Minha Querida Helena,
Depois de um
dia interessante, tive o desapontamento de nem o telefone recentemente
adquirido ter viabilizado que conversássemos sobre coisas tão simples como a
vontade que terias ou não terias que eu jantasse contigo. Na primeira vez que
te falei estavas a caminho do supermercado e não era conveniente falarmos. Que
te ligasse quinze minutos depois, disseste-me. Pressupunha-se que estivesses
despachada. Vinte minutos depois não tinhas resolvido nada e estavas numa fila.
Aliás, essa foi uma das poucas coisas que me foi possível descortinar da
comunicação falhada que mantivemos.
Fui jantar.
Tinha em perspectiva ligar-te depois. Nessa altura seria expectável que te
encontrasses em casa (teriam passada muitos quinze minutos) e talvez a conversa
fosse possível, breve e eficaz, e não enrolada e inconclusiva como tu cultivas.
Ainda saí para te ligar da cabina telefónica. Apercebi-me então que o novo
número telefónico ficara esquecido na memória da agenda. Cansado, voltei para o
estúdio e decidi viver a tranquilidade de um fim-de-dia que se revelara
frustrante, depois de um dia interessante.
A
expectativa sobre o decorrer do dia vinha da noite do dia anterior, quando a
presidente cessante da Escola me convidou para uma conversa pela manhã. Não
muito cedo, que os anos e as pernas já pesam e é conveniente começar
devagarinho. O convite tinha o aliciante de não ter agenda anunciada.
A agenda
deduzi-a do decorrer da conversa. Nada menos que um rol de justificações para
incapacidades objectivadas e para
desistências humilhantes. Porventura, igualmente uma tentativa de fazer passar
uma imagem de independência a que faltava a credibilidade de um histórico e de
uma prática recente: “até pode bem parecer, mas nunca houve essa intenção...”; a evidência é uma batata
arredondada; demos-lhe uns retoques e a batata ficará esquinuda...
A
acrescentar a uma conversa de absurdos, juntou-se um clima de nervosismo entre
as hostes opositoras. O nervosismo agrada-me porque ajuda a toldar a lucidez a
quem ela já escasseia e é sinal de insegurança. Cria eu que quem estava numa
posição muito difícil era exactamente eu, e fiquei a saber que as favas
contadas não dão segurança. Que as contem novamente! Enquanto contam e não contam,
eu vou-me rindo e retornando a tranquilidade que tanta falta me faz. Neste
ponto, o dia corria-me bem. Corria, digo, porque depois sobreveio a desgraça do
telefone que só toca quando não é conveniente e dos minutos que nunca são mais
que quinze mas se eternizam.
Jantei
sozinho, rememorando o correr de um dia em que me senti vivo e que, para
terminar bem, reclamava uma companhia para o jantar e o aconchego de um abraço
quente (agora que as noites vão ficando mais frescas). Foi pena, meu amor. Fica
para a próxima!
José Cadima
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