Minha Querida Helena,
É irónico, não é, como um amor
tão intenso e tão sofrido desagua assim, de repente, num vazio absoluto? Nem
uma palavra, nem uma letra, nem um aceno. Confrontado com tamanho vazio,
questiono-me: mas esse amor existiu? O objecto desse amor foi um ser de carne e
osso, com sentimentos? Ou tudo não passou de um sonho? Ou, se não um sonho (
para ficar a par da pós-modernidade), uma elaboração mental de um espírito já
incapaz de diferenciar o real do virtual.
Não queres tu, num gesto
piedoso (se disso és capaz), trazer-me a luz em relação a esta dúvida que
ameaça instalar-se definitivamente na minha mente?
Repara: lendo Camões ou Bocage (naquilo que
deles me recordo) retirava-se a ilação que na génese de cada verso estavam
grandes paixões, fossem elas a pátria ou sereias encantadas, também chamadas
musas. Mas eu, na minha ingenuidade de então, atrevia-me a pôr sempre uma
Helena de carne e osso, a transpirar
sensualidade, no corpo de cada uma dessas musas. Vejo agora quão ingénuo era:
eram mesmo sereias encantadas que, transportadas para os dias de hoje, não
passariam de seres virtuais; perfeitas, sim, mas desprovidas de sentidos e,
logo, de sentimentos e de qualquer
arremedo de sensualidade.
Pobres deles. Pobres de tantos depois deles
que julgaram descobrir sereias encantadas em “simples” criações digitais. Pobre
de mim que, seguindo-lhes os passos - a distancia considerável - sorvendo-lhes
os versos, me deixei ludibriar pelas lucubrações de uma mente carente de
afecto, desgastada pela luta da sobrevivência quotidiana, tal qual a deles,
porventura.
Daqui, podes tu, criatura real
ou virtual, inferir sobre o nível de debilidade em que estou. Se real, um aceno
teu, uma letra, uma palavra poderá ainda ajudar a devolver-me ao mundo dos que
são capazes de destrinçar o que é verdadeiro do que não passa de imaginário. Se
não o és, não me assiste qualquer esperança: parecendo-o embora, já não sou
deste mundo; não tendo talvez alcançado ainda o outro. Estarei no caminho.
Ao que chegamos, minha deusa!
José Cadima
Sem comentários:
Enviar um comentário