é comum) é que teve lugar numa altura em que não preservo quase gota de esperança que o sonho venha a antecipar a realidade. Eu, vê lá tu, que me tinha por um lutador! Eu que me arrastei até aqui cruzando selvas, transformando dor em raiva e raiva em forças para prosseguir caminho.

Por coincidência ou talvez não, essa foi igualmente a noite em que, pela primeira vez desde que me lembro, pude conversar, sem gritos, sem manifestações de histeria, com a mãe dos meus filhos sobre a infelicidade que se me espelha nos olhos e a solidão que me rodeia. Ainda por cima, por sua iniciativa, já que eu havia desistido de acreditar que essa conversa pudesse resultar noutra coisa que não em gritos, histeria, ameaças de chantagem emocional e material e mais gritos e mais gestos de histeria. Também ela se dera conta da infelicidade que me aparecia espelhado nos olhos e, finalmente, admitia que não se resumia tudo a má-vontade em relação a si e às suas expectativas e aspirações ou espírito endémico de traição.

Saí dessa conversa mais sereno, mais capaz de enfrentar o dia seguinte, embora incapaz de antecipar o que esperar do dia seguinte. Gostaria que o retomar da conversa (se/quando o houver) fosse tão sóbrio e franco quanto o foi a conversa finalmente mantida. Não sei se o será. Custar-me-á que o não seja.

Obviamente, os projectos constróem-se com ambições, expectativas, suor, respeito pela ambição e expectativas dos demais parceiros de empreendimento, e cortesia. Dou tudo isso por válido e custa-me tremendamente o sofrimento e frustração dos que são atingidos pelo insucesso; para mais quando sou parte do problema. Mas, e eu? Sou suposto não falhar? Sou suposto não ter os meus próprios projectos? Sou suposto ser apenas um ser animado, sem espaço para frustações, impermeável a emoções?

Porventura, devia sê-lo: sofreria muito menos; não transportaria a infelicidade que carrego. Para desgraça minha, não o sou!

Querida Helena: desculpa-me o tom de confidência que esta mensagem transporta, e desculpa-me o que te penalizo com o sofrimento que dela transborda.

Um beijo grande, grande para ti.


José Cadima

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