Minha Querida Helena,
Em tempo de confidências,
quero falar-te hoje do sentimento que tive na passada semana quando, por feliz
acaso, passei a noite em tu casa. O acaso a que me refiro releva dos nossos
desencontros recentes, que verbalizei em mensagens anteriores.
Não me deterei sobre a tua
receptividade em relação a gestos de carinho matinal; não me alongarei sobre a
estranheza que para mim é a gestão que fazes das tuas horas nocturnas, onde
parece não haver tempo para o sono – presumo que aches que outro tanto seja
válido para os demais ou, pelo menos, para mim; não comentarei a quantidade de
comida que sempre pões à minha frente, nem tão pouco a surpresa que sempre
enuncias pelo pouco que – dizes tu – eu como. Tal qual digo, pretendo apenas
dar-te notícia do sentimento que me invadiu, em tua casa, enquanto aguardava
que acabasses de fazer o jantar, primeiro, ou te libertasses das arrumações da
cozinha, depois.
Concretizando, digo-te, minha
querida, que me vi na condição de um objecto que preenche a casa. Não digo um
objecto mais, porque poderia parecer-te ofensivo, mas, em todo o caso uma peça
que ocupa um espaço, porventura preenche um vazio. Curiosamente, no teu dizer,
alguém que se move sem ruído e que, por isso, ocasionalmente te surpreende e te
assusta. Repara, o meu objectivo era estar contigo – sublinho: estar contigo – mas a ti satisfez-te ter-me
no sofá da tua sala, enquanto tu te movimentavas pela cozinha, pela casa; satisfez-te
saber-me deitado na tua cama, a perdido de sono, enquanto te ocupavas da
cozinha, da casa de banho, e do mais que julgaste ajustado para aquela hora
tardia.
Em abono da verdade, devo
dizer-te que não foi a primeira vez que pensei isto que agora te enuncio. Foi,
no entanto, a primeira vez que o senti na sua expressão vivida, na exacta hora.
Não to disse na ocasião porque não sabia como reagirias ou, melhor, receei que
reagisses mal, e isso era a derradeira coisa que eu desejaria. Digo-to agora,
num apelo à sinceridade, na expectativa de que entendas a bondade do que te
transmito e me perdoes, nessa mesma medida
Seguramente, te surpreenderei
com esta minha confissão. Tu sabes, no entanto, que és o meu único refúgio,
pelo que não havia outrém a quem segredar este pensamento íntimo. É também isso que faz a diferença entre ter ou
não ter alguém ... meu amor.
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