Lá fora chovia e trovejava desmesuradamente. Uma jovem atada e amordaçada tremia numa pequena arrecadação escura e fria. Pouco conseguia fazer senão respirar e imaginar o seu destino doloroso. A arrecadação tinha uma forma rectangular que, talvez felizmente, a jovem, de nome Sílvia, não conseguia ver. As paredes estavam manchadas de sangue e na porta estavam escritos os nomes de vários infelizes.
Do outro lado da porta, completamente livre, estava um homem que se divertia com a sua faca: desde pequeno que abria ratos ao meio e, desde há pouco tempo, que o fazia com pessoas…
Todas as quartas, quintas, e sextas, a Sílvia saía à noite e ele olhava-a; traçava o padrão e a rotina. Ambicionava apanhá-la e, quando o fizesse, mostrar-lhe-ia que não devia sair à rua só.
Na arrecadação, a Sílvia tremia. Por vezes, sentia os peludos e gordos ratos e ratazanas que comiam migalhas deixadas em volta dos seus pés. O coração dela disparava e o suor escorria-lhe pelo corpo. Os ruídos metálicos arrepiam-na na espinha e os pêlos eriçavam-se-lhe instintivamente. Havia dezenas de ratos que guincham em seu redor, com as caudas pegajosas a roçarem-lhe os tornozelos. Ela tentava gritar, sem sucesso: saiam-lhe sons miseravelmente abafados pela mordaça.
Devagar e com extrema perícia, o vizinho predador pegava num rato e abria-o. Sacodia o animal de maneira a que as tripas cedessem e, com a gravidade, tudo se fundia numa mistela esmagada no chão. Dava-lhe prazer fazer aquilo, mas não tanto como lhe dava abrir alguém a meio, enquanto esse alguém respirava, e, de seguida, deixar os ratos alimentarem-se dele.
A Sílvia saiu pelas 23 horas, levando uma mini-saia e estava decidida a percorrer o seu caminho habitual, mas o predador gostou dela. Fazia-lhe lembrar a mãe, que à noite também saía, deixando-o sozinho nos piores dos pesadelos. Devagar, tal como aos ratos, o vizinho apanhou Sílvia a dez metros da saída de casa, numa curva onde aquela hora ninguém costumava passar e levou-a para a sua arrecadação. Descalçou-a e amordaçou-a, deixando-a com os ratos famintos - as migalhas eram só para impedir que os ratos a mordessem.
Largou o resto do rato no chão e enquanto abria a porta imaginava a pobre Sílvia a urinar pernas abaixo, tentando libertar-se das cordas, ao ouvir o ranger dos seus passos.
Não aconteceu! Fez-se meia-noite e, ao abrir a porta, deparou-se com Sílvia, de frente para a porta, enforcada nas próprias cordas que outrora a amarravam. O predador urinou pernas abaixo e, do fundo do corredor, escondido nas sombras onde o luar não conseguia chegar, ouviu uma voz:
- Não tens medo de ficar sozinho em casa?
José Pedro Cadima
1 comentário:
Tenho medo de sair à rua mas porque sou anti-social, mais nada...
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