segunda-feira, janeiro 20, 2025

Minha Querida Helena (42)

Minha Querida Helena, 

Depois de um dia interessante, tive o desapontamento de nem o telefone recentemente adquirido ter viabilizado que conversássemos sobre coisas tão simples como a vontade que terias ou não terias que eu jantasse contigo. Na primeira vez que te falei estavas a caminho do supermercado e não era conveniente falarmos. Que te ligasse quinze minutos depois, disseste-me. Pressupunha-se que estivesses despachada. Vinte minutos depois não tinhas resolvido nada e estavas numa fila. Aliás, essa foi uma das poucas coisas que me foi possível descortinar da comunicação falhada que mantivemos.

Fui jantar. Tinha em perspectiva ligar-te depois. Nessa altura seria expectável que te encontrasses em casa (teriam passada muitos quinze minutos) e talvez a conversa fosse possível, breve e eficaz, e não enrolada e inconclusiva como tu cultivas. Ainda saí para te ligar da cabina telefónica. Apercebi-me então que o novo número telefónico ficara esquecido na memória da agenda. Cansado, voltei para o estúdio e decidi viver a tranquilidade de um fim-de-dia que se revelara frustrante, depois de um dia interessante.

A expectativa sobre o decorrer do dia vinha da noite do dia anterior, quando a presidente cessante da Escola me convidou para uma conversa pela manhã. Não muito cedo, que os anos e as pernas já pesam e é conveniente começar devagarinho. O convite tinha o aliciante de não ter agenda anunciada.

A agenda deduzi-a do decorrer da conversa. Nada menos que um rol de justificações para incapacidades objectivadas  e para desistências humilhantes. Porventura, igualmente uma tentativa de fazer passar uma imagem de independência a que faltava a credibilidade de um histórico e de uma prática recente: “até pode bem parecer, mas nunca houve essa  intenção...”; a evidência é uma batata arredondada; demos-lhe uns retoques e a batata ficará esquinuda...

A acrescentar a uma conversa de absurdos, juntou-se um clima de nervosismo entre as hostes opositoras. O nervosismo agrada-me porque ajuda a toldar a lucidez a quem ela já escasseia e é sinal de insegurança. Cria eu que quem estava numa posição muito difícil era exactamente eu, e fiquei a saber que as favas contadas não dão segurança. Que as contem novamente! Enquanto contam e não contam, eu vou-me rindo e retornando a tranquilidade que tanta falta me faz. Neste ponto, o dia corria-me bem. Corria, digo, porque depois sobreveio a desgraça do telefone que só toca quando não é conveniente e dos minutos que nunca são mais que quinze mas se eternizam.

Jantei sozinho, rememorando o correr de um dia em que me senti vivo e que, para terminar bem, reclamava uma companhia para o jantar e o aconchego de um abraço quente (agora que as noites vão ficando mais frescas). Foi pena, meu amor. Fica para a próxima!


José Cadima

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