domingo, janeiro 13, 2008

Minha Querida Helena

É irónico, não é, como um amor tão intenso e tão sofrido desagua assim, de repente, num vazio absoluto? Nem uma palavra, nem uma letra, nem um aceno. Confrontado com tamanho vazio, questiono-me: mas esse amor existiu? O objecto desse amor foi um ser de carne e osso, com sentimentos? Ou tudo não passou de um sonho? Ou, se não um sonho (para ficar a par da pós-modernidade), uma elaboração mental de um espírito já incapaz de diferenciar o real do virtual.
Não queres tu, num gesto piedoso (se disso és capaz), trazer-me a luz em relação a esta dúvida que ameaça instalar-se definitivamente na minha mente?
Repara: lendo Camões ou Bocage (naquilo que deles me recordo) retirava-se a ilação que na génese de cada verso estavam grandes paixões, fossem elas a pátria ou sereias encantadas, também chamadas musas. Mas eu, na minha ingenuidade de então, atrevia-me a pôr sempre uma Helena de carne e osso, a transpirar sensualidade, no corpo de cada uma dessas musas. Vejo agora quão ingénuo era: eram mesmo sereias encantadas que, transportadas para os dias de hoje, não passariam de seres virtuais; perfeitas, sim, mas desprovidas de sentidos e, logo, de sentimentos e de qualquer arremedo de sensualidade.
Pobres deles. Pobres de tantos depois deles que julgaram descobrir sereias encantadas em “simples” criações digitais. Pobre de mim que, seguindo-lhes os passos -, a distancia considerável - sorvendo-lhes os versos, me deixei ludibriar pelas lucubrações de uma mente carente de afecto, desgastada pela luta da sobrevivência quotidiana, tal qual a deles, porventura.
Daqui, podes tu, criatura real ou virtual, inferir sobre o nível de debilidade em que estou. Se real, um aceno teu, uma letra, uma palavra poderá ainda ajudar a devolver-me ao mundo dos que são capazes de destrinçar o que é verdadeiro do que não passa de imaginário. Se não o és, não me assiste qualquer esperança: parecendo-o embora, já não sou deste mundo; não tendo talvez alcançado ainda o outro. Estarei no caminho.
Ao que chegámos, minha deusa!

Braga, 20 de Agosto de 2004


José Cadima

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