sábado, março 08, 2008

Minha Querida Helena

Em tempo de confidências, quero falar-te hoje do sentimento que tive na passada semana quando, por feliz acaso, passei a noite em tua casa. O acaso a que me refiro releva dos nossos desencontros recentes, que verbalizei em mensagens anteriores.
Não me deterei sobre a tua receptividade em relação a gestos de carinho matinal; não me alongarei sobre a estranheza que para mim é a gestão que fazes das tuas horas nocturnas, onde parece não haver tempo para o sono – presumo que aches que outro tanto seja válido para os demais ou, pelo menos, para mim; não comentarei a quantidade de comida que sempre pões à minha frente, nem tão pouco a surpresa que sempre enuncias pelo pouco que – dizes tu – eu como. Tal qual digo, pretendo apenas dar-te notícia do sentimento que me invadiu, em tua casa, enquanto aguardava que acabasses de fazer o jantar, primeiro, ou te libertasses das arrumações da cozinha, depois.
Concretizando, digo-te, minha querida, que me vi na condição de um objecto que preenche a casa. Não digo um objecto mais, porque poderia parecer-te ofensivo, mas, em todo o caso, uma peça que ocupa um espaço, porventura preenche um vazio. Curiosamente, no teu dizer, alguém que se move sem ruído e que, por isso, ocasionalmente te surpreende e te assusta. Repara, o meu objectivo era estar contigo – sublinho: estar contigo – mas a ti satisfez-te ter-me no sofá da tua sala, enquanto tu te movimentavas pela cozinha, pela casa; satisfez-te saber-me deitado na tua cama, perdido de sono, enquanto te ocupavas da cozinha, da casa de banho, e do mais que julgaste ajustado para aquela hora tardia.
Em abono da verdade, devo dizer-te que não foi a primeira vez que pensei isto que agora te enuncio. Foi, no entanto, a primeira vez que o senti na sua expressão vivida, na exacta hora. Não to disse na ocasião porque não sabia como reagirias ou, melhor, receei que reagisses mal, e isso era a derradeira coisa que eu desejaria. Digo-to agora, num apelo à sinceridade, na expectativa de que entendas a bondade do que te transmito e me perdoes, nessa mesma medida
Seguramente, te surpreenderei com esta minha confissão. Tu sabes, no entanto, que és o meu único refúgio, pelo que não havia outrem a quem segredar este pensamento íntimo. É também isso que faz a diferença entre ter ou não ter alguém... meu amor.

Braga, 19 de Julho de 2004

José Cadima

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