sábado, dezembro 28, 2024

Minha Querida Helena (24)

Minha Querida Helena,

Estive hoje em Gaia, num hospital que conheces bem. Fiquei contente por saber que não estavas lá internada, se bem que tivesse gostado de te ver. Face ao teu desaparecimento repentino e sem rasto, já admiti tudo. Esta era só  uma hipótese que quis confirmar.

Uma outra possibilidade que me ocorre é que a minha preocupação com o teu bem-estar e o meu desespero te inspirem um gozo imenso, que queiras prolongar ao limite. Como te digo, já me ocorreu tudo; já admito tudo.

Esta carta significa, por outro lado,  que sobrevivi ao cansaço de que falei na carta que não te escrevi por me faltarem as energias. Não te sei dizer como, mas sobrevivi. Ponho a possibilidade de ter ido buscar forças ao meu desalento sem fim.. Se assim tiver sido, ironicamente, terei assegurada vida eterna.

Enquanto as respostas para as minhas dúvidas não chegam, vou-me arrastando  nesta rotina. Nesta altura, em concreto, estou numa espécie de estágio de preparação para a conferência anual da ERSA (European Regional Science Association), que decorrerá este ano em Portugal, na FEP,. de hoje até domingo.

No próximo ano será seguramente mais interessante, pelo menos assim se me sugere. Basta dizer, para tanto, que será em Amsterdão, uma cidade que nunca visitei, de uma Holanda que me cativa. Para mais, Amsterdão têm um apelo que lhe vem de um atributo turístico especial: o seu bairro vermelho (cuja designação imediatamente denuncia os seus antecedentes proletários que, ao que me dizem, preserva).

Enquanto Amsterdão não chega – se é que virá a chegar para mim – mantenho-me, conforme deixei dito, nesta espécie de retiro de estágio antes do grande acontecimento. Isolado do mundo, para atingir uma melhor concentração. Retirado do mundo, para que não me choque a festa do reencontro anual e não se torne mais presente a minha solidão.

Que te posso dizer que tu não saibas? Talvez possa falar-te do carinho que me inspiras; da angustia, do vazio que me traz a tua ausência. Procurarei fazê-lo em próxima ocasião.


José Cadima

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