terça-feira, janeiro 07, 2025

Minha Querida Helena (29)

Minha Querida Helena,

Espero que te encontres bem, na companhia dos teus. Eu cá vou indo como posso, umas horas mais fresco outras carregando com esforço óbvio o meu cansaço. Os fins de tarde, de um modo geral, têm-se revelado bastante penosos. O pior é quando ao dia se junta uma noite de sobressalto. Tirando  isso – como te dizia – cá vou andando.

Sobre os meninos, dir-te-ei que lá vão indo, também. Tenho andado um pouco preocupado com o José Pedro em razão da indicação que tenho de que algo não vai bem com os seus amores (tal qual se passa com o pai). Na verdade, fiquei algo alvoroçado quando há dias me mandou uma mensagem electrónica (vulgo, e-mail) dando-me indicação que retirasse a dedicatória à Maria do seu livro em projecto. Imaginei-o logo de volta aos seus poemas de desesperança, de que te falei vai para uns tempos, e que tanto desconforto me provocaram. Surpreendentemente, contudo - tanto quanto me apercebi – isso não terá acontecido. Em vez disso, partiu com o avô rumo a Leiria, primeiro, e a Lisboa, depois, de onde me deu notícias razoavelmente descontraídas de Sintra e de Queluz. Faço grande força para que assim continue.

Todavia, a serem válidos os sinais de que te falo no parágrafo precedente, tanta ou mais preocupação que o José Pedro dá-me o João Miguel. Imagina que criou um espécie de pânico em relação ao regresso à Escola, ao ponto de uma destas madrugadas ter aparecido no quarto da mãe em choro aberto questionando se não podia ter antes aulas em casa. Confirmo assim a ideia com que tinha ficado de que o ano académico passado foi para ele um enorme pesadelo. E até nem me custa entender que como tal o tenha sentido a aquilatar pela impreparação que constatei nos professores que, em má hora, tive que contactar. Mas daí até este vale de lágrimas de um miúdo como aquele vai certa distância. Lá tenho procurado sossegá-lo o melhor que sei, mas a apreensão, essa, ninguém ma tira.

Como uso dizer – e sou inteiramente sincero nisso – só pensa ter filhos hoje em dia quem não tem nada mais com que se ocupar ou, o que é radicalmente pior, quem é muito ingénuo ou um grande irresponsável. Como sabes, eu encácho-me na categoria dos ingénuos. Feito o erro, vou ter que viver com ele, mesmo que isso me custe para além do que tenho e posso dar. É uma de entre várias fatalidades com que estou confrontado. Daí a expressão cá vou indo com que iniciei esta mensagem que decidi endereçar-te.

Ciente, no entanto, que a carta vai longa e que te macei já para além do razoável, mantendo embora presente a tua benevolência, despeço-me até à próxima.

Dá cumprimentos da minha parte ao teu filho, e não te esqueças de lhe dizer que não me julgue mal pela forma como não soube lidar com a sua mãe. Recebe um beijo deste que tanto te quer.


José Cadima

segunda-feira, janeiro 06, 2025

Minha Querida Helena (28)

Minha Querida Helena, 

Embora exausto, não me sinto tão ansioso e desencantado quanto me senti em diversas outras ocasiões ao longo da minha vida. Com surpresa relativamente ao que podia antecipar, sinto uma razoável tranquilidade. Se me questionassem a esse respeito, talvez dissesse viver um certo sentimento de paz íntima.

Poderá, porventura, ser a calmaria que antecede a tempestade. Será, porventura, expressão de um despojamento de que não me  imaginava capaz. Ou, então, sinal de um cansaço e de uma saturação que iam para além das forças que me sustêm. Tanta luta. Tanto desencontro. Tanta ânsia de atenção e carinho. Tamanha carência de amor.

