“Num país à beira mar plantado, existiu em tempos um ministro que se auto-intitulava de «fazedor de auto-estradas». E, efectivamente, inaugurou algumas, se bem que nunca se lhe conhecessem dotes de cantoneiro ou de servente de obras públicas. Porque lhe pareciam poucas as que inaugurava, implantou mesmo a tradição de as ir colocando ao serviço por troços; 5 km agora, mais 10 pouco depois, mais 7,5 quinze dias volvidos. Outras vezes, inaugurava primeiro as pontes, depois os espaços entre pontes, para, finalmente, cortar a fita do conjunto.
Andava o dito ministro nesta azáfama quando lhe trouxeram a boa (má) nova: havia sido despedido. Distraídos que andavam, ele e os demais ministros, haviam-se esquecido que as estradas não servem só para trazer, servem também para partir, e a hora de dizer adeus havia chegado.
Acabrunhado, sacola ao ombro, lá foi ele à procura de novas vidas, havendo quem diga que, na hora da despedida, procurava abafar o desgosto que lhe consumia a alma repetindo até à exaustão a frase enigmática seguinte: «um dia, ainda hei-de chegar a regedor do Terreiro do Paço e do Campo de Santana».
Ora, acontece que ao «fazedor de auto-estradas» veio a suceder um ministro que, não sendo embora apologista dos celebrados caminhos de cabras, tinha uma aversão especial aos colaboradores, que lhe ficara do tempo em que, ainda bastante moço, usava percorrer a igreja de bandeja em riste recolhendo as oferendas dos devotos. Cientes disto, logo alguns paroquianos mais vivaços reclamaram a abolição das portagens nas respectivas freguesias, não cuidando de esclarecer que a única razão porque reclamavam tratamento particular era por serem afilhados e/ou sobrinhos da D. Felisberta, ela, por seu turno, aparentada com o Sr. do Porto (não confundir com o Senhor Porto).
Instalada que foi a confusão, logo outros de paróquias mais afastadas entenderam não lhes assistir menor razão para se desfazerem das portagens; até porque, não sendo embora parentes da mencionada senhora, tinham também na família alguma Felizmina ou Adalberta.
Estava a coisa neste pé quando alguém, de cujo nome não ficou registo, se lembrou de perguntar quem pagaria as auto-estradas por fazer e, mesmo, a reparação das que haviam sido feitas. E mais perguntou o mencionado cidadão se alguém cuidara de avaliar o impacto sobre a fluidez do tráfego da abolição das portagens.
E a seguir a este cidadão vieram outros que inquiriram sobre os efeitos suburbanos de uma tal política de transportes e comunicações, e sobre o custo social da promoção do transporte individual em detrimento do transporte público. E vieram outros que deixaram outras perguntas, que de tantas serem já não enxergo.
Foi nesta altura que o ministro, empossado de fresco, teve pela primeira vez a sensação que tinha feito mau negócio ao aceitar o cargo. Depois dessa primeira vez, esse mesmo sentimento lhe haveria de ocorrer em múltiplas ocasiões ao longo do seu percurso, embora curto ainda.”
J. C.
Andava o dito ministro nesta azáfama quando lhe trouxeram a boa (má) nova: havia sido despedido. Distraídos que andavam, ele e os demais ministros, haviam-se esquecido que as estradas não servem só para trazer, servem também para partir, e a hora de dizer adeus havia chegado.
Acabrunhado, sacola ao ombro, lá foi ele à procura de novas vidas, havendo quem diga que, na hora da despedida, procurava abafar o desgosto que lhe consumia a alma repetindo até à exaustão a frase enigmática seguinte: «um dia, ainda hei-de chegar a regedor do Terreiro do Paço e do Campo de Santana».
Ora, acontece que ao «fazedor de auto-estradas» veio a suceder um ministro que, não sendo embora apologista dos celebrados caminhos de cabras, tinha uma aversão especial aos colaboradores, que lhe ficara do tempo em que, ainda bastante moço, usava percorrer a igreja de bandeja em riste recolhendo as oferendas dos devotos. Cientes disto, logo alguns paroquianos mais vivaços reclamaram a abolição das portagens nas respectivas freguesias, não cuidando de esclarecer que a única razão porque reclamavam tratamento particular era por serem afilhados e/ou sobrinhos da D. Felisberta, ela, por seu turno, aparentada com o Sr. do Porto (não confundir com o Senhor Porto).
Instalada que foi a confusão, logo outros de paróquias mais afastadas entenderam não lhes assistir menor razão para se desfazerem das portagens; até porque, não sendo embora parentes da mencionada senhora, tinham também na família alguma Felizmina ou Adalberta.
Estava a coisa neste pé quando alguém, de cujo nome não ficou registo, se lembrou de perguntar quem pagaria as auto-estradas por fazer e, mesmo, a reparação das que haviam sido feitas. E mais perguntou o mencionado cidadão se alguém cuidara de avaliar o impacto sobre a fluidez do tráfego da abolição das portagens.
E a seguir a este cidadão vieram outros que inquiriram sobre os efeitos suburbanos de uma tal política de transportes e comunicações, e sobre o custo social da promoção do transporte individual em detrimento do transporte público. E vieram outros que deixaram outras perguntas, que de tantas serem já não enxergo.
Foi nesta altura que o ministro, empossado de fresco, teve pela primeira vez a sensação que tinha feito mau negócio ao aceitar o cargo. Depois dessa primeira vez, esse mesmo sentimento lhe haveria de ocorrer em múltiplas ocasiões ao longo do seu percurso, embora curto ainda.”
J. C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 95/12/16, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)
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