Minha Querida Helena,
Espero que te encontres bem, na companhia dos teus. Eu cá vou indo como posso, umas horas mais fresco outras carregando com esforço óbvio o meu cansaço. Os fins de tarde, de um modo geral, têm-se revelado bastante penosos. O pior é quando ao dia se junta uma noite de sobressalto. Tirando isso – como te dizia – cá vou andando.
Sobre os meninos, dir-te-ei que lá vão indo, também. Tenho andado um pouco preocupado com o José Pedro em razão da indicação que tenho de que algo não vai bem com os seus amores (tal qual se passa com o pai). Na verdade, fiquei algo alvoroçado quando há dias me mandou uma mensagem electrónica (vulgo, e-mail) dando-me indicação que retirasse a dedicatória à Maria do seu livro em projecto. Imaginei-o logo de volta aos seus poemas de desesperança, de que te falei vai para uns tempos, e que tanto desconforto me provocaram. Surpreendentemente, contudo - tanto quanto me apercebi – isso não terá acontecido. Em vez disso, partiu com o avô rumo a Leiria, primeiro, e a Lisboa, depois, de onde me deu notícias razoavelmente descontraídas de Sintra e de Queluz. Faço grande força para que assim continue.
Todavia, a serem válidos os sinais de que te falo no parágrafo precedente, tanta ou mais preocupação que o José Pedro dá-me o João Miguel. Imagina que criou um espécie de pânico em relação ao regresso à Escola, ao ponto de uma destas madrugadas ter aparecido no quarto da mãe em choro aberto questionando se não podia ter antes aulas em casa. Confirmo assim a ideia com que tinha ficado de que o ano académico passado foi para ele um enorme pesadelo. E até nem me custa entender que como tal o tenha sentido a aquilatar pela impreparação que constatei nos professores que, em má hora, tive que contactar. Mas daí até este vale de lágrimas de um miúdo como aquele vai certa distância. Lá tenho procurado sossegá-lo o melhor que sei, mas a apreensão, essa, ninguém ma tira.
Como uso dizer – e sou inteiramente
sincero nisso – só pensa ter filhos hoje em dia quem não tem nada mais com que
se ocupar ou, o que é radicalmente pior, quem é muito ingénuo ou um grande
irresponsável. Como sabes, eu encácho-me na categoria dos ingénuos. Feito o
erro, vou ter que viver com ele, mesmo que isso me custe para além do que tenho
e posso dar. É uma de entre várias fatalidades com que estou confrontado. Daí a
expressão cá vou indo com que iniciei
esta mensagem que decidi endereçar-te.
Ciente, no entanto, que a carta vai longa e que te macei já para além do razoável, mantendo embora presente a tua benevolência, despeço-me até à próxima.
Dá cumprimentos da minha parte
ao teu filho, e não te esqueças de lhe dizer que não me julgue mal pela forma
como não soube lidar com a sua mãe. Recebe um beijo deste que tanto te quer.
José Cadima