sábado, março 06, 2010

Amoras não são “fruta”

1. O texto da minha última crónica teve um acolhimento muito curioso entre os(as) seus(suas) leitores(as): alguns(algumas) receberam-na em absoluto silêncio; outros(as) fizeram questão da comentar, mas recorrendo aos canais tradicionais, tipo bilhetinho postal ou conversa pessoal. Esse facto, conjugado com a relativa acalmia na vida turbulenta que tenho, deu-me pretexto para uma conversa, entre duas cervejas e um prato de tremoços, com o meu bom amigo José Cadima (pai) sobre as aventuras e desventuras de ser editor de “jornais de parede” que apelam a dimensões da vida subjectiva de cada um ou que mantêm uma abordagem mais ficcional e intimista do mundo. Acabei surpreendido por algumas coisas que me disse. Sublinho o termo surpreendido já que, amiúde, tenho dito que poucas coisas continuam a surpreender-me.
2. Do que soube, retenho aqui particularmente a menção que me fez àquele que terá sido o texto que mais escândalo terá provocado nestes vários anos que o blogue em que publico este texto leva de edição (não, não foi nenhum das crónicas que assinei, para meu desconforto). Não me lembro do título do texto, creio até que se trata de um texto poético da autoria de uma colaboradora “recente”. O texto tem como elemento singular referir-se à colheita de amoras, aliás, daí a epígrafe que escolhi para esta crónica. E de onde resulta o escândalo? Pois, simplesmente, da ilação que alguns(as) leitores(as) fizeram de que o autor – neste caso, a autora – dizendo amoras, queria, na verdade, fazer alusão a “fruta”, isto é, terão os(as) caros(as) leitores(as) tomado amoras por “fruta” , madura, supõe-se. Em nenhum momento passou pelas brilhantes cabeças desses(as) leitores(as) que pudesse existir um fruto chamado amoras (mais silvestres ou menos silvestres) que pudesse ser colhido pelo(a) autor(a) do texto ou pelos meus estimados amigos editores do blogue.
3. Isto dizendo, que moral da história podemos retirar? Porventura, que os(as) caros(as) leitores(as) deste blogue (uma amostra seguramente representativa da sociedade portuguesa contemporânea), vêem televisão a rodos e seguem de perto a intriga quotidiana que se vive nos sub-mundos do futebol, da política, do poder judicial, etc. Na verdade, é disto que se vem alimentando a sociedade portuguesa nos últimos anos, à falta de pão, e de razão na gestão da coisa pública [escrito isto, ponho-me a imaginar o que ocorrerá à mente dos(as) ditos(as) leitores(as) quando “chocarem” com o termo “coisa pública”]. De “faces ocultas” ou com vozes distorcidas, imagino já os(as), apesar disso, meus(minhas) caros(as) leitores(as) corados(as) de vergonha, segredando no ouvido do(a) colega(a) ou amigo(a) a ousadia do cronista.
4. Pois é, a verdade é que o meu caro amigo José Cadima (pai) acabou sendo falado a propósito do que nunca imaginaria e viu o “jornal de parede” que edita com José Cadima (filho) alvo de inesperada publicidade, o que, contraditoriamente, nesta dimensão, acaba por ser coisa simpática. Ao que se sabe, os portadores de “boas notícias” quiseram mesmo ir além da cidade sede do blogue no espalhar da “boa nova”, sabendo-se que esta chegou a outras cidades deste lindo Portugal, como o Porto, por exemplo. O Porto não podia aliás escapar sabido que é daí originário o grande mestre vendedor de “fruta” do país, hoje em dia alvo de intensa imitação por fervorosos seguidores lisboetas, de cor “encarnada” ao peito.
5. Numa realidade social actual em que 60% dos portugueses inquiridos dão por seguro que Sócrates (o grande filósofo) é um grande mentiroso mas, na sua maioria, admitem continuar a votar nele (no filósofo, sem vergonha alguma), foi também sem grande surpresa que soube que entre os(as) grandes escandalizados(as) com os escritos divulgados pelos meus estimados amigos José Cadima e José Cadima se encontravam alguns(algumas) seus(suas) colegas de ofício. Entre eles, particularmente, alguns(as) membros de associações de famílias numerosas ou, quiçá, membros de várias famílias e muito estimados(as) maridos(esposas) a atravessar por ocasionais dificuldades conjugais, como é próprio das boas famílias. Amoras? Cartas de amor? Isso são coisas do domínio estritamente íntimo. Autênticas ou ficcionais, nunca, por nunca se vertem em jornais, e muito menos nestes jornais modernaços que nos chegam pela Internet quando sentimos um irresistível apelo a espreitar o que por aí vai! Vá lá, que se publiquem mas depois de mortos os seus autores. Cartas de amor, quem as não escreve…
6. Pois é, dizia, para quê ficção quando temos tantos “apitos dourados”, “faces ocultas”, “freeports” e não sei quantos casos mais tão reais, tão ali ao virar do ecran? Num tal caldo de cultura, podem lá existir amoras que não sejam “fruta”? Pode lá alguém escrever uma carta de amor ou um texto poético que não vá para lá de uma carta de amor ou de um texto lírico? Obviamente que não! Nem os(as) homens(mulheres) bem formados(as) e as famílias sólidas, coesas que temos ainda em abundância, felizmente, o permitiriam. Se algum dia as silvas vierem a dar amoras, pois que estas apodreçam no silvado. Colhê-las? Nunca! Para mau exemplo já temos o da Eva que, tendo o Adão todo para si, quis também ter a maçã.

J. C.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não faltam para aí frutos.
Cuidado com bagas envenenadas.