“Aos meus leitores mais atentos não surpreenderá que lhes diga que escrevi esta crónica na sala de espera de um aeroporto da Europa, nem talvez lhes estranhará que lhes deixe dito que o fiz como forma de usar o tempo (não sei se diga, de passar o tempo) de espera do avião que me deveria trazer de volta a Portugal. Já estou menos certo que se surpreendam se vos disser que me ocorreu fazê-lo a pretexto da leitura de um artigo de um semanário nacional em que o tema era estar ou não na moda o uso de meias brancas.
Para quem não tenha lido a prosa em questão, deixo dito que o articulista se referia ao uso de meias brancas masculinas (se é que as meias têm sexo) e sugeria que era tempo desta cor voltar a estar na moda, por forma a poder dar uso à colecção que o avô lhe foi oferecendo, ao longo dos anos. De uma leitura um pouco mais subtil, poderia o leitor tirar do artigo a sugestão que a moda é feita pelos fazedores de opinião, costureiros de muitos ofícios, ou poderia concluir que o seu autor passava por uma crise de imaginação, o que era, seguramente, o mais verosímil. Aliás, valha a verdade que se assinale que o articulista em causa não fazia qualquer esforço para que quem quer que fosse concluísse de outro modo.
Foi precisamente este último aspecto que mais me chamou a atenção pelo que traduz de honestidade intelectual e pelo que ela revela de personalidade da personagem, porque, concordem comigo, não haverá muitos que se disponham a admitir publicamente que atravessam um momento de crise (crise de imaginação, digo) e, simultaneamente, por dever de ofício e respeito de obrigações contratadas, se disponham ao esforço de persistir no seu trabalho. Louvo-lhe isso e louvo-lhe, ainda, a felicidade da e3scolha: as meias masculinas, um artefacto tão nobre e, eventualmente, tão descurado. Muito menor arrojo seria reter as meias femininas, tema que, para alem de muito badalado, deixaria nos seus leitores a dúvida sobre se seriam as meias ou as pernas que o articulista pretenderia relevar.
Por mim, congratulo-me por não ter sido jamais atingido por crise semelhante, já que receio bem não ter a arte e o saber que aqui exalto para a ultrapassar com a elegância necessária.”
J. C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/10/18, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)
Para quem não tenha lido a prosa em questão, deixo dito que o articulista se referia ao uso de meias brancas masculinas (se é que as meias têm sexo) e sugeria que era tempo desta cor voltar a estar na moda, por forma a poder dar uso à colecção que o avô lhe foi oferecendo, ao longo dos anos. De uma leitura um pouco mais subtil, poderia o leitor tirar do artigo a sugestão que a moda é feita pelos fazedores de opinião, costureiros de muitos ofícios, ou poderia concluir que o seu autor passava por uma crise de imaginação, o que era, seguramente, o mais verosímil. Aliás, valha a verdade que se assinale que o articulista em causa não fazia qualquer esforço para que quem quer que fosse concluísse de outro modo.
Foi precisamente este último aspecto que mais me chamou a atenção pelo que traduz de honestidade intelectual e pelo que ela revela de personalidade da personagem, porque, concordem comigo, não haverá muitos que se disponham a admitir publicamente que atravessam um momento de crise (crise de imaginação, digo) e, simultaneamente, por dever de ofício e respeito de obrigações contratadas, se disponham ao esforço de persistir no seu trabalho. Louvo-lhe isso e louvo-lhe, ainda, a felicidade da e3scolha: as meias masculinas, um artefacto tão nobre e, eventualmente, tão descurado. Muito menor arrojo seria reter as meias femininas, tema que, para alem de muito badalado, deixaria nos seus leitores a dúvida sobre se seriam as meias ou as pernas que o articulista pretenderia relevar.
Por mim, congratulo-me por não ter sido jamais atingido por crise semelhante, já que receio bem não ter a arte e o saber que aqui exalto para a ultrapassar com a elegância necessária.”
J. C.
(reprodução integral de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/10/18, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)
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