sábado, fevereiro 13, 2010

Afinal, ler os jornais ainda vale a pena

A conjugação de múltiplos afazeres com a percepção de que os jornais só tratavam de assuntos fúteis levou-me nos derradeiros anos a abdicar da respectiva leitura sistemática, coisa que fiz décadas a fio, especialmente do Expresso, apesar do director que tinha (José António Saraiva). Para a dita falta de tempo não concorreu o que me toma a redacção de singelas crónicas de análise do quotidiano como esta, já que, como é sabido, esse foi exercício que não cultivei senão muito esporadicamente no período recente.
Desfolhando fortuitamente o Jornal de Negócios de ontem, vejo agora ter sido pouco fundado o sentimento que alimentei sobre o que se escreve nos jornais ou, pelo menos, nalguns deles. Há, de facto, matéria que vale a nossa atenção e escritos que nos esclarecem e iluminam. É disso exemplo o texto de onde pude extrair passagens como as que reproduzo de seguida:
- “Cá por mim, sempre detestei pregadores moralistas, pelo que descansem os leitores que não vão gramar um sermão da montanha. Vão gramar, sim, o enjoo de quem está cansado de falta de saneamento básico, político-social, nestes tempos em que ´palavra de honra` já só é uma imprecação, não um juramento inabalável” (F. Braga de Matos, JN, 12 de Fev. 2010);
- “Estamos cada um por si, excepto nas associações de pequenos interesses que é o máximo de agregação social que se consegue vislumbrar, e que tem por finalidade sacar o maior bocado a que se pode deitar mão” (F. Braga de Matos, JN, 12 de Fev. 2010);
- “Não passam de gente de ejaculação precoce, num frenesim de parecer que chegaram ao fim, em auto-presumido sucesso” (F. Braga de Matos, JN, 12 de Fev. 2010).
É verdade, trata-se tudo de passagens do mesmo texto. Daí pode inferir-se sobre a respectiva abrangência e riqueza analíticas. Não são sequer as passagens mais significativas posto que outras há que dizem que “Pergunto-me se muito não tem a ver com esses ´post-moderninhos`, de cabeça vazia ou tóxicos na mão que, curiosamente, se encontram em lugares de influência e até predominância […], com esses legisladores que evitam o erro ortográfico (graças ao ´word`), mas não o de sintaxe, e fazem jorrar reformas, leis confusas e contraditórias, sem sedimentação ou ajustamento social” (F. Braga de Matos, JN, 12 de Fev. 2010).
Sendo um artigo de inquestionável interesse, como sublinho, em função da respectiva densidade, acaba por não ser um texto fácil. Essa dificuldade interpretativa sugere-se logo no início, como seguramente os(as) meus(minhas) queridos(as) leitores(as) terão percebido a partir dos excertos que retenho. Na verdade, se S. Agostinho tivesse feito os seus sermões aos peixes “da montanha”, seria muito duvidoso que estes o pudessem escutar. Por outro lado, permito-me também duvidar que o sujeito que sofre de “ejaculação precoce” se sinta satisfeito ou bem sucedido no quadro da cópula almejada. Pode até ejacular sem conseguir ultrapassar as primeiras defesas, o que, para além de frustrante, pode mesmo deixá-lo envergonhado perante a(o) parceira(o), tanto mais se esta(e) for fortuita(o).
Não sendo claros na generalidade dos casos os destinatários da crítica veiculada, de passagens como “fazem jorrar reformas, leis confusas e contraditórias, sem sedimentação ou ajustamento social”, pode inferir-se visar o analista o ministro Silva, ou o outro da justiça, cujo nome não me ocorre nesta ocasião, ou o ministro Gago, que se sabe ser especialista em fazer de conta que é um grande reformador e homem de ciência, ou, quem sabe… Entretanto, quando invoca “associações de pequenos interesses que é o máximo de agregação social que se consegue vislumbrar, e que tem por finalidade sacar o maior bocado a que se pode deitar mão”, será mais fácil perceber a ligação que visará estabelecer aos nomes de Sócrates, Ferreira Leite e Portas, em particular, que, para além de se arrastarem pelas cadeiras do poder há uma eternidade, são useiros e vezeiros em partilharem orçamentos de estado, submarinos e cavalos de Tróia, para além de lugares de administração em empresas públicas e aparentadas.
A passagem sobre os “´post-moderninhos`, de cabeça vazia ou tóxicos na mão” é, todavia, a que mais me intriga, já que não me ocorre quem são os fumadores que o governo ou a actual assembleia da República albergarão. Será o Alegre? Questiono-me porque, a ser fumador, vejo-o mais de charuto cubano na boca e, sendo cubano, não se lhe poderá chamar tóxico. Por sua vez, com todo aquele marketing do “jogging”, o Sócrates não deverá ser fumador, embora se possa admitir que sofra de ejaculação precoce, coitado.
Seja como for, o que importa mesmo aqui sublinhar é que ainda se faz boa análise social nos jornais. Apraz-me constatá-lo. Fico por isso confrontado com a necessidade de retomar velhos hábitos de leitura.

J. C.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro J.C.

Quando menos esperava, eis que faz uma nova crónica.
Relativamente ao Sócrates, já se esqueceu que ele é (faz questão de dizer que era) fumador e que até fumou em pleno vôo há uns tempos atrás? E recorda-se da promessa que fez ao eleitorado, de nunca mais fumar e da qual não temos a certeza que a terá cumprido?
Eu diria ainda que deve sofrer de ejaculação tardia, pois com tanta vontade em controlar os seus ministros e em ditar as suas próprias leis, deve ser dos que faz sofrer uma qualquer figura feminina...

Anónimo disse...

Grande escrita.
Vamos lá saber o que são.
Quanto à ejaculação precoce,
não faltam para aí muitos.