Minha Querida Helena,
Estive hoje em Gaia, num
hospital que conheces bem. Fiquei contente por saber que não estavas lá
internada, se bem que tivesse gostado de te ver. Face ao teu desaparecimento
repentino e sem rasto, já admiti tudo. Esta era só uma hipótese que quis confirmar.
Uma outra possibilidade que me
ocorre é que a minha preocupação com o teu bem-estar e o meu desespero te
inspirem um gozo imenso, que queiras prolongar ao limite. Como te digo, já me
ocorreu tudo; já admito tudo.
Esta carta significa, por
outro lado, que sobrevivi ao cansaço de
que falei na carta que não te escrevi por me faltarem as energias. Não te sei
dizer como, mas sobrevivi. Ponho a possibilidade de ter ido buscar forças ao meu
desalento sem fim.. Se assim tiver sido, ironicamente, terei assegurada vida
eterna.
Enquanto as respostas para as
minhas dúvidas não chegam, vou-me arrastando
nesta rotina. Nesta altura, em concreto, estou numa espécie de estágio
de preparação para a conferência anual da ERSA (European Regional Science
Association), que decorrerá este ano em Portugal, na FEP,. de hoje até domingo.
No próximo ano será
seguramente mais interessante, pelo menos assim se me sugere. Basta dizer, para
tanto, que será em Amsterdão, uma cidade que nunca visitei, de uma Holanda que
me cativa. Para mais, Amsterdão têm um apelo que lhe vem de um atributo
turístico especial: o seu bairro vermelho (cuja designação imediatamente
denuncia os seus antecedentes proletários que, ao que me dizem, preserva).
Enquanto Amsterdão não chega –
se é que virá a chegar para mim – mantenho-me, conforme deixei dito, nesta
espécie de retiro de estágio antes do grande acontecimento. Isolado do mundo,
para atingir uma melhor concentração. Retirado do mundo, para que não me choque
a festa do reencontro anual e não se torne mais presente a minha solidão.
Que te posso dizer que tu não
saibas? Talvez possa falar-te do carinho que me inspiras; da angustia, do vazio
que me traz a tua ausência. Procurarei fazê-lo em próxima ocasião.
José Cadima
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