domingo, janeiro 05, 2025

Minha Querida Helena (27)

Minha Querida Helena,

Já está: o congresso chegou ao fim e com ele encerrou-se mais um ciclo anual. No meu íntimo é, de facto, assim, quer dizer, o congresso da ERSA, realizado a cada última semana de Agosto, constitui o momento simbólico de fecho de um ano de trabalho e o anúncio do início da nova época. Senti-o assim também este Agosto, pese a sua realização em Portugal e o meu afastamento das celebrações sociais que o evento integrou.  Percebi-o assim  mesmo que me ache demasiado desgastado, em termos físicos e de ânimo, para enfrentar o novo ciclo que se anuncia.

Em boa verdade, o congresso encerrou para mim ontem; um dia antes da subida em barco do rio. Não me achei com forças para enfrentar aquele desafio e, receando soçobrar perante o olhar público, retirei-me. Sou dos que prefiro chorar em silêncio a expor a minha desgraça ao mundo. Provavelmente, estarei ultrapassado neste jeito de ser mas é desse modo que sei exprimir-me.

A ti, conto-te isto por te tomar como um complemento de mim, um espelho em que posso observar a minha imagem; se bem que receie cada vez mais que, à mingua de luz, mesmo o espelho se recuse a refletir-me a figura, especialmente, o rosto e os olhos entristecidos.

Falo-te disto neste dia, e talvez te devesse falar, antes, do mês que é  decorrido desde a derradeira ocasião em que pude ter-te sentada a meu lado, por acaso num banco de jardim, perscrutando o correr das águas de um outro rio, mais dado à contemplação e à celebração da vida (tal qual o sinto, pelo menos). Digo isto sabendo que não há data simbólica que te escape, pelo que ouso pensar que nos reencontremos nessa invocação. Melhor para ti se assim não for: quererá significar que vencestes a distância que separa um abraço esboçado de um aceno de despedida. Eu, por contrapartida, recordo ainda como se fora à bocadinho o teu calor transmitido nesse encosto de corpos.

Melhor fora que não lembrasse e, daí, não sentisse a vontade de repetir esse aconchego. Melhor fora...

 

José Cadima

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