Minha Querida Helena,
Por vezes, é tão difícil falar
contigo. Há ocasiões em que tenho a sensação que só te escutas a ti. Digo-o não
no sentido figurado - de que o teu pensamento prevaleça sobre o de outrém (o
meu) - mas no exacto sentido em que, pura e simplesmente, ignoras o que te
procuro transmitir, e fico a repetir palavras, a exprimir emoções
crescentemente irritado e tentando controlar a vontade de bater com o telefone.
Nessas ocasiões, concluo sempre, e algumas vezes digo-to, que não devia ter
telefonado. O problema é que não sou capaz de antecipar quando não te devo ligar
e, uma vez entrados nessa conversa de surdos, é tarde de mais para recuar, se
bem que o devêssemos fazer. Cortando, estabelecendo a ligação a partir do
início, a possibilidade de sucesso da comunicação é inquestionavelmente outra.
Curiosamente, isso acontece
mais em ocasiões em que procuro exprimir-te a preocupação que tenho com a tua
saúde ou com a tua estética, o que configura a ideia, que já te tenho repetido,
de que essas são peças da tua estratégia de auto-flagelação, sendo certo que, magoando-te,
me magoas também, embora as consequências desse
gesto sejam bem mais gravosas para ti.
Quando finalmente consigo que
me ouças, dizes-me amiúde que sou eu que sou incapaz de julgar a ordem das
prioridades: a prioridade de alguém que chega e que espera atenção sobre a
prioridade de agendar uma consulta médica; a prioridade de arrumar a sala sobre
a prioridade de realizar um tratamento no hospital; a antecedência absoluta de
uma visita ao café da D. Felizmina, de um cigarro sobre a visita ao
cabeleireiro.
Não entendes tu que essa tua
ordem de prioridades me confunda e me contrarie? Porque não aceitas tu, minha
querida, que eu queira ver-te fresca e bonita? Onde está a irrazoabilidade
deste meu querer?
Helena querida, fico a ansiar o teu sorriso.
José Cadima
Sem comentários:
Enviar um comentário