Minha Querida Helena,
No contexto intimo
proporcionado por estas cartas, tenho que te exprimir a minha perplexidade por
algo que se vem passando ultimamente, que não sei interpretar na sua plenitude.
Vamos aos factos:
i)
primeira situação – convido-te para saíres comigo: a
tua reacção é, na aparência, de agrado para, logo depois, comentares que há
muito não te dirigia semelhante convite; curioso é que, mesmo após insistência
dois dias depois, continuo sem resposta;
ii)
segunda situação – passar a noite em tua casa: na
semana passada convidaste-me para jantar contigo num dos dias, planeando eu
permanecer essa noite contigo; tudo corria com normalidade até à véspera do dia
aprazado; nessa altura dás-me notícia de não te sentires bem, fazendo-me sentir
a inconveniência de manteres o convite para o jantar; não falamos na
conveniência ou não de eu pernoitar em tua casa, retirando eu do que disseras a
ilação da falta de oportunidade; dois ou três dias depois, quando o assunto é
ventilado, exprimes surpresa por eu ter considerado dormir em tua casa pese o
teu mal-estar;
iii)
terceira e derradeira situação – a porta que se abre ou
não abre: chegado ao teu prédio, toco a campainha e o mecanismo de abertura
automática não funciona; embora noutra porta, este incidente repete-se pela
terceira vez, pelo menos; comentário teu posterior: “Como não queres ser visto
à minha porta, não a accionas em devida altura razão porque ela não abre. Ainda
há minutos a abri ao A.”; salvaguardada a riqueza de detalhes, este já havia
sido o comentário produzido em ocasião precedente (pelo menos, os sujeitos
invocados foram os mesmos).
Querendo entrar em situações
mais intimas, outros desencontros podiam aqui ser enunciados para induzir a
mesma conclusão: qualquer coisa se passa contigo que não tens querido ou sabido
explicitar mas que, bem vistas as coisas, dá notícia do teu desconforto ou
desinteresse na continuidade da nossa ligação afectiva. Se não é o caso, então
és tu que estás a atravessar uma fase profundamente desastrosa na forma como
comunicas comigo, o que, para além de lamentável, precisa de ser corrigido de pronto.
Talvez se passe contigo, minha
querida, algo idêntico ao que sucede comigo, isto é, tenhas perdido o jeito de
falar. Resta-te então a solução que eu encontrei e de que esta carta é
expressão plena. Quero eu dizer: escreve-me ou comunica comigo por gestos ou
por qualquer via alternativa que se te ofereça mas, Helena querida, não deixes
de me dizer o que te vai no coração ou na alma. Por mais que isso me possa ser
penoso, sobretudo não permitas que o nosso amor (ou a sua memória, quiçá)
naufrague nesta maré de ambiguidades e sentimentos mal expressos.
Faz-me isso, minha querida
Helena, mesmo que seja o último desejo que me satisfaças!
José Cadima
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