Minha Querida Helena,
Depois de um dia completo de
trabalho em Famalicão, no regresso a Braga, aventurei-me a passar por tua casa.
Queria saber o que se passava contigo e que gestos de boa-vontade (e também de
bom-senso, se me permites enunciá-lo assim) é que tinhas para mostrar.
Encontrei-te melhor que há uma
dezena de dias, mas gestos de boa-vontade (eu prefiro chamar-lhe gestos de
bom-senso) nem um só, se não contarmos com a arrumação feita da casa, que me
custa tomar àquele título por algumas vezes me parecer antes uma paranóia. Por
contrapartida, na despedida, insististe nas despedidas que não chegam a sê-lo,
e insististes no discurso entre o recriminatório e o auto-penalizante que, por
vezes( vezes demais, para o meu gosto), usas a título de despedida. Para
completar, reclamas das horas a que te procuro, das horas em que consigo
encontrar-te, do tempo que tenho ou não tenho para conversar contigo,
desejavelmente com serenidade e tempo.
Dos cuidados estéticos que deverias ter
tomado, pese o agendamento firme de que me falaras na passada 6ª feira,
disseste-me nada, para além de escusas que começam a estar gastas. Da retoma da
tua comunicação com o mundo escusastes-te de falar, se bem que fique patente
que a tua incomunicabilidade com o mundo comece, desde logo, por ser
inviabilidade de comunicar comigo. Acresce que, tendo-nos encontrado na noite
de 6ª, esperavas rever-me no sábado (assim mo disseste hoje), se bem que não mo
dissesses na 6ª feira.
Perante este rol de
sub-entendidos, mal-entendidos e desencontros, pergunto-te, minha querida
Helena, se alguma vez te ocorreu que eu queira ver-te bonita e cuidada
exactamente porque gosto muito de ti, e também porque quero que retomes o gosto
por ti própria. E questiono-te, adicionalmente, se tens presente que o amor e o
carinho vivem e alimentam-se de pequenos gestos, alguns deles puramente
simbólicos. Simbólico é, por exemplo, viabilizares que eu posso inteirar-me do
teu conforto e ânimo quando as circunstâncias não permitem que me desloque até
ti, para mais em contexto sempre inserto sobre se reages ao toque da campainha.
Esta é, acrescento, incidência que me desconforta consideravelmente.
Minha querida: começar é
abalançar-se a dar os primeiros passos e, sucedidos estes, avançar para os
segundos e assim por diante. Amor meu: o amor não é apenas uma emoção nascida
de razões que estão para além de racionalidades circunstanciais. O amor
cultiva-se como te cultivam as roseiras, os pessegueiros que dão pêssegos
grossos (quando dão poucos) ou os dióspireiros: nenhum deles dispensa ser
regado; nenhum deles gera flores e/ou frutos bonitos e grossos se deixarmos que
as ervas e as silvas as/os minem e envolvam.
Minha querida Helena: como
poderia ser-me indiferente se estás ou não estás bonita? Como poderia eu
manter-me desinteressado sobre se te sentes ou não sentes bem? Repara: eu fui
ao ponto de te dizer que se o teu conforto e bem-estar físico e psíquico
dependessem de te veres livre de mim, aceitá-lo-ia. Sofridamente, mas
aceitá-lo-ia. De outro modo, dar-te-ia espaço para duvidares de quanto
importantes és para mim.
José Cadima
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