quinta-feira, outubro 25, 2007

Minha Querida Helena

Por vezes, é tão difícil falar contigo. Há ocasiões em que tenho a sensação que só te escutas a ti. Digo-o não no sentido figurado - de que o teu pensamento prevaleça sobre o de outrem (o meu) - mas no exacto sentido em que, pura e simplesmente, ignoras o que te procuro transmitir, e fico a repetir palavras, a exprimir emoções crescentemente irritado e tentando controlar a vontade de bater com o telefone. Nessas ocasiões, concluo sempre, e algumas vezes digo-to, que não devia ter telefonado. O problema é que não sou capaz de antecipar quando não te devo ligar e, uma vez entrados nessa conversa de surdos, é tarde de mais para recuar, se bem que o devêssemos fazer. Cortando, estabelecendo a ligação a partir do início, a possibilidade de sucesso da comunicação é inquestionavelmente outra.
Curiosamente, isso acontece mais em ocasiões em que procuro exprimir-te a preocupação que tenho com a tua saúde ou com a tua estética, o que configura a ideia, que já te tenho repetido, de que essas são peças da tua estratégia de auto-flagelação, sendo certo que, magoando-te, me magoas também, embora as consequências desse gesto sejam bem mais gravosas para ti.
Quando finalmente consigo que me ouças, dizes-me amiúde que sou eu que sou incapaz de julgar a tua ordem das prioridades: a prioridade de alguém que chega e que espera atenção sobre a prioridade de agendar uma consulta médica; a prioridade de arrumar a sala sobre a prioridade de realizar um tratamento no hospital; a antecedência absoluta de uma visita ao café da D. Felismina, de um cigarro, sobre a visita ao cabeleireiro.
Não entendes tu que essa tua ordem de prioridades me confunda e me contraria? Porque não aceitas tu, minha querida, que eu queira ver-te fresca e bonita? Onde está a irrazoabilidade deste meu querer?
Helena querida, fico a ansiar o teu sorriso.

Braga, 14 de Julho de 2004


José Cadima

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