domingo, junho 29, 2008

Minha Querida Helena

Volvidas que são as conferências e outras urgências, tento voltar para ti. Tento, digo, porque retomar o “romance” não é apenas uma questão de querer; é muito mais uma coisa que releva do ser.
Nessa busca do íntimo, recordo primeiro a troca de palavras sem sentido que ontem mantivemos. Odeio falar contigo ao telefone e, sabendo-o, tu pareces querer que eu odeie cada dia mais: explica-me lá porque misteriosa razão, conhecendo eu alguém, não posso deixar de conhecer a tia desse alguém, a sobrinha e, ainda, o enteado? Não fazendo sentido que essa ideia releve de qualquer encadeado razoável de circunstâncias, quando me atiras com esse arrazoado só poderás estar a querer gozar comigo ou, o que vai dar no mesmo, a pretender irritar-me - sabendo-me ao telefone. É mais um incentivo para que não te ligue. De tanto insistires, acabarás por ser sucedida no teu intento de pôr termo a esse tipo comunicação entre nós.
Do telefone, volto para os meus pensamentos e deles para a sede que me ficou de soltar a raiva resultante. Nessas alturas pode-se fazer qualquer coisa: até achar que não há mais espaço para o romance. Ganhar distância, remeter para o domínio do ficcional palavras trocadas que nunca deveriam tê-lo sido é a outra opção. Não é nunca fácil, não obstante. Só dando tempo ao tempo se viabiliza que o romance se sobreponha à raiva e a saudade emirja, leve, primeiro, com intensidade maior, depois.
Nessa altura, nesta altura já te sinto o rosto pousado sobre o meu colo, já sinto a tua pele sedosa nos meus dedos enquanto a minha mão percorre as tuas costas, encalhando nas costuras das tuas roupas. Estou de volta para ti, mas nem por isso deixo de me questionar se não será hora de partir para sempre de cada vez que a minha mão encalha nas costuras das roupas (ou as minhas palavras trocadas contigo ao telefone na tua obsessão de transformar cada telefonema que te faço num abismo sem fundo). A mão vai fazendo caminho pela pele sedosa; para lá das costuras insinua-se um estremeção de excitação e a resistência quebra-se. Estou de volta ao romance, estou de novo contigo, aconchegando-me no teu peito.
Porque não dura sempre este nosso romance, meu amor?

Braga, 31 de Outubro de 2004


José Cadima

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