Minha Querida Helena,
Temerosamente, digitei o teu
número. Respondeste-me questionando porque não te tinha ligado antes. O meu
coração estremeceu de alegria, embora, crendo não te ter ouvido bem, a tenha
silenciado. Fiquei na expectativa doutros sinais. Perguntaste-me porque não
toquei à tua companhia, quando, deambulando, acabei por me achar ontem em
Barcelos, visitando a feira do livro. Acreditei então ter-te entendido bem.
Disseste-me, também, que
tinhas estado a arrumar os teus papéis e a casa. Pretendi ver nisso um sinal de
retorno à vida, um indício de que posso ter esperança de ver novamente
balouçar-te nos lábios um sorriso. Desejaria antes uma gargalhada mas um
sorriso é sempre um sorriso ... meu amor.
Envolvido nos meus
pensamentos, de coração aliviado, interrogo-me sobre se o que percebi em ti
será um momento de acalmia ou o emergir de um novo ciclo. Desejaria que as nuvens tivessem descarregado tudo
quanto houvessem que largar e o azul do céu se afirmasse com todo o brilho
próprio desta Europa do sul. Assiste-me a esperança de que retomes a rua, os
livros, os teus poemas, a força que ousavas pôr nas tuas atitudes e convicções.
Se, nesse frémito de vida, quiseres buscar repouso nos meus braços tanto melhor
para mim mas importante, importante mesmo é ter-te de regresso à luta.
Li no jornal de hoje as
desventuras de um país à espera de ter Governo e as acrimónias dos que, na sua
segurança, não perdoam a insegurança do Presidente da República e, mais do que
a insegurança, a generosidade posta por ele na sua decisão de entregar a
formação do governo a um macaqueador da política. Não tenho a este propósito a
segurança dos que aqui invoco e, tenho, por contrapartida, grande consideração
pelos que conseguem pôr bondade onde a maioria põe interesses, hipocrisia,
mesquinhez. Vou ficar a aguardar. Vou esperar pelo que dá este macaquear da
política americana no melhor estilo reaganiano. A necessidade de eleições
parece-me também a mim certa, mas lá para a primavera do próximo ano. Até lá,
vou ficar na expectativa (desejara que fora a expectativa de termos um governo
e um projecto económico para Portugal
mas, por esses, vamos ter que aguardar
muito mais).
Li o jornal embora o meu pensamento estivesse centrado em ti, nesta esperança de um sorriso teu, meu amor.
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