A ânsia de carinho não se esvaneceu, é claro. A tranquilidade pode não ser senão uma face que ignorava do desencanto: para quem era acusado de querer ter duas mulheres, não deixa de ser irónico encontrar-se sem nenhuma ou, melhor, não ser certo que a sua necessidade de ser amado venha a ser reconhecida por alguma.

Onde pára a minha pequerrucha? Onde pára a minha alma gémea? Será que o seu sexto sentido não lhe dá já notícia dos sobressaltas de alma do seu amado? Eventualmente, interferências radioeléctricas mais fortes que o usual toldam-lhe a recepção dos sinais. Ou será a distância (a afectiva incluída)? Onde pára a minha Helena?

Olhando os sinais, pelo meu lado, tenho o sentimento que as Helenas me voltam a ser esquivas, e interrogo-me porquê. A única resposta que encontro parece remeter para o amor que lhes dediquei (dedico). Quanto eu as(a) amei (amo)! Esse parece ser o meu fado e a razão profunda do meu desencanto. Quem me dera que o amor que senti e sinto tivesse sido/fosse antes algo que se assemelhasse a uma brisa do mar, numa noite serena de Verão!


José Cadima

domingo, janeiro 05, 2025

Minha Querida Helena (27)

Minha Querida Helena,

Já está: o congresso chegou ao fim e com ele encerrou-se mais um ciclo anual. No meu íntimo é, de facto, assim, quer dizer, o congresso da ERSA, realizado a cada última semana de Agosto, constitui o momento simbólico de fecho de um ano de trabalho e o anúncio do início da nova época. Senti-o assim também este Agosto, pese a sua realização em Portugal e o meu afastamento das celebrações sociais que o evento integrou.  Percebi-o assim  mesmo que me ache demasiado desgastado, em termos físicos e de ânimo, para enfrentar o novo ciclo que se anuncia.

Em boa verdade, o congresso encerrou para mim ontem; um dia antes da subida em barco do rio. Não me achei com forças para enfrentar aquele desafio e, receando soçobrar perante o olhar público, retirei-me. Sou dos que prefiro chorar em silêncio a expor a minha desgraça ao mundo. Provavelmente, estarei ultrapassado neste jeito de ser mas é desse modo que sei exprimir-me.

A ti, conto-te isto por te tomar como um complemento de mim, um espelho em que posso observar a minha imagem; se bem que receie cada vez mais que, à mingua de luz, mesmo o espelho se recuse a refletir-me a figura, especialmente, o rosto e os olhos entristecidos.

Falo-te disto neste dia, e talvez te devesse falar, antes, do mês que é  decorrido desde a derradeira ocasião em que pude ter-te sentada a meu lado, por acaso num banco de jardim, perscrutando o correr das águas de um outro rio, mais dado à contemplação e à celebração da vida (tal qual o sinto, pelo menos). Digo isto sabendo que não há data simbólica que te escape, pelo que ouso pensar que nos reencontremos nessa invocação. Melhor para ti se assim não for: quererá significar que vencestes a distância que separa um abraço esboçado de um aceno de despedida. Eu, por contrapartida, recordo ainda como se fora à bocadinho o teu calor transmitido nesse encosto de corpos.

Melhor fora que não lembrasse e, daí, não sentisse a vontade de repetir esse aconchego. Melhor fora...

 

José Cadima

sábado, janeiro 04, 2025

Minha Querida Helena (26)

Minha Querida Helena,

A noite passada sonhei contigo. Sonhei que tinhas recusado outros amores e tinhas voltado para mim. A ironia que encontro neste sonho (de que me lembro, ao contrário do que é comum) é que teve lugar numa altura em que não preservo quase gota de esperança que o sonho venha a antecipar a realidade. Eu, vê lá tu, que me tinha por um lutador! Eu que me arrastei até aqui cruzando selvas, transformando dor em raiva e raiva em forças para prosseguir caminho.

