quarta-feira, janeiro 15, 2025

Minha Querida Helena (37)

Minha Querida Helena,

Depois de um dia completo de trabalho em Famalicão, no regresso a Braga, aventurei-me a passar por tua casa. Queria saber o que se passava contigo e que gestos de boa-vontade (e também de bom-senso, se me permites enunciá-lo assim) é que tinhas para mostrar.

Encontrei-te melhor que há uma dezena de dias, mas gestos de boa-vontade (eu prefiro chamar-lhe gestos de bom-senso) nem um só, se não contarmos com a arrumação feita da casa, que me custa tomar àquele título por algumas vezes me parecer antes uma paranóia. Por contrapartida, na despedida, insististe nas despedidas que não chegam a sê-lo, e insististes no discurso entre o recriminatório e o auto-penalizante que, por vezes( vezes demais, para o meu gosto), usas a título de despedida. Para completar, reclamas das horas a que te procuro, das horas em que consigo encontrar-te, do tempo que tenho ou não tenho para conversar contigo, desejavelmente com serenidade e tempo.

 Dos cuidados estéticos que deverias ter tomado, pese o agendamento firme de que me falaras na passada 6ª feira, disseste-me nada, para além de escusas que começam a estar gastas. Da retoma da tua comunicação com o mundo escusastes-te de falar, se bem que fique patente que a tua incomunicabilidade com o mundo comece, desde logo, por ser inviabilidade de comunicar comigo. Acresce que, tendo-nos encontrado na noite de 6ª, esperavas rever-me no sábado (assim mo disseste hoje), se bem que não mo dissesses na 6ª feira.

Perante este rol de sub-entendidos, mal-entendidos e desencontros, pergunto-te, minha querida Helena, se alguma vez te ocorreu que eu queira ver-te bonita e cuidada exactamente porque gosto muito de ti, e também porque quero que retomes o gosto por ti própria. E questiono-te, adicionalmente, se tens presente que o amor e o carinho vivem e alimentam-se de pequenos gestos, alguns deles puramente simbólicos. Simbólico é, por exemplo, viabilizares que eu posso inteirar-me do teu conforto e ânimo quando as circunstâncias não permitem que me desloque até ti, para mais em contexto sempre inserto sobre se reages ao toque da campainha. Esta é, acrescento, incidência que me desconforta consideravelmente.

Minha querida: começar é abalançar-se a dar os primeiros passos e, sucedidos estes, avançar para os segundos e assim por diante. Amor meu: o amor não é apenas uma emoção nascida de razões que estão para além de racionalidades circunstanciais. O amor cultiva-se como te cultivam as roseiras, os pessegueiros que dão pêssegos grossos (quando dão poucos) ou os dióspireiros: nenhum deles dispensa ser regado; nenhum deles gera flores e/ou frutos bonitos e grossos se deixarmos que as ervas e as silvas as/os minem e envolvam.

Minha querida Helena: como poderia ser-me indiferente se estás ou não estás bonita? Como poderia eu manter-me desinteressado sobre se te sentes ou não sentes bem? Repara: eu fui ao ponto de te dizer que se o teu conforto e bem-estar físico e psíquico dependessem de te veres livre de mim, aceitá-lo-ia. Sofridamente, mas aceitá-lo-ia. De outro modo, dar-te-ia espaço para duvidares de quanto importantes és para mim.


José Cadima

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