quinta-feira, março 08, 2007

Minha Querida Helena

Quando já não o esperava, eis que dás um sinal de boa-vontade; pequeno, tardio, mas nem por isso deixou de ser um passo em frente. Como interpretá-lo então? Como o primeiro de um percurso que tem que ter um primeiro passo? Como uma breve hesitação ou desequilíbrio que ocorreu nesse sentido, podendo tê-lo sido para trás ou para qualquer um dos lados? Como um gesto de quem procura um caminho e está inseguro de ser aquele o trilho que o vai levar á meta perseguida?
Mesmo surpreso, fico contente; pouquinho, para não ser surpreendido por uns próximos dois passos atrás. Para mim, alguém que se move é um ser que está vivo e, estando-o, só pode esperar que o dia seguinte corra melhor que o dia que o antecedeu. Sabes: podendo não parecê-lo, sou eu que te digo isto, provavelmente não por força da realidade que me assiste no presente mas, antes, por tê-lo assumido como filosofia de vida no passado e, tendo como rotina o trabalho com jovens, tê-lo usado para lhes transmitir o entusiasmo, o arrojo e a iniciativa que amiúde não descortinei neles.
Vou ficar na expectativa. Vou tentar reconhecer em ti a aluna que foste, esforçada, decidida, mas insegura (Descalça vai para a fonte, Helena pela verdura; vai descalça mas não segura. Recordas-te?). Com o carinho do professor que segue os gestos hesitantes da aluna por quem desenvolveu uma empatia que nasceu de um ror de pequenos nadas, vou ficar a aguardar que passo darás depois deste primeiro; não sendo, no entanto, já capaz de dar-te lições, por me faltar convicção.
Falo disto com óbvio embaraço pois que sempre fiz por ensinar o que conheço e aquilo em que acredito. Isso levou-me a percorrer caminhos mil, ensaiar percursos que quem me dera nunca tivesse usado percorrer, tentar aprender outra vez o que soube e esqueci ou o que julgava ter aprendido mas, lá chegado, verifiquei ser uma caixa negra sem porta de entrada evidente. Falo disto com o óbvio embaraço de quem, porventura, quis mostrar-te um mundo novo e só conseguiu pôr diante de ti um território de ilusão, que se esvaneceu logo que os primeiros ventos arrastaram os fumos que davam forma às imagens que configuravam o meu mundo imaginário.
Que frustração imensa, minha querida, esta do professor que julgava saber e nada compreendia. Que calamidade esta, meu amor, de me encontrar a mirar que passos darás não tendo modo de te dizer que vais segura se seguires caminho comigo.


Braga, 19 de Setembro de 2004


José Cadima

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