Por coincidência ou talvez não, essa foi igualmente a noite em que, pela primeira vez desde que me lembro, pude conversar, sem gritos, sem manifestações de histeria, com a mãe dos meus filhos sobre a infelicidade que se me espelha nos olhos e a solidão que me rodeia. Ainda por cima, por sua iniciativa, já que eu havia desistido de acreditar que essa conversa pudesse resultar noutra coisa que não em gritos, histeria, ameaças de chantagem emocional e material e mais gritos e mais gestos de histeria. Também ela se dera conta da infelicidade que me aparecia espelhado nos olhos e, finalmente, admitia que não se resumia tudo a má-vontade em relação a si e às suas expectativas e aspirações ou espírito endémico de traição.

Saí dessa conversa mais sereno, mais capaz de enfrentar o dia seguinte, embora incapaz de antecipar o que esperar do dia seguinte. Gostaria que o retomar da conversa (se/quando o houver) fosse tão sóbrio e franco quanto o foi a conversa finalmente mantida. Não sei se o será. Custar-me-á que o não seja.

Obviamente, os projectos constróem-se com ambições, expectativas, suor, respeito pela ambição e expectativas dos demais parceiros de empreendimento, e cortesia. Dou tudo isso por válido e custa-me tremendamente o sofrimento e frustração dos que são atingidos pelo insucesso; para mais quando sou parte do problema. Mas, e eu? Sou suposto não falhar? Sou suposto não ter os meus próprios projectos? Sou suposto ser apenas um ser animado, sem espaço para frustações, impermeável a emoções?

Porventura, devia sê-lo: sofreria muito menos; não transportaria a infelicidade que carrego. Para desgraça minha, não o sou!

Querida Helena: desculpa-me o tom de confidência que esta mensagem transporta, e desculpa-me o que te penalizo com o sofrimento que dela transborda.

Um beijo grande, grande para ti.


José Cadima

sexta-feira, janeiro 03, 2025

Minha Querida Helena (25)

Minha Querida Helena,

Se há quem “mate com o seu olhar”, tu fulminas-me com a tua ausência. A tua distância é-me insuportável. Disse-to, repeti-o, voltei a dizê-lo, e tu permaneces impenetrável. Impressionas-me na tua obstinação, confesso. Pergunto-te, entretanto: estás mais feliz? Essa distância devolveu-te o entusiasmo que havias perdido? Se sim, valeu a pena . Resta-me dar-te os parabéns e desejar-te felicidades. Se não, pergunto-me: aonde pretendes chegar então meu amor?

A ERSA cá está, como te havia dito. Já lá estive e pareceu-me bem. Vi muitas faces conhecidas e muita gente nova. Ainda bem que há gente nova. Ainda bem que há muita gente conhecida entre os participantes. Dá-me gosto rever bastantes deles, saber o que andam o fazer e por onde andam. Talvez nos reencontremos para o ano, em Portugal, em Amsterdão ou algures na Europa. Talvez ! É bom reencontrá-los, mesmo que alguns não me inspirem simpatia especial.

Já não tive coragem de acompanhar a comitiva na sua digressão social por alguns sítios do Porto. Aliás, falta-me a coragem para participar nos vários eventos sociais paralelos. A exposição pessoal seria maior e mais demorada e receio não resistir. Alternativamente, sempre posso recuperar o meu retiro e, desde ele, travar este diálogo unilateral contigo. Se questionado, tenho a escapatória de uma apresentação para acabar de preparar. Sinto-me miseravelmente, mas não me exponho e recupero forças para o dia de amanhã.

É pena que não me possas aconselhar na gestão deste processo. Por certo, terias muito para me transmitir da tua vivência e da tua reflexão. Espero que, pelo menos, estejas mais feliz que eu e que não necessites de te socorrer destas estratégias de preservação pessoal.

Cá fico, nesta espécie de estágio de preparação para o evento. Sabes, por vezes sair à rua, enfrentar a alegria dos outros é penoso. Alegra-me por eles. Entristecem-me, por contrapartida, aqueles em que não vislumbro um sorriso nos rostos.

Um beijo grande, grande para ti.


José Cadima