segunda-feira, outubro 30, 2006

Na cela

Ela era tão saborosa, tão doce, tão difícil de rejeitar. O seu corpo pedia-me que a quisesse. Não sei… Eu acariciava-a. Sentia-a!
Um toque na sua pele deixava-me arrepiado, deixava-me até excitado. A adrenalina corria nas minhas veias, apetecia-me agir.
Quando nos apetece agir, tudo fica diferente; até o mais trabalhador nos parece um preguiçoso. Viste? Viste? Viste? Não viste… Estavas desatento. Tanta coisa que eu vi passar, porque eu quero agir, eu quero interferir! Ela olha-me a pedir que eu aja, que lhe faça alguma coisa… Queres, não queres? Também quero.
Os constantes abraços e aproximações de sua pele deixam-me louco, louco como um louco, capaz de fazer loucuras. Sabem o que são loucuras? Eu não sabia. Beijo sua pele, parece-me algo divinal, algo que desejo tanto. Desejo tanto esta sua camada, como será ela sem ela? Como serei eu com sua pele? Como será tudo isto?
Vejo-a todos os dias, todos os dias beijo sua cara. Toco sua pele, seu pescoço e, quando a toco, fico simplesmente louco, louco como um louco. Apetece-me arrancar algo, apetece-me tocar mais, por dentro e por fora. Apetece-me.
Noutro dia, vi teu corpo a olhar para mim; tua pele suave dizer-me baixinho, para que tu não ouvisses: “leva-me contigo”.
Então, um dia, quando estava contigo, num momento mais calmo, num lugar mais escuro, mais escondido, onde ninguém nos podia ver, eu levei-a comigo. Levei-a para longe de ti.
Desculpa o que te fiz. Alguém tinha que o fazer. Se ao menos a tua pele não tivesse pedido. Se não tivesse pedido, estarias agora aqui comigo; mas pediu-me e, se não fosse a mim, seria a outro qualquer. E como eu tinha o desejo de agir... Quando queremos agir, não somos capazes de estar parados. Lembraste quando te disse que até o mais trabalhador quando quer agir é um preguiçoso? Provei-to não foi?
A pedido da tua pele, a pedido do meu desejo, e porque ninguém mais parecia estar disponível para to fazer, eu tirei-te a pele, e deixei-te a carne viva, ali a morrer.
Agora estou na parede da cela a escrever isto, porque eu sou um assassino.

José Pedro Cadima (2006)

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