terça-feira, outubro 17, 2006

Vampiro

Há sempre algo mais na noite do que aquilo que pensamos existir... Há sempre… mais escuro… mas também há sempre mais luz e há, entre outros, eu…
Há quem diga que os vampiros amam, para sempre e sempre, a sua primeira vítima. Eu não sou excepção, posso jurar ainda hoje a amar, mesmo depois de passados estes trezentos longos anos… Agora? Agora é de noite e eu caço. Procuro o meu alimento - sangue, doce sangue - ou apenas o prazer? Sou um vampiro. Procuro ambos!
Ao longe, vejo a minha vítima: uma fêmea, alta, esguia, cabelos loiros, encaracolados. Aproximo-me com o meu mais forte sentimento de fome. Antes que ela faça algo já minhas mãos se encontram em sua anca e meu queixo por cima de seu ombro. Sou um vampiro. Vou dizer palavras tão doces ao seu ouvido que ela deixar-se-á inclinar para trás, sobre mim. Sou um vampiro. Tudo o que digo fá-la-á ceder...
A vítima, meu eterno amor, deixa-se cair sobre meus braços. Beijo seu pescoço. Posso sentir a pele da minha primeira vítima, mesmo não sendo ela. Posso amar suas ancas enquanto se deixam cair sobre meu domínio, mesmo não sendo elas mesmas amadas de verdade. Não resisto: saio de seu pescoço para os seus lábios, tão suaves, tão fofos, com tanto sangue… iguais aos dela, aos que amei. Posso jurar sentir sua pele, mas não é ela; posso jurar sentir seus lábios, mas não são os dela; posso jurar sentir seu corpo, mas não é o dela.
Viro a minha preciosidade de frente para mim e rasgo-lhe a roupa. Encosto meu frio e morto corpo ao quente e vivo dela. Sinto o sangue escorrer… dentro dela, quente, minha refeição…
Mordo-a! Como é bom ouvi-la gritar. É como o eco dos meus gritos de solidão por estar sem ela, meus grandes, dolorosos, e convictos gritos. Os dela são apenas ecos dos meus. Tenho de admitir excitar-me com eles; tenho de admitir amá-los…
O sangue sabe a ferrugem. Como é bom saboreá-lo, tão quente, tão vivo, para algo tão morto… Se os gritos me excitavam, o sangue é o clímax, é o chegar ao céu. Ai o sangue! Que prazer me dá!
Já vão trezentos anos! Há trezentos anos está ela morta mas, a cada vitima, saboreio o mesmo sangue, toco a mesma pele, beijo os mesmos lábios e amo… como que pela primeira vez….


José Pedro Cadima (2006)

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