quarta-feira, outubro 10, 2007

Criar ímpeto - 1ª parte

Entrava no edifício da empresa e cumprimentava a única pessoa minimamente educada:
- Bom dia Jorge!
- Bom dia Sr. Gabriel – Responde-me amavelmente o porteiro.
Mando descer o elevador, as portas abrem-se e o Presidente do Departamento de Recursos Humanos olha para mim. Nunca é bom, nunca é agradável quando alguém me olha assim; foi algo que entendi desde o primeiro dia que aqui entrei.
- Está atrasado Gabriel!
- Não entendo, no meu relógio são 9 horas.
- Bem, é que no meu já são 9 horas e 10…- realça ainda num tom mais intimidatório-. Suponho que adiantar o seu relógio 10 minutos não lhe faça mal.
- Obrigado. – Baixo a cabeça mais uma vez.
Ontem acertei o meu relógio pela televisão e confirmei as horas via Internet. Um dia tem 23 horas 56 minutos 4 segundos e 9 centésimos e há um relógio via Internet que me dá a capacidade de ser a pessoa mais certa de sempre, mas pouco importaria se me dissessem que um dia tem 25 horas. Eu mandaria fazer um relógio para me orientar por ele, do mesmo modo.
O meu querido presidente do Departamento de Recursos Humanos largou-se no elevador e levei então comigo o seu cheiro para o piso 4. Saí do elevador e respirei ar quase fresco. Um ambientador irrespirável está ligado algures num gabinete, longe do meu, felizmente.
- Olá Gabriel! – Diz-me a minha bela ex-namorada.
- Olá Leonor… - Preciso que depois me faças uma pesquisa sobre o projecto do Sérgio. Ele quer investir um monte de dinheiro numa empresa com a qual nunca trabalhámos. Italiana, percebes?
- Vou primeiro ao meu gabinete e já trato disso.
- Obrigado.
A Leonor afasta-se com o belo balançar de ancas. Éramos namorados mas, a certa altura, ela traiu-me com o director de Recursos Financeiros e foi promovida. As minhas insónias já não me deixam dormir, daí que, para me manter acordado no meu gabinete, ponha a minha máquina de café a funcionar e ligue o leitor de CDs.
Ás dez horas, o Eduardo tem por costume passar no meu gabinete para mandar a única pessoa de bons gostos musicais existente na empresa desligar o leitor de CDs. Diz que é barulho. Eu respondo-lhe que é “punk-rock” e ele volta a dizer que é barulhento. Desligo então o leitor de CDs.
Segue-se a visita do idiota do Roberto, que por aqui passa para pedir-me café pelas dez e meia. Na primeira vez, dei-lho com muito gosto. Pareceu-me uma pessoa simpática e com dava para falar. Descobri depois que era um ser falso que apenas me vinha pedinchar café todos os dias.
Nunca nenhum projecto meu passou nesta empresa mas sei que todos os meus projectos fazem dinheiro para esta empresa. A única diferença é que quem recebe a comissão pela autoria do projecto é o recentemente promovido a director de Marketing, o André Martins.
Nesta empresa todos se tratam mal. Dificultar a vida aos colegas é a regra. Não têm vida pessoal satisfatória e quem paga são os funcionários com as posições inferiores na hierarquia da organização.
De tarde, sou obrigado a apresentar contas por algo que não fiz. O sacrificado presidente do Departamento de Recursos Humanos dá um sermão aos seus peixes enquanto eu tento perceber do que fala ele. A Leonor, muito sagrada, para os Indianos, por sinal, consegue sempre deixar-me trabalho para fazer cinco minutos antes de eu pretender ir-me embora. Assim sucede mesmo que eu tenha ficado duas horas a perguntar-lhe se havia algo que era preciso concluir.
Ás vezes, resolvem marcar reuniões para a hora do almoço. Comem todos mais cedo e só me avisam na hora. Passo fome até às seis horas da tarde.
Na quinta-feira passada, tomei ímpeto: apresentei ao Ricardo, director do serviço, um programa de gestão que faria o nosso departamento ter mais peso dentro da empresa, ao permitir passarmos a ter acesso a mais recursos e viabilizar o aumento do volume de vendas da empresa em vinte porcento. Como resposta, fui ameaçado de despedimento. O programa vai passar a ser aplicado na empresa no mês que vem, altura em que serei transferido para outro departamento. Provavelmente, “Limpezas”.
Também já tomei a iniciativa de tornar todo o local mais agradável: passei a ser mais educado com todos meus colegas, mais participativo, isto é, tentei quebrar o gelo. Eles vingaram-se mandando a Internet do meu gabinete abaixo, enquanto eu estava ocupado com um importante projecto. Só recebi metade do meu salário nesse mês…
(continua)
José Pedro Cadima

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