quarta-feira, agosto 27, 2008

Abdicar

Abdicar… Aí está algo realmente difícil. Só a palavra já inspira medo.
Abdicar… A sua força derrubaria não uma montanha mas uma serra inteira. O seu peso puxaria o sol até mim.
Já perdi tudo, já perdi tudo tantas vezes… Agora abdico, abdico daquilo que uma vez perdi e de que, quando tomei a certeza que era meu, abdiquei.

Acendo um cigarro (eu não fumo, apenas me vejo com um cigarro nos momentos mais mórbidos; talvez seja em razão da proximidade da morte), vejo o fumo sair e, subitamente, começa a chover (o tempo é sempre o mesmo, a chuva cai dos meus olhos!). Apago o cigarro e percebo que estou descalço, nu e num deserto gelado, na noite mais fria do ano (sentimento constante).

Abdiquei da lua pois não encontrei nada mais belo. Desejei ser outro. Desejei que tudo fosse diferente. Depois desejei ser eu mesmo e ter tudo como agora. Tornei isto num ciclo de desejos. Por fim, passei a contradizer-me. Agora tento perceber qual deles sou e como está tudo.

O vento gelado sopra e trás com ele neve. O meu corpo não cede. O fumo daquele cigarro é como a dor que sinto: algo acabado de tirar do coração, sempre quente.
A dor é que me mantém vivo. É a prova de que sinto. Se não houvesse dor, não havia nada.
Dirijo-me para norte. Qualquer Canguru ficará feliz por me ver e acolher em sua casa.

Abdiquei ainda no outro dia de um pouco de tempo da minha vida. Foi por uma boa razão: meter o ombro deslocado no sítio. Tive, pois claro, o custo de oportunidade: não vi de que é que tive que abdicar mais. Quando souber o que foi, chorarei por isso.

Estou a ver ao fundo a casa gelada.
- Abdicarás do teu deserto gelado para entrar nesta bela casa? – perguntou o Canguru.
- Ó meu filho da puta… Põe-te no caralho!

José Pedro Cadima

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