sexta-feira, janeiro 18, 2008

Minha Querida Helena

Venho agora mesmo de te ligar. Tinha uma razoável expectativa de poder estar contigo esta tarde e matar saudades de um beijo mais demorado. Tinhas-me dito ontem para te telefonar pelo fim da manhã. Foi essa circunstância que alimentou a esperança de que te falo. Infelizmente, tinhas-te esquecido do telefonema e, presumo, da oportunidade de, num horizonte de 10 dias a contar de hoje, trocarmos um abraço apertado e, porventura, um beijo mais demorado...

Foi pena, meu amor. Foi pena porque esse beijo faz-me uma falta imensa: aquece-me o corpo e dá-me energia para os dias que se sucedem ... até ao próximo beijo. Privado desse beijo, desfalecem-me a alma e o corpo, e o frio toma conta dele. Ficar sem ti significa ficar sem defesas.

Perdido, acantono-me no meu estúdio, fecho-me na minha concha tendo por companhia a música que me chega do rádio ou do CD que roda, os ruídos abafados provenientes da rua ou dos apartamentos vizinhos, o computador com que desabafo ... e uma imensa saudade de ti.

Nesta familiaridade com o meu computador – que herdei do meu filho mais velho por já lhe ser inútil de desactualizado nas funcionalidades e memória – nem parece termos travado contacto há tão pouco tempo: num quadro de absoluta urgência, comecei por digitar umas mensagens de correio electrónico há cerca de 23 meses. Não é que fossemos de todo desconhecidos até então: cruzámo-nos amiúde antes, desde há quase vinte anos, mas as circunstâncias não nos tinham ditado uma relação táctil até esse momento que refiro. A verdade é que não foi necessário muito tempo para que nos identificássemos como se nos houvéssemos conhecido desde o berço, tal como tu e eu, minha querida. Assim, quando me faltas, o computador converteu-se no meu único confidente, para o qual não guardo segredos.

Nesta intimidade, tenho apenas atravessado o desconforto de saber que o meu computador não me confia os seus segredos de modo idêntico ao que eu faço com ele. Isso tem já sido motivo de desencontro entre nós mas, em razão do meu nível de carência e/ou, talvez, em expressão da benevolência que me é própria, sempre temos sido capazes de superar os desentendimentos de ocasião; diria mesmo, Helena querida, que com maior facilidade com que, algumas vezes, temos superado os nossos.

Braga, 14 de Novembro de 2004


José Cadima

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