“Não restam dúvidas que o frio transforma os seres humanos; transforma-os, transtorna-os tanto que não há coisa que mais anseiem que o calor: o calor humano, está bom de ver.
Radica a ideia que aqui avanço na observação sistemática que venho prosseguindo do comportamento do cidadão europeu mais a norte, isto é, de latitudes onde o sol é mais avaro. E, se bem que este não seja campo de investigação para que me reconheça particularmente preparado, procuro compensar a falta de domínio dos instrumentos de pesquisa com empenhamento redobrado na contemplação do objecto.
O despontar do meu interesse por este prometedor campo de trabalho remonta a data já algo remota, quando as parabólicas instaladas no Picoto permitiam ao comum habitante desta augusta cidade aceder às imagens da RTL. Chamou-me na ocasião a atenção, particularmente, um programa designado, sem grande fundamento, «a fruta toda» (em tradução livre para português). Impropriamente, digo, porque embora trouxesse para a luz das câmaras muita fruta, não mostrava a fruta toda, como a designação sugeria.
A fruta toda, propriamente dita, estava à vista em filme que vi bastante mais tarde no «Canal +», por ocasião de uma digressão por terras francesas. Os mesmos valores, as mesmas referências voltei a ver há dias, quando o acaso me fez pernoitar na cidade alemã de Frankfurt. Na circunstância, não era qualquer canal de difusão pública de TV por cabo que procedia à distribuição das imagens mas o circuito vídeo do hotel (de luxo, por sinal); aliás, oferecendo séries alternativas.
Posta a formação conservadora que me foi veiculada, admito ter sentido algum embaraço face às expressões de calor que transpiravam das imagens a que me reporto. Não fora o interesse científico da observação, por certo teria desligado o aparelho. Prevaleceu, entretanto, a motivação científica, e é em razão disso que vos posso chegar agora algumas conclusões preliminares deste estudo de caso.
A primeira dessas conclusões, e porventura a mais portadora, é exactamente aquela que anotei na introdução deste «paper». Outras há, no entanto, de que vale a pena dar conta, concretamente: i) a curiosa circunstância de estas efervescências tenderem a manifestar-se no términos da semana; ii) o carácter democrático, participativo destas trocas de calor; e, finalmente, iii) a aparente ausência de barreiras étnicas, que cumpre saudar, especialmente sabidos os tempos de intolerância que correm.
Embora devendo ser tidas a título preliminar, estas conclusões parecem-me ser portadoras para justificar que me possa considerar plenamente compensado pelo esforço dispendido na investigação e daí, que não tenha dúvidas em assumir, desde já, o compromisso de dar continuidade à pesquisa. Sendo, no entanto, vasto o objecto de análise, bom seria que outras vontades se mobilizassem por forma a este estimulante campo de investigação vir a recolher a atenção que merece.
J. C.
(reprodução integral de texto do autor identificado, publicado no jornal Notícias do Minho, em 95/07/29, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)
Radica a ideia que aqui avanço na observação sistemática que venho prosseguindo do comportamento do cidadão europeu mais a norte, isto é, de latitudes onde o sol é mais avaro. E, se bem que este não seja campo de investigação para que me reconheça particularmente preparado, procuro compensar a falta de domínio dos instrumentos de pesquisa com empenhamento redobrado na contemplação do objecto.
O despontar do meu interesse por este prometedor campo de trabalho remonta a data já algo remota, quando as parabólicas instaladas no Picoto permitiam ao comum habitante desta augusta cidade aceder às imagens da RTL. Chamou-me na ocasião a atenção, particularmente, um programa designado, sem grande fundamento, «a fruta toda» (em tradução livre para português). Impropriamente, digo, porque embora trouxesse para a luz das câmaras muita fruta, não mostrava a fruta toda, como a designação sugeria.
A fruta toda, propriamente dita, estava à vista em filme que vi bastante mais tarde no «Canal +», por ocasião de uma digressão por terras francesas. Os mesmos valores, as mesmas referências voltei a ver há dias, quando o acaso me fez pernoitar na cidade alemã de Frankfurt. Na circunstância, não era qualquer canal de difusão pública de TV por cabo que procedia à distribuição das imagens mas o circuito vídeo do hotel (de luxo, por sinal); aliás, oferecendo séries alternativas.
Posta a formação conservadora que me foi veiculada, admito ter sentido algum embaraço face às expressões de calor que transpiravam das imagens a que me reporto. Não fora o interesse científico da observação, por certo teria desligado o aparelho. Prevaleceu, entretanto, a motivação científica, e é em razão disso que vos posso chegar agora algumas conclusões preliminares deste estudo de caso.
A primeira dessas conclusões, e porventura a mais portadora, é exactamente aquela que anotei na introdução deste «paper». Outras há, no entanto, de que vale a pena dar conta, concretamente: i) a curiosa circunstância de estas efervescências tenderem a manifestar-se no términos da semana; ii) o carácter democrático, participativo destas trocas de calor; e, finalmente, iii) a aparente ausência de barreiras étnicas, que cumpre saudar, especialmente sabidos os tempos de intolerância que correm.
Embora devendo ser tidas a título preliminar, estas conclusões parecem-me ser portadoras para justificar que me possa considerar plenamente compensado pelo esforço dispendido na investigação e daí, que não tenha dúvidas em assumir, desde já, o compromisso de dar continuidade à pesquisa. Sendo, no entanto, vasto o objecto de análise, bom seria que outras vontades se mobilizassem por forma a este estimulante campo de investigação vir a recolher a atenção que merece.
J. C.
(reprodução integral de texto do autor identificado, publicado no jornal Notícias do Minho, em 95/07/29, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)
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